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Ballet em home office? Novas Singularidades!

Foto: Divulgacao

Grupo apresenta presencialmente em São Paulo espetáculo de dança ensaiado integralmente em home office.

Cada um de nós sobreviventes carregará marcas diferentes sobre a experiência que tivemos nesta pandemia do coronavírus. Alguns ainda trabalham e estudam de casa num regime que nos acostumamos a chamar com o anglicismo do home office. Mas e as atividades humanas que não são vocacionadas para o trabalho remoto, como superaram a distância? Criado por videoconferências, o espetáculo presencial de dança e audiovisual Novas Singularidades nos responde a essa pergunta de forma sublime.

Antes da apresentação no último dia 26, Luiz Fernando Bongiovanni, diretor do feito, se levanta diante da plateia e nos conta o como e o porquê do espetáculo. O grupo dele, Mercearia de Ideias e o espanhol TuDanzas foram financiados pelo edital Iberescena para co-produzir um espetáculo binacional: os artistas espanhóis viriam ao Brasil ensaiar e os brasileiros retribuiríam a visita indo à Espanha. Do convívio destes artistas de duas nacionalidades, o espetáculo seria apresentado nos dois países.

Mas este projeto foi mais um dos sonhos interrompidos pela pandemia: depois de adiarem o intercâmbio por mais de 4 vezes, Bongiovanni e seu par na espanha (Ana Maria Sousa Leitão) se puseram a pensar numa forma de por o projeto em execução mesmo com as restrições sanitárias e imigratórias. Naturalmente, recorreram à videoconferência. Mas como ensaiar um ballet contemporâneo por home office? Como bailarinos e coreógrafos poderiam criar e ensaiar uma coreografia sem se verem presencialmente, tridimensionalmente, sem se tocar, cada um de sua casa?

O espetáculo em forma e conteúdo é encharcado por esse desafio. É um registro para posteridade de como superamos este momento de pandemia, o que provarei a você fazendo um relato de minhas impressões do que vi e ouvi.

No início, o elenco entra no palco e se alinha de costas para uma parede e de frente para o público. Passamos a ouvir gravações das vozes dos bailarinos dizendo o nome e um resumo de suas biografias, iguais às que tipicamente fazemos para nos apresentarmos numa videoconferência que não nos conhecem. Metade dos bailarinos estão presencialmente no palco em São Paulo. A outra metade é projetada em tamanho real na parede por uma gravação, lado a lado dos presenciais, contribuição do Darklight Studio dirigido por Ricardo Cançado.

A música começa e tanto os bailarinos presenciais como os virtuais dançam, ora em solos, ora interagindo entre si. Em trechos o bailarino presencial e o virtual fazem a mesma coreografia sincronizados. Noutros são coreografias diferentes que se comunicam. 

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Dançam sempre num esforço de fazer com normalidade à distância aquilo que se fazia presencialmente: num dado momento o bailarino espanhol virtual estende a mão para erguer o brasileiro no palco. Este, por sua vez, o dá a mão e nos vende a ilusão que foi erguido pelo par remoto projetado. Ilusão que convence, que é tocante, que ressoa com as festas de aniversário, das conversas, dos abraços e despedidas que também aprendemos a fazer à distância por vídeo. A trupe estava bem ensaiada.

Como um tecnólogo na plateia, reconheci a natureza das telecomunicações respingar no que vi no palco: os artistas foram habilidosos em representar a latência, a perda de pacotes e falhas de codec. Tanto nos vídeos projetados na parede como na coreografia no palco, os típicos engasgos de áudio e vídeo, de velocidade de movimento, de distorção dos pixels da imagem, foram demonstrados na dança. Nos tornamos familiares com esses artefatos da tecnologia e os enfrentamos todos os dias. Existe poesia mais contemporânea do que isso?

Ao final da apresentação, o elenco se deita no palco, fica de costas para a plateia e de frente para a parede da projeção passa a assistir junto a nós os trechos dos ensaios por videoconferência. Essa pílula dos bastidores me fez sair do teatro admirado com a superação: superaram a barreira dos idiomas português e espanhol, superaram a distância de pensar, planejar e ensaiar uma coreografia remotamente. Superaram a pandemia como todos nós. A entrega no palco foi à altura do desafio.

Novas Singularidades está em cartaz até 3 de outubro, no Teatro Sérgio Cardoso, em São Paulo/SP. Ingressos por R$20,00 (inteira), pagos por este colunista que vos escreve essa resenha espontaneamente. Devido aos protocolos sanitários, os assentos disponíveis são em pouca quantidade, portanto, recomendo que compre o quanto antes  pela internet o seu ingresso.

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