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Consciência Negra: alunos da rede estadual lideram enfrentamento ao racismo nas escolas
O Dia da Consciência Negra, celebrado nesta quinta-feira, em 20 de novembro, tem como objetivo principal reconhecer e valorizar a contribuição histórica, cultural, política e social da população negra no Brasil, além de promover debates e ações contra o racismo. Na rede estadual de ensino do Paraná, esse trabalho é desenvolvido ao longo de todo o ano letivo, de forma contínua e integrada ao currículo.
Temas como identidade, diversidade e relações étnico-raciais, inseridos em diferentes componentes curriculares, são trabalhados em contextos como projetos de leitura de autores negros, rodas de conversa, pesquisas sobre a história da África e do Brasil afrodescendente, além de atividades artísticas que valorizam a cultura afro-brasileira.
No ensejo do Dia da Consciência Negra, essas ações ganham maior visibilidade. Em sala de aula, iniciativas conduzidas pelos próprios estudantes, com o apoio de professores, educadores e diretores de todo o Estado, evidenciam que esta é uma pauta cada vez mais urgente.
“Os alunos estão atentos, organizados e mobilizados para discutir discriminação, identidade e representatividade, temas que, para eles, já não podem ser ignorados nem tratados como algo tolerável. Esses movimentos estudantis, presentes ao longo de todo o ano letivo, demonstram a relevância crescente desse debate no ambiente escolar”, afirma o secretário de Estado da Educação, Roni Miranda.
COLETIVO DANDARA DOS PALMARES – Em Querência do Norte, no Noroeste do Paraná, alunos do Colégio Estadual Humberto de Campos uniram-se em prol do combate à discriminação racial. Por meio do Coletivo Dandara dos Palmares, criado pelos próprios estudantes com o suporte da coordenadora da escola, Betânia Rios de Souza, a iniciativa tem dado visibilidade e voz aos jovens que buscam fortalecer a identidade negra, promover o respeito e incentivar a reflexão sobre igualdade racial no ambiente escolar. O grupo realiza debates, campanhas de conscientização, produções artísticas e ações de diálogo com a comunidade escolar.
“Tudo começou numa prática pedagógica desenvolvida no Programa Formadores em Ação – Jornada de 2025, na temática História e Cultura Afro-Brasileira”, relembra Betânia. “Tínhamos entre as diretrizes realizar a pesquisa de autodeclaração racial na escola e criar grupos voltados ao combate à discriminação racial. Propus a atividade e ela foi prontamente abraçada pelos alunos do Grêmio Estudantil”, relata.
Entre os focos do Coletivo Dandara dos Palmares está o enfrentamento ao racismo recreativo, forma de injúria racial naturalizada em brincadeiras, piadas e apelidos no ambiente escolar.
Outra iniciativa do grupo foi a criação da Pasta de História e Cultura Afro-Brasileira, desenvolvida após a pesquisa de autodeclaração racial realizada em abril. “A pesquisa deixou evidente a diversidade na escola e reforçou a necessidade de criar um espaço permanente de registro, estudo e diálogo sobre identidade, história e representatividade”, explica a coordenadora. “A pasta surgiu para dar continuidade às discussões que os próprios alunos apontaram como importantes, mantendo o tema ativo no cotidiano da escola”, afirma.
Ela destaca também a participação no 4º Congresso de Formadores em Ação, realizado em Foz do Iguaçu em 2025, onde o projeto foi apresentado como uma das práticas inspiradoras da rede estadual. “Nosso trabalho foi destaque diante de 800 educadores de todo o Estado. Inclusive, fomos convidados por professores de outros municípios para instituir o coletivo em outros colégios”, aponta. “A presença do grupo em um dos maiores eventos de formação continuada do país foi a prova de que, no combate ao racismo, nossa escola está no caminho certo”.
EDUCAR PARA O RESPEITO – No Colégio Estadual Vital Brasil, em Maringá, no Noroeste, o engajamento dos estudantes do 8º e 9º ano em ações de enfrentamento ao racismo e ao bullying no ambiente escolar vem se consolidando como referência local. Com foco no letramento racial, o projeto Educar para o Respeito estrutura atividades pedagógicas e de sensibilização que envolvem diretamente os estudantes na discussão sobre relações étnico-raciais e práticas discriminatórias no cotidiano escolar.
O movimento surgiu a partir da inquietação da professora de Língua Portuguesa, Daniele Graordem, diante de situações observadas em sala e de dados nacionais que revelam a persistência de práticas racistas nas escolas, como a pesquisa “Percepções sobre Racismo no Brasil” (Locomotiva/Cufa, 2023), segundo a qual 55% dos professores já presenciaram episódios do tipo.
A abordagem do projeto contempla ações práticas desenvolvidas dentro e fora da sala de aula. Entre elas, estão o estudo da história e cultura africana e afro-brasileira, debates sobre estereótipos, produção de materiais didáticos e a criação de uma rede social voltada ao letramento racial para toda a comunidade escolar.
Para subsidiar as atividades de leitura e análise literária, a escola recebeu 38 exemplares do livro “Pretinha, eu?” do autor, Júlio Emílio Braz.
“A narrativa acompanha o processo de amadurecimento da protagonista, Maria Eunice, uma garota negra em plena jornada de descoberta da própria identidade. Na trama, ela tenta entender por que ser chamada de ‘pretinha’, algo que deveria ser afetuoso, muitas vezes carrega preconceitos implícitos”, explica a professora.
Outra frente do projeto explorou o laboratório de informática, onde os alunos produziram materiais digitais, mapearam expressões racistas e desenvolveram o “Guia do Estudante para o Estudo das Relações Étnico-Raciais”. Eles criaram vídeos educativos, um avatar próprio, o ‘Ererzinho’, e alimentaram um perfil criado numa rede social especialmente dedicado ao tema, utilizando diferentes espaços da escola como cenário.
Para além dos muros da escola, a iniciativa foi reconhecida na Feira Literária Internacional de Maringá (FLIM), realizada em outubro, ao ser selecionada entre os projetos premiados pelo evento, na categoria Práticas que Transformam. A feira reuniu aproximadamente 28 mil visitantes.
“Esse reconhecimento foi muito especial para nós. Ver o trabalho dos alunos sendo valorizado em um evento desse porte mostra que a educação para o respeito precisa ganhar cada vez mais espaço nas escolas”, finaliza Daniele.
INICIATIVAS INSTITUCIONAIS – A Secretaria de Estado da Educação do Paraná (Seed-PR) vem fortalecendo, de forma contínua, as ações voltadas ao enfrentamento ao racismo e à promoção da diversidade na rede estadual de ensino.
Entre as iniciativas mais recentes está a distribuição de cerca de 10 mil exemplares da cartilha “Racismo e Injúria Racial”, desenvolvida pelo Departamento de Educação Inclusiva da Secretaria. O material reúne conceitos essenciais, orientações práticas, referências legais e sugestões de atividades para subsidiar educadores em palestras, rodas de conversa e práticas pedagógicas.
Outras medidas incluem formação continuada para professores, atuação de equipes multidisciplinares, entrega de obras literárias específicas e ações promovidas pelo programa Formadores em Ação, voltado ao fortalecimento do ensino da história e cultura afro-brasileira.
Também integra o conjunto de iniciativas a campanha de autodeclaração racial, realizada durante o processo de matrícula e rematrícula, que visa reduzir o número de estudantes não declarados no Censo Escolar. A proposta estimula que todos revisem ou preencham sua autodeclaração racial, permitindo que a rede identifique com maior precisão seu público e implemente políticas educacionais mais eficazes e alinhadas à diversidade presente nas escolas.
