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“Não sabemos se algum dia teremos uma vacina. É importante prevenir-se contra a complacência e o otimismo excessivo. A primeira geração de vacinas tende a ser imperfeita, e devemos estar preparados para que não previnam a infecção, mas reduzam os sintomas e, mesmo assim, podem não funcionar para todos ou por muito tempo.”
A análise acima é assinada por Kate Bingham, chefe da força-tarefa britânica criada para o desenvolvimento e a produção de vacinas contra a covid-19, em texto publicado na revista científica The Lancet.
Segundo ela, não se pode descartar a hipótese de todas as vacinas acabarem sendo ineficazes, principalmente para o grupo mais vulnerável e atingido pela doença: os idosos. Para Bingham, a vacina não será “uma bala de prata” que permitirá que a vida volte ao normal “da noite para o dia”.
A autoridade britânica se soma a um número crescente de especialistas que tentam dosar as expectativas em torno do surgimento de uma vacina contra o novo coronavírus.
Anthony Fauci, maior especialista em doenças infecciosas dos Estados Unidos e cientista-chefe da equipe especial da Casa Branca contra o coronavírus, explicou que a grande maioria das vacinas contra vírus não visam evitar o contágio, mas sim a forma grave da doença.
![Kate Bingham](https://c.files.bbci.co.uk/2980/production/_114942601_covid_kate_bingham_iv_bbc_scotland_1738_15_10_grant_henderson__hende-t_frame_384.png)
“O objetivo principal para (vacinas contra) a maioria dos vírus é para prevenir doenças clínicas, para prevenir doenças sintomáticas, e não necessariamente para prevenir infecções. Esse é um objetivo secundário. A principal coisa que você quer fazer é que, se as pessoas forem infectadas, que se evite que elas fiquem doentes. E se você evita que fiquem doentes, você acabará evitando que fiquem gravemente doentes”, afirmou Fauci durante um evento online do Yahoo na segunda-feira (26/10) sobre caminhos para sair dessa crise.
Resultados de estudos com candidatas promissoras a vacinas, como a da parceria Oxford/AstraZeneca e a da Moderna, apontam que os imunizantes conseguem gerar uma resposta imune robusta contra o vírus, impedindo que ele se propague no corpo, mas não foram capazes (até agora) de evitar completamente a infecção.
Em um artigo publicado na revista científica Annals of Internal Medicine, 28 pesquisadores discutem como definir quão eficazes podem ser as vacinas contra a covid-19, dada a complexidade da doença, que pode ser acompanhada de nenhum sintoma ou mais de 10 ao mesmo tempo.
O grupo de cientistas alerta que vacinas que evitem sintomas, mas não impeçam a infecção podem levar a um aumento silencioso de pacientes infectados assintomáticos e, num primeiro momento, impulsionar o avanço da pandemia.
É essencial, portanto, monitorar a presença ou não do vírus nos voluntários que receberam as vacinas em estudos.
Em geral, esses imunizantes podem evitar completamente a infecção, impedir sintomas moderados e graves ou “apenas” evitar a forma grave (e portanto fatal) da doença. E autoridades exigem que, para serem aprovadas, as candidatas precisam demonstrar ser eficazes em, no mínimo, 50% das pessoas imunizadas.
Se uma vacina eventualmente conseguir evitar o contágio, a mitigação da pandemia seria muito mais acelerada, mas Fauci afirma que é muito provável que a imunização em massa não será dessa maneira e, portanto, não levará ao fim acelerado do espalhamento da doença ou dispensará medidas de distanciamento social.
![Dr Anthony Fauci](https://c.files.bbci.co.uk/16493/production/_113838219_mediaitem113838218.jpg)
“(As vacinas) ajudariam bastante, mas elas não vão resolver o problema sozinhas. Nós não seremos capazes de abandonar medidas prudentes de saúde pública por um bom tempo. Temos que garantir que elas sejam parte da nossa vida sem precisarmos fechar o país ou fechar a economia.”
Segundo o infectologista americano, resultados positivos sobre eficácia e segurança das vacinas devem ser divulgados até dezembro, mas elas não resolverão o problema
Vacina disponível no Natal?
Segundo a chefe da força-tarefa britânica de vacinas, uma vacina contra a covid-19 pode começar a ser aplicada em parte das pessoas mais vulnerárias em torno do Natal.
Mas a oferta limitada de doses do imunizante indica que o governo terá que definir quem vai receber primeiro e quando.
A decisão final será do governo e do Comitê Conjunto de Vacinação e Imunização (JCVI), que já afirmou que a distribuição da vacina deve ser priorizada de acordo com a necessidade, com profissionais de saúde e idosos em primeiro lugar na fila.
![voluntário recebe vacina](https://c.files.bbci.co.uk/891B/production/_114999053_gettyimages-1251663430.jpg)
Bingham disse em entrevista à BBC escocesa que estava otimista com a descoberta de uma vacina que “protegeria algumas pessoas da infecção e poderia reduzir a gravidade dos sintomas”, mas é improvável que as primeiras sejam capazes de proteger a população inteira contra a infecção.
A chefe da força-tarefa disse ainda que é bastante provável que as pessoas precisem de duas doses e que a revacinação seja necessária daqui a poucos anos.
“Estas vacinas não serão balas de prata que farão todos voltarem ao trabalho normalmente em 1º de janeiro. Vai levar tempo, e provavelmente vamos precisar de mais de uma vacina para diferentes parcelas da população.”
“Ninguém estará seguro até que estejamos todos seguros. O vírus da pandemia não respeita fronteiras nacionais. Não haverá uma vacina bem-sucedida sozinha, ou um único país, que seja capaz de atender ao mundo. Precisamos urgentemente de cooperação internacional para somar riscos e custos, discutir barreiras de acesso e aumentar a capacidade de fabricação para produzir doses suficientes para proteger todos da Sars-CoV-2 ao redor do mundo” escreveu Bingham na The Lancet.
E quando a sociedade voltará ao ‘ normal ‘ ?
Para Bingham, é difícil definir uma data exata para retomar a vida normal, especialmente sem saber que tipo de vacina estará disponível, quantas doses serão necessárias, quão eficaz elas serão e em qual faixa etária funcionarão melhor .
“Há uma expectativa concreta de que poderemos voltar ao normal? Claro que é o que espero que aconteça, mas não temos os dados para ter certeza de que isso acontecerá e também de que será da noite para o dia.”
Uma das principais preocupações, segundo ela, é que o trabalho em uma vacina tenha que começar da estaca zero caso o vírus sofra uma mutação significativa no futuro.
Bingham disse estar esperançosa de que em 2022 não haverá mais necessidade de as pessoas usarem máscaras e está mais confiante de que poderemos fazer festas e reuniões de família em 2022.
Mas as férias de 2021 ainda dependerão da eficácia dos imunizantes e da situação da pandemia no momento. A Europa vive uma segunda onda da doença, e diversos países decidiram adotar medidas rígidas de confinamento para evitar hospitais lotados e mais mortes.
Desde o surgimento oficial dos primeiros casos de covid-19, em dezembro de 2019, a doença já matou 1,16 milhão de pessoas ao redor do mundo. Há 44 milhões de casos registrados, sendo 20 milhões deles nas Américas.