Proteína S do coronavírus abre perspectiva para teste mais eficaz, terapia e vacina
15 de julho de 2020
Por Paula Guatimosim (Ascom da Faperj)
Pesquisadores do mundo inteiro estudam as proteínas que compõem o novo coronavírus. No Brasil, mais especificamente no Laboratório de Engenharia de Cultivos Celulares (LECC) do Instituto de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ), a equipe coordenada pela professora Leda Castilho está produzindo e purificando a principal delas, a proteína S. A letra é derivada da palavra spike, em inglês, ou espícula, em português. A pesquisa liderada por Leda integra a Rede 2, contemplada na Chamada C da Ação Emergencial Projetos para Combater os Efeitos da Covid-19, uma parceria da FAPERJ com a Secretaria Estadual de Saúde (SES). Coordenada pelo professor Amilcar Tanuri, também da UFRJ, a Rede 2 envolve projetos que buscam o desenvolvimento de testes para detecção da infecção por SARS-CoV-2 através do emprego de estratégias que usem ensaios sorológicos, nanopartículas e produção de insumos biotecnológicos.
Além das “Ações emergenciais para o desenvolvimento de estratégias de ensaios sorológicos para a avaliação da resposta imune humoral contra a Covid-19”, a Rede 2 também é composta pelos projetos “Desenvolvimento de um método de detecção rápida de SARS-CoV-2 usando a técnica de espalhamento de luz dinâmico (DLS) e nanopartículas de ouro bioconjugadas 222”, conduzido por Célia Machado Ronconi, da Universidade Federal Fluminense (UFF), e “Produção de insumos biotecnológicos para testes diagnóstico do SARS-CoV-2 baseados em amplificação isotérmica: polimerase de Geobacillus stearothermophilus e transcriptase reversa de vírus Moloney de leucemia murina”, este sob a coordenação de Luís Mauricio Trambaioli da Rocha e Lima, outro pesquisador dos quadros da UFRJ.
Leda ressalta que a maior vantagem da S é ser um alvo preferencial do sistema imunológico contra os coronavírus, o que a torna uma proteína multipropósito. Ela vem sendo utilizada tanto para o desenvolvimento de testes diagnósticos quanto para terapia e vacina. A bioquímica explica que cada vertente da pesquisa vem sendo conduzida em parceria com outros pesquisadores. A busca de um teste diagnóstico mais eficaz e de baixo custo é feita em parceria com o professor André Vale, da UFRJ; já o desenvolvimento do soro é coordenado pelo professor Jerson Lima Silva, do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ, e conduzido no Instituto Vital Brazil; e os estudos de uso da proteína como vacina estão sendo realizados em conjunto com o professor Herbert Guedes, também na UFRJ.
– Antes do carnaval já havíamos confirmado a expressão da proteína. Usamos uma linhagem de células bem estabelecida no mundo e por meio da manipulação genética inserimos em seu genoma o gene que codifica a proteína do vírus. Assim, a célula geneticamente modificada passa a produzir indefinidamente a proteína do vírus, pois ela passa a ter uma cópia do gene do vírus em seu genoma – esclarece a professora. Leda revela que testes com cerca de 200 amostras revelaram que o teste diagnóstico de baixo custo no formato ELISA desenvolvido na UFRJ tem 98% de especificidade e alta sensibilidade. Ou seja, enquanto o diagnóstico para anticorpos do tipo IgG com a proteína S demonstrou nível de acerto superior a 90% em pessoas já a partir de 10 dias de início dos sintomas, muitos dos testes rápidos até agora disponíveis no mercado só detectam IgG com cerca de 70% de acerto e a partir de 20 dias, enquanto testes quimioluminescentes caríssimos só atingem 90% de acerto após três semanas do início dos sintomas.
Esses testes diagnósticos da Covid-19 em breve estarão no mercado. Com apoio da Unidade Embrapii-Coppe de Engenharia e do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), foi firmada uma parceria com o Instituto Bio-Manguinhos, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que produzirá produtos no formato de teste rápido a serem distribuídos em postos de saúde públicos, atendendo à necessidade daqueles pacientes que não podem pagar pelo teste. Por outro lado, a empresa gaúcha FK Biotecnologia-Imunobiotech já desenvolveu um teste sorológico no formato ELISA, a ser vendido no mercado. Além disso, o teste ELISA desenvolvido internamente na UFRJ poderá ser usado em estudos de soroprevalência e vigilância epidemiológica na população.
Os testes sorológicos são mais baratos e mais simples que o PCR, que é mais sensível quando usado para detectar a presença do vírus no organismo de três a 10 dias após início dos sintomas. Os testes sorológicos, por outro lado, detectam os anticorpos gerados como resultado da resposta imunológica do organismo, desencadeada pelo contágio inicial com o vírus, e isto ocorre por uma janela de tempo mais longa. Além disso, os testes sorológicos permitem identificar também os cerca de 80% dos indivíduos infectados que não apresentam sintomas. Para a engenheira, a produção de testes confiáveis e de baixo custo no Brasil permitirá ampliar significativamente a testagem da população brasileira, que hoje em dia é muito baixa, além de possibilitar estudos populacionais que permitem avaliar os riscos de uma nova onda da doença e podem subsidiar a tomada de decisões de políticas públicas de forma cientificamente embasada.
A segunda vertente do estudo envolvendo a proteína S, que em breve poderá representar uma terapia eficaz contra o novo coronavírus, vem sendo coordenada pelo bioquímico Jerson Lima Silva, que, além de atuar como pesquisador e professor na UFRJ, é o presidente da FAPERJ. A pesquisa, realizada no Instituto Vital Brazil (IVB), vem desenvolvendo o soro anticovid-19. A mesma tecnologia utilizada para a produção de soros antitetânico, antirrábico e antiofídico, o soro anticovid-19 poderá ser usado como terapia em casos agudos da doença. Leda diz que a proteína S está sendo utilizada para imunizar cavalos e que a resposta dos animais tem sido excelente, com expressiva produção de anticorpos anticoronavírus. A terceira vertente, com resultados em um horizonte um pouco mais distante, busca a produção de uma vacina anticoronavírus. A pesquisadora esclarece já foram iniciados os testes de imunização de camundongos com a proteína S, a fim de apurar se eles produzirão anticorpos. O próximo passo será a realização de testes em modelos animais da doença para avaliar o nível de proteção propiciado pela vacinação com a proteína S.
Por ser o único laboratório até agora avançado na produção e purificação da proteína S, o Laboratório de Engenharia de Cultivos Celulares vem sendo procurado por pesquisadores de todo o Brasil interessados na proteína para a realização de estudos biomédicos fundamentais. Mas por que apenas o LECC vem produzindo a proteína S? Segundo Leda, essa proteína é muito grande e complexa. Por ser uma glicoproteína e, portanto, possuir açúcares agregados, não pode ser produzida por meio do uso de bactérias geneticamente modificadas.
– É preciso produzi-las usando células de mamíferos, e são poucos os laboratórios no Brasil que têm expertise e capacitação para fazer isso com fins tecnológicos e em larga escala – explica. À frente da produção e purificação da proteína S estão três doutorandos do LECC: Renata Alvim, Tulio Lima e Federico Marsili, que não têm poupado esforços para aumentar a escala de produção do laboratório a fim de atender a uma demanda crescente. A meta da equipe é chegar, com a ajuda de um biorreator de 50 litros, a uma produção de proteína S suficiente para a fabricação de cerca de 5 milhões de testes por mês.