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Congresso da OAB/DF sobre Saúde, Bioética e Biodireito aborda questão dos “Cuidados Paliativos”

Publicado em: 08/11/2025 12:42

E/D: Cristiane Cordeiro, Thais Maia e Gabriela Hidalgo

O 1º Congresso Brasiliense de Saúde, Bioética e Biodireito, sediado pela Seccional do Distrito Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/DF) e com organização de sua Comissão de Direito da Saúde, Bioética e Biodireito, encerrou nesta sexta-feira (7), seu segundo e último dia de intensos debates. Após uma abertura focada na Inteligência Artificial, o evento mergulhou em temas essenciais para a saúde pública e individual: os desafios e avanços nos “Cuidados Paliativos”, seguidos por discussões sobre “Cuidados Estéticos e Segurança dos Pacientes”.

O início da programação deste segundo dia foi dedicado aos “Cuidados Paliativos”, um campo da Medicina que busca melhorar a qualidade de vida de pacientes e suas famílias diante de doenças graves. As palestras foram conduzidas por duas referências na área: Cristiane Cordeiro, médica paliativista e referência técnica-administrativa na Secretaria de Estado da Saúde do Distrito Federal (SES/DF), e Gabriela Hidalgo, médica paliativista de Família e Comunidade e consultora técnica no Ministério da Saúde (MS). Thaís Maia, presidente da Comissão de Direito da Saúde, Bioética e Biodireito da OAB/DF fez a mediação dessa mesa.

“Um direito humano em luta por acesso”

Cristiane Cordeiro iniciou os trabalhos abordando os “Cuidados Paliativos no Brasil”, e ressaltando a definição dada para essa ação pela Organização Mundial da Saúde (OMS): “Cuidado paliativo é uma abordagem que melhora a qualidade de vida de pacientes (adultos e crianças) e suas famílias, que enfrentam problemas associados a doenças que ameaçam a vida. Previne e alivia sofrimento, através da identificação precoce, avaliação correta e tratamento da dor e de outros problemas físicos, psicossociais ou espirituais.”

A médica enfatizou que o acesso a cuidados paliativos é um direito humano, mas a realidade global é alarmante. Dados recentes da OMS revelam que mais de 40 milhões de pessoas necessitam anualmente desses cuidados, mas apenas 14% os recebem. Anualmente, mais de 20 milhões de indivíduos morrem em sofrimento evitável pela falta de acesso, sendo mais de 80% dessa demanda concentrada em países de baixa e média renda.

No Brasil, o cenário é igualmente desafiador, conforme a última edição do “Atlas dos Cuidados Paliativos no Brasil”, da Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP). O Atlas registrou um crescimento de 22,51% no número de serviços entre 2019 e 2022, totalizando 234 entradas. Contudo, a distribuição é desigual: a Região Sudeste lidera com 98 serviços, seguida pelo Nordeste (60), Sul (40), Norte (7) e Distrito Federal (16).

A maior parte dos serviços (52,5%) está concentrada no Sistema Único de Saúde (SUS), o que demonstra a importância da rede pública. Apesar de um aumento de 28,13% na oferta do SUS desde 2019, o país ainda oferece, em média, apenas um serviço para cada 1,6 milhão de habitantes.

Cristiane Cordeiro destacou que, em um cenário ideal, a proporção seria de 8 a 10 leitos para cada 100 mil habitantes, evidenciando o abismo entre a oferta atual e a necessidade. Outro ponto crítico levantado foi o acesso a medicamentos essenciais para o alívio da dor. A palestrante defendeu o avanço de políticas públicas e a formação continuada de profissionais de saúde para expandir e qualificar esses serviços.

Política Nacional: desmistificando o cuidado paliativo

Em seguida, a médica Gabriela Hidalgo detalhou a recém-instituída Política Nacional de Cuidados Paliativos, de maio de 2024. Ela ressaltou que a política surge de um intenso movimento social e da busca, por meio de ações de cuidado em saúde, de alívio ao sofrimento evitável de pessoas que enfrentam doenças que ameaçam ou limitam a vida.

Hidalgo sublinhou a necessidade de uma profunda mudança cultural. “A principal mudança cultural é afastar a ideia de que ‘paliativo’ significa ‘gambiarra’ ou ‘fim da linha’. Paliativo deriva de ‘pallium’, que significa ‘manto protetor’”, explicou. Ela buscou desmistificar a percepção de que os cuidados paliativos se restringem apenas ao câncer ou ao fim da vida, exemplificando sua aplicação em condições como diabetes e pré-natal de alto risco.

A palestrante defendeu o início precoce dos cuidados paliativos, idealmente já no diagnóstico da doença, e não apenas nas fases finais. “Isso é cuidado paliativo”, disse, ao citar o caso de uma mulher com câncer de mama em estágio inicial que também necessita e recebe apoio. A ideia é que esses cuidados complementem o tratamento da doença, e não o substituam.

Ela fez um relato emocionante sobre um paciente com doença pulmonar que, após aceitar cuidados paliativos, recebendo apoio de um enfermeiro, conseguiu restabelecer qualidade de vida ao voltar a caminhar pelas ruas com o uso de um carrinho de oxigênio; e a tomar banho de modo independente, tendo segurança em utilizar barras e sentar-se em um banco no banheiro, ou seja, tudo isso porque aceitou e passou a usar o “manto protetor” que o cuidado paliativo oferece. Algo que melhorou sua condição de vida e tranquilizou sua família.

Princípios da Política Nacional

No Brasil, estima-se que 1,5 milhão de pessoas vivam com sofrimento grave relacionado à saúde, e quase 60% dos diagnósticos de câncer ocorrem em estágios avançados. A Política Nacional de Cuidados Paliativos busca levar a essas pessoas apoio em todos os pontos da rede de saúde, priorizando a atenção primária e o uso do domicílio como principal local de cuidado.

Entre os princípios da política estão a valorização da vida, o reconhecimento da morte como processo natural, o respeito a valores e crenças, e a oferta de cuidados em todo o ciclo de vida, com início precoce e sem acelerar a morte. Cristiane Cordeiro fez questão de deixar esse último ponto bem esclarecido, pois esse cuidado nada tem a ver com eutanásia, ou morte ou suicídio assistido, praticado em outros países.

Cuidados Estéticos

O segundo tema da manhã abordou os “Cuidados Estéticos e Segurança dos Pacientes”, com um olhar para as implicações éticas e legais. As palestras contaram com a participação de Lívia Vanessa Ribeiro Gomes Pansera, médica infectologista e presidente do Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal (CRM/DF), e Antônio Castelo Branco, cirurgião dentista e presidente da Comissão de Ética do Conselho Regional de Odontologia do Distrito Federal (CRO/DF). O painel explorou as fronteiras e responsabilidades envolvidas nos procedimentos estéticos, destacando a importância da ética profissional e da regulamentação para a segurança dos pacientes.

Memória do 1º Dia: Inteligência Artificial na Saúde e Seus Desafios

O “1º Congresso Brasiliense de Saúde, Bioética e Biodireito” teve início na quinta-feira (6) com uma profunda imersão no impacto da Inteligência Artificial (IA) no setor da saúde. O primeiro dia, marcado pela discussão multidisciplinar, reuniu especialistas para explorar as oportunidades e os dilemas éticos, legais e práticos que a IA apresenta.

A mesa de abertura, com Thaís Maia, presidente da Comissão de Direito da Saúde, Bioética e Biodireito da OAB/DF, Nylda Badú, diretora de Tecnologia da OAB/DF, e Fabricio Reis Fonseca, vice-presidente da Comissão, enfatizou a relevância do congresso em unir temáticas essenciais para os profissionais da área.

As palestras que se seguiram se concentraram em questões como a aplicação da IA na medicina, a responsabilidade em casos de erro médico e a desigualdade no acesso a tecnologias avançadas. O Dr. Renato Barra, especialista em imagens médicas e IA, defendeu a Inteligência Artificial como uma aliada do julgamento clínico, nunca uma substituta, ilustrando com exemplos práticos de diagnóstico por imagem e a necessidade de observar questões éticas como o consentimento informado.

O Dr. Jeancarlo Fernandes Cavalcante, médico e advogado, abordou os desafios da regulamentação da IA na medicina, alertando para o fenômeno do “AI Washing” e a necessidade de garantir segurança, eficácia, ética e transparência sem engessar a inovação. Ele reforçou a insubstituibilidade do olhar humano na medicina.

Por fim, a Dra. Luciana Munhoz, advogada e membro da Comissão de Direito da Saúde, Bioética e Biodireito, detalhou os benefícios, como a detecção precoce de doenças e a melhora na gestão hospitalar, e, principalmente, os riscos da IA na saúde sob uma perspectiva jurídica e prática. Entre os desafios, destacou o viés algorítmico, a automação complacente, a obscuridade dos resultados da IA, os riscos de vazamento de dados e a privacidade, a complexidade da responsabilidade legal, a desumanização do cuidado e o aprofundamento do abismo digital. Todos os palestrantes convergiram na ideia de que a IA deve ser uma ferramenta de apoio e corroboração, e não um substituto para a expertise humana.

Fotos: Luiz Júnior

Jornalismo OAB/DF

Fonte: Agência de Notícias do Estado do DF

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