Um dos principais hospitais do Zimbábue teve sete casos de bebês natimortos em um só noite por causa de atrasos no atendimento ligados à falta de pessoal, segundo relatos de médicos dados à BBC.
O caso ocorreu no Hospital Central de Harare, capital do país, na última segunda-feira (27).
Enfermeiros estão em greve nacional por causa da falta de EPIs (equipamento de proteção individual) para lidar com a crise de coronavírus — o que afetou o atendimento, em particular nas maternidades.
Um dos médicos disse que que as mortes de segunda-feira são apenas “a ponta do iceberg” e que o sistema de saúde do Zimbábue enfrenta diversos outros problemas. Recentemente um escândalo de corrupção foi revelado, em que contratos multimilionários foram fechados para compra de material superfaturado. O ministro da Saúde do Zimbábue foi demitido por causa dessas acusações.
Assim como os enfermeiros, os médicos chegaram a ameaçar com uma greve alegando más condições de trabalho, mas o governo do Zimbábue fez um apelo para que eles reconsiderassem a decisão.
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Se repete todos os dias
As mortes no Hospital Central de Harare foram reportadas pela primeira vez pelo doutor Peter Magombeyi, que as publicou no Twitter na terça-feira: “Roubaram nosso futuro, incluindo nossos bebês não nascidos. Por favor parem com os saques.”
Dois médicos com conhecimento direto sobre a situação do hospital de Harare confirmaram para a BBC que na segunda-feira à noite foram realizadas oito cesarianas. Sete dos bebês nasceram mortos.
“Houve uma intervenção muito, muito tardia”, disse um médico, sob condição de anonimato. Os médicos do hospital foram proibidos de falar com a imprensa.
“Duas das mães tiveram rompimentos no útero e precisavam de cirurgias imediatas. As outras operações ocorreram devido a um trabalho de parto obstruído, mas não foram realizadas a tempo, e, por isso, os bebês morreram, presos no pélvis das suas mães”, disse o médico.
Ele descreveu cenas horríveis nos principais hospitais de Harare, que funcionam com poucos médicos e enfermeiros, devido à greve .
Muitas das clínicas menores da capital também foram afetadas ou fechadas pelas greves, o que levou muitas mulheres grávidas a procurarem o Hospital Central de Harare, lotando a maternidade.
“Estes não são incidentes isolados. Isso se repete todos os dias e tudo que podemos fazer é vê-los morrer. Isso é uma tortura para as famílias e para os médicos mais jovens”, disse um outro médico.
Graves carências
Os médicos falaram que há uma séria escassez de equipamentos de proteção pessoal, assim como medicamentos para tratar eclampsia e material para tratar hemorragias durante os nascimentos.
“Temos uma estrutura de enfermagem mínima, composta, na maioria, de profissionais mais graduadas, que não podem fazer greve. Mas elas não dão conta do número de pacientes”, disse o médico que falou em anonimato.
“Os médicos tentam, mas estão muito cansados. E os médicos mais jovens não têm experiência em identificar complicações [de parto]”, diz.
Em uma nota oficial, a Sociedade de Obstetras e Ginecologistas do Zimbábue descreveu a situação nos hospitais como “grave” e “mais que horrível”.
“Nossas mulheres estão sofrendo e acreditamos que todas as partes interessadas — o governo, os médicos, a sociedade civil e as pessoas — devem atuar para salvar as mães e os seus bebês , que não têm voz”, disse a associação.
O Zimbábue enfrenta problemas econômicos e hiperinflação. Nesta semana estão previstos protestos contra o Zanu-PF, o partido que governa o país desde a independência, em 1980.