Compartilhar
FAJ capacita advocacia do DF para atendimento humanizado e especializado a vítimas de violência doméstica
Curso “FAJ em Defesa” reforça o compromisso da Fundação com a formação técnica e sensível da advocacia em casos de violência doméstica
A Fundação de Assistência Judiciária da OAB/DF (FAJ) reforçou seu compromisso com a qualificação da advocacia ao promover, nos dias 3 e 4 de novembro, o curso “FAJ em Defesa: Capacitação de Advogados(as) no Atendimento Jurídico às Vítimas de Violência Doméstica”.
A iniciativa atendeu à crescente demanda por profissionais preparados para lidar com um tema sensível e de grande relevância social.
Esta foi a segunda edição do curso, após o sucesso do primeiro evento, realizado em julho, que reuniu mais de 100 participantes — entre advogados(as), estudantes e operadores do sistema de Justiça — no Mezanino da OAB/DF.
Retomada da missão da FAJ:

Na abertura do curso, a presidente da FAJ, Patrícia Guimarães, ressaltou a trajetória de 43 anos de história, a FAJ retoma sua vocação de formar e apoiar a advocacia por meio de capacitações práticas e humanizadas.


A FAJ, que por muitos anos atuou como um grande núcleo de prática jurídica, desempenhou um papel essencial na formação de advogados, jovens profissionais e estagiários. Com o tempo, a advocacia passou por transformações e esses núcleos foram diminuindo. Diante desse cenário, a presidente destacou a importância de resgatar esse propósito formativo, preparando profissionais para o mercado de trabalho com sensibilidade no atendimento às vítimas e com um firme compromisso com a ética e a responsabilidade social.
Além do Núcleo Sede, localizado no Edifício OK Office Tower, no Setor de Autarquias Sul, a Fundação mantém um núcleo no Núcleo Bandeirante, com foco no atendimento a vítimas de violência doméstica.
A presidente da FAJ, Patrícia Guimarães, destacou que a entidade busca resgatar sua função formadora, preparando advogados para atuar com sensibilidade, ética e técnica em casos de vulnerabilidade social.
A importância de uma capacitação especializada
Patrícia Guimarães compartilhou sua motivação pessoal ao assumir a FAJ, buscando uma forma de contribuir significativamente e enfatizou a importância de reunir especialistas no assunto, trazendo advogados, juristas, membros do Ministério Público e psicólogos para compartilhar suas experiências.
“O intuito é poder ajudar uma mulher. Acima de qualquer coisa, esse curso é para isso”, concluiu Patrícia, ressaltando o papel de sensibilizar e instrumentalizar a advocacia para um atendimento mais completo e humanizado.
O fundamental é saber ouvir


Na abertura do curso, Patrícia Guimarães que é especialista em direito Penal, Direito Cível, Direito de Familia e Mestre em Direito falou sobre a importância de entender a dor da mulher que sofre violência doméstica, ouvindo detidamente a sua história. “O papel da advocacia é entender a violência doméstica de forma profunda, humana, ética e técnica”, explicou.
A presidente da FAJ acentuou que uma advocacia humanizada vai além de oferecer um café e biscoitos, “é sobre ouvir a vítima” e deixar que ela “se sinta à vontade para se abrir”. Depois de ouvir tudo desde o início, aí sim se falar sobre processo. Isso fará toda diferença para a compreensão e a atuação profissional e a busca de um resultado na causa.
Outros pontos de sua palestra passaram pela compreensão da sociedade, questões sobre machismo estrutural e a conquista de direitos das mulheres em linha histórica, passando pela Lei Maria da Penha (suas tipificações) e questões da “abordagem social e responsabilidade coletiva”. Finalizou com a questão de os filhos repetirem ciclos de violência, o que enseja atentar-se que “tudo o que os pais fazem, filhos copiam. “Vamos ser espelhos de orgulho para nossos filhos”, afirmou.
Capacitação especializada e humanizada
O curso reuniu especialistas de diversas áreas — entre advogados, juristas, membros do Poder Público e psicólogos — para oferecer uma formação abrangente sobre o atendimento a vítimas de violência doméstica.
A proposta foi capacitar não apenas quem atua diretamente na área, mas também profissionais de outros ramos do Direito, possibilitando a identificação de sinais de abuso em diferentes contextos jurídicos.
A formação enfatizou a importância de uma escuta atenta e empática, elemento essencial para compreender a realidade das vítimas e oferecer um atendimento ético e eficaz.
Foram abordados temas como os aspectos legais da Lei Maria da Penha, o impacto da violência no ciclo familiar, o papel da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM) no registro e investigação de ocorrências, além dos desafios no caminho da denúncia.
Também foram tratados assuntos como advocacia na linha de frente, estratégia processual, medidas urgentes, trauma psicológico e produção de laudos.
“A Atuação do Poder Judiciário em casos de violência doméstica”


Após a abertura, falou o juiz de Direito Felipe Kersten, Titular do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Circunscrição Judiciária do Gama. Apresentou o panorama da atuação do Poder Judiciário no Distrito Federal, que atualmente conta com 16 juizados especializados. Ele destacou a agilidade na concessão de medidas protetivas e a importância de garantir o cumprimento rigoroso das decisões judiciais.
O magistrado abordou os desafios e as perspectivas para quem julga os casos de violência doméstica falando sobre as suas intersecções, pois as agressões não são fenômenos isolados: a violência de gênero se entrelaça com outras formas de discriminação e opressão, como raça, classe, orientação sexual e identidade de gênero. Quando envolve crianças e adolescentes, tudo é ainda mais delicado e desafiador para os juízes, conforme detalhou.
Felipe Kersten discorreu também sobre as medidas protetivas, pois o seu descumprimento pode levar o agressor à prisão preventiva. “E tem que levar porque o ofensor tem de entender que não é uma brincadeira descumprir ordem judicial”, pontuou o magistrado.
Ele abordou, por fim, o aumento da pena para esse descumprimento das medidas protetivas. A Lei 13.641/2018 alterou a Lei 11.340/2006, a “Lei Maria da Penha”, e passou a considerar como crime o ato de descumprir medidas protetivas de urgência. Assim, atualmente, o ofensor que desrespeita medida a ele imposta comete o crime tipificado no artigo 24-A da Lei Maria da Penha e está sujeito a pena de 3 meses a 2 anos de detenção.


“O trabalho da Polícia passa por inovações tecnológicas“


O segundo palestrante dessa noite de segunda-feira foi o professor Sérgio Bautzer, delegado de Polícia Civil do DF que atua há 20 anos no combate à violência contra a mulher. Ele iniciou sua fala explicando o contexto de atendimento nas delegacias do Distrito Federal, que vêm passando por inovações tecnológicas.
Bautzer informou que a Polícia Civil está evoluindo a forma de colher depoimentos para evitar a revitimização e, assim, veio o caminho de ouvir e gravar por meio audiovisual – o que traz avanços e desafios. Um dos desafios é não ter mais, como se fazia antes, uma imediata disponibilização de peças escritas.
“Temos, inclusive, sistema audiovisual com uso de teleconferência entre delegacias. Os flagrantes podem ser feitos de uma delegacia a outra. Abre-se a videoconferência e realiza-se a oitiva, com a divisão de telas”, esclareceu.
Reconhecendo a dificuldade de cada momento, o delegado lembrou que, não raramente, vítimas e denunciados fogem da objetividade porque há muita emoção envolvida. E é preciso entender se houve ofensa à lei e como isso aconteceu. Identificar com precisão cada ato ajuda a entender e registrar a ocorrência, tipificando adequadamente, quando há crime, ou até mesmo descartando o que não existiu.
Ao longo de sua palestra, Sérgio Bautzer trouxe exemplos de situações para contextualizar questões que os profissionais poderão ter de lidar nas delegacias e adentrou sobre como ocorre o desdobramento junto ao Judiciário. Ele comentou como funciona o atendimento nas delegacias, por parte dos agentes policiais, para dar compreensão sobre como o profissional poderá interagir melhor, facilitando o diálogo e a compreensão do trabalho. Trouxe, por fim, cenários e possibilidades de respostas das autoridades policiais frente a casos apresentados.


Segundo dia de curso


Na terça-feira (4), o curso contou com a participação do conselheiro seccional Anderson Costa, que é advogado criminalista, especialista em Penal e Processo Penal. Mestre, autor e professor universitário e de concursos, Anderson Costa também é presidente da Comissão de Processo Penal da OAB/DF e secretário-adjunto da Comissão Nacional do Tribunal do Júri. Também teve a participação do psicólogo clínico Wesley Coelho, profissional especializado em atendimento a mulheres vítimas de violência doméstica.


A palestra de Anderson Costa destacou a importância da atuação responsável e técnica da advocacia nos casos de violência doméstica. Ressaltou que o papel do advogado vai além da representação legal, sendo fundamental garantir a veracidade dos relatos, a produção de provas adequadas e a preservação do sigilo processual.


O professor fez alertas sobre processos que ficam vulneráveis, em muitos casos, porque a palavra da pessoa que se apresenta como vítima não tem bastado. “Temos de pensar nas testemunhas, vejam que muitas pessoas, depois do calor da hora, não querem se manter como testemunhas. Portanto, é preciso documentar e conversar sobre o que viram e pode ser por WhatsApp, na troca de mensagens de texto e de áudio”, esclareceu.
Assim, a palestra de Anderson Costa foi uma aula prática de como se deve advogar para mulheres vítimas de violência, desde a recepção do caso, até pensar se há uma causa para seguir em frente, com reais chances de a cliente ter êxito. Ele falou ainda sobre a importância de os profissionais da advocacia “assegurarem que o processo corra em sigilo”. Também, destacou o fundamental preparo para a audiência, e dentre os aspectos mais relevantes não permitir que uma mulher agredida deponha na Justiça em frente ao agressor. “Há casos, pasmem, em que o juiz não observa nem que há medidas protetivas a serem cumpridas, distanciamento obrigatório entre os dois. E é importante que o agressor saia de perto dela”, frisou.
“Interrogatório é uma fase que também exige muita preparação. Saber o que perguntar e o que não perguntar é fundamental. Não podemos ser ignorados nesta fase. É preciso se posicionar”, afirmou Anderson Costa, para concluir: “sejam humanos, não julguem as mulheres que defendem e zelem pela integridade de suas clientes”.


“Escuta para proteger“


O psicólogo Wesley Coelho apresentou uma análise sobre os impactos emocionais e psicológicos da violência doméstica e destacou como a advocacia pode trabalhar em sintonia com profissionais da saúde mental. Reforçou a relevância da escuta ativa e sem julgamentos, essencial para compreender o contexto de cada mulher e evitar sua revitimização.
Dr. Wesley Coelho, psicólogo clínico, profissional especializado em atendimento a mulheres vítimas de violência doméstica, trouxe ao curso uma visão sobre como trabalham os profissionais de sua área ao lidarem com a questão da saúde mental e emocional de mulheres agredidas, e a partir disso como podem apoiar a advocacia.
Ele resgatou o caso de Maria da Penha, que escreveu o livro “Sobrevivi… posso contar (1994)”. Seu processo levou à condenação internacional do Brasil por negligência e omissão em casos de violência doméstica, resultando na criação da Lei Maria da Penha em 2006. A condenação pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA ocorreu após a omissão do Estado brasileiro em punir o agressor, mesmo após duas condenações judiciais em primeira instância. Como reparação, o governo do Ceará pagou uma indenização de R$ 60 mil a Maria da Penha em 2008. E ela tem sido, além de uma referência pela lei que protege as mulheres em caso de violência doméstica, uma ativista dessa causa.


Segundo Wesley, ao conhecer os casos e ouvir as mulheres, “em escuta ativa”, verdadeira, é possível identificar as violências sofridas. “Podemos apoiar a tipificação dos casos, já sabendo que as violências físicas e patrimoniais são mais evidentes do que as psicológicas. E pensando que é difícil que uma pessoa queira passar pela perícia em seu celular, ter seus dados e sua vida expostas”, explicou Wesley, para argumentar o quanto é importante ter sensibilidade ao lidar com essa área do Direito.
Para o psicólogo, dar nome a dor, entender humilhações e restrições vai influenciar, inclusive, a “escuta ativa no Judiciário”. Por isso, a “comunicação com empatia e respeito” pode caminhar para a compreensão de tudo o que cerca as pessoas e oferecer uma abordagem e resultados mais assertivos, seguros.
“Escuta ativa” deve vir acompanhada de “falta de julgamento”, pois as pessoas passam por situações muito difíceis e precisam confiar nos profissionais que as atendem. “Estabelecer vínculo é ter o básico necessário para atingir a subjetividade”, ensinou.
Ao longo de sua palestra, o dr. Wesley Coelho deu mais dicas valiosas para que não se revitimize as clientes, e para que se evite perder a confiança da pessoa, e muitas vezes perder a própria causa. “Você não sabe como essa pessoa está se sentindo e não pressuponha, escute!”, aconselhou. Por fim, ele reforçou que é sempre preciso ter uma “comunicação genuína e acolhimento”.
Realizou apontamentos sobre a construção de laudos periciais, dando dicas como realizar essa construção e como saber se eles são válidos.


Parcerias institucionais
A realização do curso foi fruto de uma importante parceria institucional entre a FAJ, a OAB/DF, a Escola Superior de Advocacia (ESA/DF).
Com a iniciativa, a FAJ reafirma seu compromisso em fortalecer a advocacia do Distrito Federal, promovendo formações que unem técnica, sensibilidade e compromisso ético, garantindo às vítimas de violência doméstica um atendimento jurídico qualificado, acolhedor e humanizado.
Fotos: Alex Bandeira

