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Opinião – Casa de ferreiro, espeto de pau


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Nesta terça-feira (11/8), pela primeira vez desde o início da pandemia, a Assembleia Legislativa reuniu um grande número de deputados. Na ocasião, admirou-me o fato de que boa parte dos parlamentares não respeitaram as regras básicas de distanciamento social.

Apesar do tamanho, o principal plenário do Palácio 9 de Julho é um ambiente sem ventilação, exceto a recirculação pelo sistema de ar-condicionado. Apesar disso, alguns parlamentares não usavam máscara, em um negacionismo ostensivo e ofensivo, já que, além da própria saúde, arriscavam a alheia.

Outros, acredito que sem intenção de desafiar as novas regras de ética e etiqueta, cumprimentavam-se à moda antiga, tocavam-se, falavam-se de perto, cochichavam uns ao ouvido dos outros. Uma promiscuidade no sentido original da palavra, de mistura desordenada. Puro esquecimento de que o comportamento social que assumimos por anos e anos deixou de ser aceitável neste momento.

Fui obrigado a pedir a palavra e chamar a atenção de meus pares. Não para repreendê-los, mas para sugerir que olhassem à volta e meditassem sobre o que está prestes a ocorrer nas escolas públicas, no início de setembro, com o aval desta egrégia Casa.

Se poucas dezenas de adultos bem instruídos, mulheres e homens comodamente instalados em poltronas de couro, cercados por paredes de mármore branco, não conseguem manter uma postura que impeça a transmissão do coronavírus, como esperar um comportamento diferente nas centenas de escolas de lata ou nos prédios sucateados das periferias?

No pronunciamento que deveria adiar o plano de volta às aulas para o início de outubro, o secretário Rossieli Soares deixou aberta a possibilidade de atividades presenciais a partir de 8 de setembro, apesar de todas as evidências apontarem que isso ainda não é seguro. E mais, fez toda uma propaganda, subliminar e sub-reptícia, para induzir o retorno antecipado dos alunos, um movimento cujas consequências nefastas recairão sobre a responsabilidade das famílias e não sobre uma política genocida que mira as eleições de 2022.

Entre mentiras (como a de que 95% dos alunos têm acesso às aulas remotas) e obviedades (que teremos um árduo trabalho para a reposição dos conteúdos), Rossiele não citou nenhuma ação do governo no sentido de fornecer internet, computadores e telefones inteligentes aos estudantes de baixa renda. Isso sim faria que os alunos mais pobres não ficassem mais uma vez para trás.

Publicada na revista Exame, uma pesquisa financiada pelo governo dos EUA deu conta de que, nas duas semanas em que as escolas estiveram abertas, houve a contaminação de 97 mil crianças, das quais 25 morreram.

O retorno às aulas neste momento só é realmente importante para um grupo bem específico: os donos de escolas particulares. Aliás, suas entidades representativas foram as únicas que participaram da elaboração dos protocolos com Rossieli. Em outubro, abre-se o período de matrículas, e para os mercadores do ensino é importante que a classe média não considere a escola pública uma opção.

É função da Assembleia Legislativa não apenas fazer leis. Ao fiscalizar o Executivo, ela pode também anular qualquer ato normativo que contrarie o interesse popular. Por isso, peço apoio ao meu Projeto de Decreto Legislativo 25/2020, o qual susta os efeitos do decreto de Doria de volta às aulas. Nesse diploma, o governador e seu secretariado tentam conciliar conceitos divergentes, hoje ainda mais antagônicos, pois, para atender à vontade de um segmento do empresariado, eles criam regras que ameaçam a saúde e a vida da população. Esse é outro tipo de promiscuidade, ainda mais letal.

*Carlos Giannazi é mestre em Educação pela USP, doutor em História pela USP, diretor (licenciado) de escola pública, deputado estadual pelo PSOL e membro da Comissão de Educação da Assembleia Legislativa.

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