A conferência dialogada, assim definida pelos professores convidados, teve um início provocativo, convidando os espectadores a definirem o que eles entendiam como ciência. Busca pelo conhecimento; junção da pesquisa, análise e observação objetivando a busca do conhecimento foram algumas definições apresentadas.
De acordo com os professores Ciclene Silva e Allan Souza, esses entendimentos se baseiam no senso comum do que é ciência. “É importante entendermos os sensos comuns construídos sobre o que é ciência e o que o paradigma da modernidade construiu em torno da ciência. O que a gente tem entendido sobre ciência em termos históricos, o senso comum é de fato essa busca pelo conhecimento”, explicou Souza.
A apresentação dos docentes da UERN se baseou principalmente no trabalho do professor doutor português Boaventura Sousa Santos que, entre outros pensamentos, defende a tese de que todo conhecimento científico é socialmente construído, que o seu rigor tem os limites inultrapassáveis e que sua objetividade não implica a sua neutralidade.
“Será que esse modo que aprender a ver a ciência nos faz ter um bom entendimento sobre ela? Que ciência nós fazemos e de que ciência precisamos? Somos desafiados a produzir projetos inovadores. O desafio posto a vocês de fazer ciência é tentar se colocar diante do que é ciência e ao mesmo tempo contribuir para formar pensamentos”, acrescentou Ciclene.
Baseado no pensamento de Boaventura, o professor Allan Souza explicou que o autor propõe que uma única forma de ver, entender e enxergar a realidade ou de fazer e entender ciência não responde mais a contemporaneidade. “Temos o compromisso tanto de pensar os limites como as possibilidades. Enquanto pesquisadores temos que pensar na pluralidade de conhecimentos que precisam ser explorados para chegar à sociedade. Precisamos produzir um conhecimento que seja compreensível pela sociedade”, afirmou.
Paradigma dominante
Os professores apresentaram o conceito do paradigma dominante, que é um modelo totalitário que visa conhecer a natureza para dominar e controlar. Nesse modelo, o conhecimento científico avança pela observação descomprometida e livre, sistemática e tanto quanto possível rigorosa dos fenômenos naturais. Essas ideias são as ideias matemáticas, em que conhecer significa quantificar, em que o que não é quantificável é cientificamente irrelevante. Conhecer é dividir e classificar para depois poder determinar relações sistemáticas entre o que se separou.
“Por muito tempo a ciência se baseava apenas no que podia ser mensurável, o que não podia ser medido não era considerado. Esse é o paradigma dominante. Por exemplo, hoje as avaliações das universidades, escolas, os comitês que compõe estão muito arraigados com os critérios do que pode ser quantificável. Todos buscando alcançar os conceitos de excelência. Os números sem estarem dialogando com a própria realidade não passam de números”, argumentou Allan Souza.
E para que caminho a inovação deve apontar? Segundo a professora Ciclene, o medo do novo não deve nos paralisar, pois o tempo presente demanda novas questões. “A sociedade hoje para se reinventar tem que revolucionar a própria ciência. O mesmo conhecimento que pode emancipar pode também oprimir. Devemos nos questionar sobre o que temos feito com esse conhecimento? A quem ele tem servido? Que conhecimento vamos conseguir construir com nossos projetos de pesquisa para a Gestão Pública? Temos que buscar satisfação tanto do ponto de vista individual tanto para o coletivo”, ponderou.
Por fim, voltando ao início da apresentação, os professores revelaram que todo conhecimento científico visa constituir-se em senso comum, um novo senso comum. “Esse novo parte de uma realidade cotidiana, ele parte de algo concreto. A gente precisa enquanto ciência se fazer presente na sociedade, um novo senso comum. Esse conhecimento precisa se comunicar socialmente. Precisamos nos assumir enquanto cientistas e que a ciência deva servir a libertação e não a opressão”, destacou Souza.
Debate participativo
O debate aberto para as perguntas e comentários dos pesquisadores e outros participantes contou com questões sobre os rumos e perspectivas da ciência no Brasil diante da falta de recursos e também sobre o “novo normal” pós-pandemia.
“Quando há algum problema que se apresenta na sociedade, como no caso da Covid-19, a ciência é convocada a responder. É o conhecimento que vai conseguir responder a certas questões. A universidade que detém o conhecimento científico precisa se reinventar, se comunicando melhor com a sociedade, popularizando mais a ciência produzida”, avaliou Allan Souza.
Analisando a situação da ciência brasileira que sofre com os cortes governamentais, a professora Ciclene Silva apresentou um ponto de vista otimista. “A perspectiva hoje é temerária, mas gosto de ser otimista e pensar que a linguagem do senso comum seja renovada desde os professores do ensino básico até os doutores, mostrando que precisamos nos unir e nos fazer ouvir e também repudiar as formas de opressão. Vamos democratizar o conhecimento, fazer que o conhecimento se pulverize e chegue a todos os cantos da sociedade”, opinou.
Ao longo das últimas semanas, o projeto ‘Encontro Virtuais’, que teve a parceria da Sead com a Fundação de Apoio à Pesquisa do Rio Grande do Norte (Fapern), reuniu centenas de professores, pesquisadores e estudantes e fomentou discussões em torno do tema central “Modernização da Gestão Administrativa e Inovação”.