InícioOpinião - Plano elaborado por tecnocratas inviabiliza aprendizagem na educação infantil

Opinião – Plano elaborado por tecnocratas inviabiliza aprendizagem na educação infantil


.
Tente enxergar com os olhos de uma criança de quatro ou cinco anos. Um dia, sua mãe te deixa em um lugar do qual você tem uma vaga lembrança. Todos os adultos têm os rostos cobertos. As outras crianças também estão usando máscaras, mas sempre que você tenta ter contato com alguma delas, alguém o impede de se aproximar. Todos tentam ficar longe, evitando tocar em você. E mesmo quando você não aguenta mais e chora, ninguém te pega no colo, ninguém te faz um carinho. Agora some a esse ambiente o medo experimentado pelos adultos. À diferença é de que eles sabem que, até agora, 65 mil brasileiros já perderam a vida para a Covid-19, entre eles muitos educadores que foram obrigados a fazer plantão nas escolas, mesmo sem aula.

Foi mais ou menos assim que a professora Juliana Freitas descreveu o cenário de uma possível volta às aulas, durante uma roda de conversa que fizemos com o vereador Celso Giannazi (PSOL) e oito educadoras da rede municipal de São Paulo, em 6/7. E isso acontece porque esse plano desastroso, anunciado pelo governador Doria no auge da pandemia, foi elaborado sem consultar os maiores interessados: professores, servidores da educação, alunos e pais.

Mesmo com os novos protocolos sanitários, Juliana garantiu que será impossível segurar a transmissão do vírus e que as escolas vão se transformar inevitavelmente em focos de contaminação. Ela sabe disso porque higiene pessoal é um tema trabalhado constantemente na educação infantil. Todos os dias ela leva seus alunos para lavarem as mãos antes do almoço. E mesmo assim, quando as crianças deixam a pia e vão fazer fila para a merenda, já estão de novo com as mão no chão, com a mão na boca… Ou seja, são crianças!

A educadora Daniela Chaves relatou que, mesmo antes da pandemia, já era muito difícil manter os padrões de higiene do ambiente e de materiais como lençóis e brinquedos, já que houve uma redução drástica nas equipes de limpeza. Caso não haja contratação de mão de obra e garantia de fornecimento de materiais, ela considera que o cumprimento dos novos protocolos será impossível.

Atuando em uma Emei na zona sul, a coordenadora Viviane também trouxe uma informação relevante. Ela imaginava que a maioria das mães quisessem o retorno das aulas, mas constatou o contrário nos contatos que fez com a comunidade por WhatsApp. Muitas mães querem, sim, garantir o direito de ficar com suas crianças em casa durante a pandemia sem que isso acarrete a perda das vagas quando a pandemia passar.

Com relação às mães que precisam de um local seguro para deixar os filhos ” realidade mais presente nos CEIs, que atendem crianças com menos de quatro anos em período integral “, as professoras acham que há falta de esclarecimento sobre os riscos e que o correto seria haver programas sociais de garantia de renda e preservação de empregos para que essas mães possam ficar em casa. E elas estão corretas. As professoras não podem ser responsabilizadas por essa demanda, que visa apenas liberar as mães para o trabalho. A finalidade de escola é educar, e qualquer atuação pedagógica na primeira infância será comprometida pelas restrições sanitárias.

Por fim, ainda que fosse possível fazer das escolas um ambiente seguro, uma incoerência no plano de retorno nos dá o que pensar. A etapa 1, que prevê a presença de 35% dos estudantes, vai contemplar os alunos do final de cada ciclo do fundamental (5º e 9º anos). Mas, nas Emefs, a opção foi pelo início do ciclo, o infantil 1. E então ficam as perguntas: que critério foi adotado? Com base em quê? O mais correto não seria que cada comunidade resolvesse essa questão conforme suas necessidades? É o que manda a Constituição Federal, quando prevê a gestão democrática do ensino público.

*Carlos Giannazi é deputado estadual pelo PSOL

Últimas Notícias

MAIS LIDAS DA SEMANA