A corrida para as eleições municipais de 2020 tem sido uma das mais violentas desde a redemocratização no Brasil. De acordo com levantamento do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), um candidato é morto no Brasil a cada três dias . Até aqui, são 82 casos de assassinatos por motivações políticas, seja entre candidatos ou militantes – Pará, Paraíba, São Paulo e Rio de Janeiro figuram nas primeiras colocações no ranking de estados mais violentos.
“O aumento da violênci a entre 2016 e 2020 está relacionado a dois fatores principais: a polarização política, que em seu discurso legitima a violência; e também a participação no pleito eleitoral de candidatos vinculados a organizações criminosas como as milícias , que usam a violência para que opositores não façam campanha em suas regiões”, explica Lorenzo Gottardi , executivo público no governo do Estado de São Paulo, gestor de políticas públicas e pós-graduado em Legislativo e Democracia no Brasil pela Câmara Municipal de São Paulo.
Apesar dessa escalada de quatro anos para cá, Lorenzo explica que política brasileira sempre foi permeada por violência, desde a república velha; atualmente, porém, além do contexto global, novos fatores contribuem para o acirramento dessas disputas por poder, como a polarização política , a influência das milícias, a banalização do discurso de ódio e a influência das redes sociais .
Entre os casos mais emblemáticos de atentado político às vésperas das eleições municipais de 2020, estão o de Ricardo Moura (Partido Liberal), alvo de tiros enquanto transmitia ao vivo em suas redes sociais um evento de sua campanha e do assassinato do candidato à prefeitura de Patrocício (MG), Cassio Remis, morto por um tiro disparado pelo irmão do prefeito e secretário de obras do município, Jorge Marra, em setembro.
“Temos visto um aprofundamento das discordâncias que não são para construir propostas, mas sim para promover confrontos. O assunto ganha grande evidência no Brasil, mas é possível observar um movimento global de violência política nos últimos anos. Tivemos extremismo na França, também o acirramento com os muçulmanos, a questão da Hungria, e até podemos os confrontos mais recentes entre Trumpistas e manifestantes do movimento Black Lives Matter”, explica Lorenzo Gottardi.
Polarização ideológica e discurso de ódio no Brasil
Um fator proeminente no acirramento dos embates violentos é a polarização política existente no Brasil, crescente desde 2013. Para Gottardi, o discurso agressivo normalizado atualmente dá legitimidade e impulsiona esses casos.
“É bastante evidente que a violência está naturalizada de uma certa maneira no discurso, e isso não é exclusivo de 2020. Em 2018 tivemos o caso da Marielle Franco, tivemos a facada do [então candidato à presidência] Jair Bolsonaro e um ataque a tiros à caravana do Lula no Paraná. Temos uma cultura social violenta, e, quando uma figura política faz esse tipo de discurso de ódio, certamente reverbera entre os mais jovens”, continua Lorenzo.
O especialista afirma ainda que o atentado à vida é o último e mais grave dos estágios, mas não o único. “Uma notícia falsa (fake news), uma acusação infundada, também são manifestações graves de violência. Ela pode acabar com a carreira de alguém e inflamar discursos. Estamos ‘perdendo a mão’ e esquecendo o limite aceitável de disputa”, diz.
A disseminação das redes sociais contribui também para esse ataque exacerbado a candidaturas, diz o especialista, pois “traz o escudo do anonimato” e gera uma mensagem que se dissemina de maneira muito veloz e difícil de rastrear.
Poder paralelo
A influência de grupos paralelos na política como o tráfico de drogas e as milícias são também responsáveis por parte dos casos de atentado político. O Rio de Janeiro, um dos estados que mais possuem atuação de grupos paralelos e palco do assassinato da vereadora Marielle Franco em 2018, tem oito mortes por motivações políticas nesse periodo pré-eleitoral de 2020, de acordo com o levantamento do CESeC , especialmente em áreas controladas por milícias, como algumas regiões da Baixada Fluminense.
“Temos o Rio de Janeiro como maior exemplo, com a influência do tráfico de
drogas e das milícias, que começaram a atuar nas candidaturas, trazendo para a política uma disputa que por si só já é violenta. Um candidato de fora, que não está alinhado àquela organização criminosa, muitas vezes acaba sofrendo da violência dessas organizações. Então vemos essas organizações usando a política como uma ferramenta para manter seu poder”, avalia Gottardi.
Perspectivas
De acordo com o especialista em Legislativo e Democracia no Brasil, a polarização tende a diminuir nos próximos anos, pois já é possível observar um movimento de apoio a candidaturas menos extremistas.
“Acredito estamos caminhando de volta para a preferência a candidaturas mais ao centro, centro-esquerda e centro-direita, com discursos mais amenos. A derrota do Trump nos Estados Unidos é um indicativo forte de rejeição a um extremismo exacerbado”, diz.
Do ponto de vista eleitoral, Gottardi afirma que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) vai ter que ter um esforço bastante grande durante esse momento de transição.
“A pandemia faz com que as informações cheguem mais rapidamente, pois as campanhas estão sendo feitas majoritariamente online, então existe a necessidade de checar, de averiguar. O TSE já tem algumas forças-tarefa para acompanhar esse tipo de coisa, a própria polícia tem parcerias com o TSE para investigar esses casos de violência. Mas é preciso montar uma estrutura de combate -não só de atentado à vida, mas de combate à violência como um todo – para que oposições políticas sejam adversárias, e não inimigas”, finaliza.