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Mulheres no Legislativo


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“Não tenho medo da morte” disse com muita tranquilidade a ex-deputada federal Nair Xavier Lobo (cumpriu mandato de 1995 a 2003 pelo PMDB), numa conversa bastante informal, após conceder entrevista a TV Assembleia e a Agência Assembleia de Notícias nas dependências do Auditório Solon Amaral, em 13 agosto de 2019. Naquela ocasião, ela revelou que, já há algum tempo, vinha sendo submetida a um tratamento para a cura de um câncer de tireóide. Apesar de todos os esforços, essa foi a doença para a qual, lamentavelmente, perdeu a luta na noite do último dia 9, deixando a família (quatro filhos e cinco netos), amigos e muitos dos que tiveram a oportunidade de conviver com essa figura singular.

Carismática por natureza, ela tinha o dom de conquistar as pessoas por onde passava, fato que naturalmente possibilitou a sua entrada na vida política. Filha do casal Rivadávia Xavier Nunes e Marina de Carvalho Brito Xavier Nunes, ela nasceu em Anápolis, mas concluiu seus estudos na Capital do estado. Sempre muito dedicada a sua formação, ela finalizou em 1981, o curso de Ciências Jurídicas e Sociais da Universidade Federal de Goiás (UFG), fazendo carreira, inicialmente, nessa área. Em 1987, após ser aprovada num concurso público bastante disputado, tomou posse como consultora jurídica da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, cargo que, segundo ela, assumiu com muita honra.

“Foram épocas áureas da minha vida, na minha cidadania. Eu era jovem e na época tive uma oportunidade de aprender dentro da Casa de Leis. Eu passei no concurso, com uma boa colocação e, por isso, a Procuradoria me destacou para assessorar o então relator da Constituinte Estadual, promulgada em 1989, o deputado Solon Amaral”, detalhou, com grande satisfação, ao relembrar daquele tempo.

Por ocupar um importante cargo, Nair participou da elaboração do texto constitucional da Carta Magna, e foi peça fundamental desse momento histórico, que perdura até os dias de hoje. Extremamente comprometida e qualificada para o trabalho que exercia, ela conseguiu auxiliar o exigente relator, deixando um legado de muita competência. “Tenho muita gratidão por ter participado desse momento histórico,  junto com Solon, pois ele era uma figura fantástica, ensinava muito, tinha muito humor e era um sujeito muito preparado. Eu dou graças a Deus por ter passado por essa escola. Foi, sem dúvida nenhuma, uma grande escola para mim”, comentou ela.

Depois de ter tido sua carreira forjada dentro do Parlamento goiano, Nair quis alçar voos maiores. Foi então que filiou-se ao Partido da Reconstrução Nacional (PRN), do presidente Fernando Collor de Mello, assumindo primeiro a presidência do PRN-Mulher em Goiás, para em seguida, tornar-se a superintendente estadual da Legião Brasileira de Assistência (LBA), cargo que acabou por fortalecer seu nome. Em 1993, trocou o PRN pelo PMDB, para lançar candidatura a deputada federal, assumindo cadeira na Câmara Federal, por dois mandatos (1995-1999 e 1999-2003). Trabalhou intensamente participando de várias comissões permanentes e especiais. Foi titular da Comissão de Economia, Indústria e Comércio e da Comissão Especial de Débitos nas Operações de Créditos Rurais, dentre outras.

Durante seus anos no Congresso, trabalhou intensamente, estreitando laços de amizade com muitos do meio político, por isso, sua morte foi lamentada por muitos parlamentares federais e estaduais, dentre eles, o presidente Lissauer Vieira (PSB) que revelou ter recebido a notícia com muito pesar. “Lamento muito o falecimento da ex-deputada e procuradora aposentada da Casa, que tem um histórico de trabalho e qualificação exemplar. Meus sentimentos aos amigos e familiares pela perda irreparável”, lastimou. Sua partida também foi noticiada nos principais jornais impressos e digitais, além de ter sido comentada por amigos e colegas no twitter.

Para prestar uma singela homenagem a ess mulher que, sem dúvida nenhuma, deixou uma marca de muito trabalho dedicado ao povo goiano, a Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, divulga na íntegra, a sua última entrevista na Casa, mostrando um pouco do legado deixado por Nair Xavier Lobo.

Hoje a TV Assembleia, através do Programa Alego Mulher, recebe Nair Xavier Lobo, deputada federal por Goiás entre 1995 e 2003. Ela que teve uma relação direta com o Poder Legislativo ocupando um importante cargo. Na elaboração desse documento, a Constituição do Estado de Goiás, promulgada em 1989, ela foi peça fundamental. Aqui na Assembleia Legislativa a senhora ingressou através de concurso público (nomeada em 1987) para ser Procuradora da Casa?

Sim, com muita honra, por concurso público. Então, foram épocas muito áureas da minha vida, na minha cidadania. Eu era jovem e na época tive uma oportunidade de aprender dentro da Casa de Leis. Quando eu passei no concurso, fui bem colocada, classificada nos primeiros lugares e, por isso, a Procuradoria me destacou para assessorar o então relator da Constituinte Estadual promulgada em 1989, o deputado Solon Amaral.  Àquela altura, já tínhamos conquistado a Constituição Federal em 1988, no ano anterior, e tínhamos que realizar a grande e importante tarefa de elaborar a nossa Constituição.

Da Carta Magna Estadual?

Da Carta Magna, exato. E eu tive a honra, então, de ser destacada e vim conhecer o relator, que era o deputado Solon Amaral.

E vale destacar que agora nós estamos no auditório Solon Amaral, que recebe o nome desse renomado parlamentar.

Aliás, muito merecido. Solon foi um dos grandes professores que eu tive na vida, um dos maiores. Ensinava muito, não só aos seus pares, mas também aos funcionários. Ele era extremamente exigente.

A senhora, uma mulher, mãe de quatro filhos, dona de casa, também trabalhando fora e enfrentando um processo tão delicado como esse? Como foi o início desse trabalho diretamente com Solon Amaral?

Nunca vou esquecer o dia que nos conhecemos. Eu cheguei, ele estava digitando. Não era nem digitando, era datilografando, máquina elétrica. Eu entrei na sala, ele estava concentrado, continuou e ele não olhou para mim. Eu fiquei esperando um pouco, ele devia estar no meio de um texto. Depois de terminar, ele começou a falar comigo, sem me olhar, e ele disse assim: é você que foi destacada para ajudar a Constituição, aqui na relatoria? Eu disse sim, senhor, deputado. Ele disse: não pode ter horário, não pode ter filho, não pode ter marido. Eu disse: bom, eu tenho quatro filhos e sou casada. Ele então, largou a máquina, virou-se para mim e disse: então você não vai dar conta. Eu falei: ah, vou! Esse desafio é comigo mesmo. O senhor pode ficar tranquilo que eu vou administrar muito bem as minhas missões. Assim começamos. Tiveram muitos episódios bastante marcantes, porque eu sou filha de uma família renomada aqui no estado. Meu pai foi o construtor geral dessa Casa. Então Solon me tinha, assim como da elite, e acho até que pensava que uma pessoa da elite, podia de repente, não se dedicar o tanto que  precisava. E eu me lembro que, nas madrugadas, que foram muitas, muitas… cheguei em casa três, quatro horas da manhã… ainda bem que eu tinha um marido ótimo, que compreendia a minha missão. Mas eu me lembro que teve uma vez que nós tínhamos tido um dia muito difícil. Os prazos eram prazos que venciam e você tinha que trabalhar o texto, tinha que revisar, sem demora.  Então nesse dia, ele deitou a cadeira para trás, riu muito e falou: só você tá aqui comigo. Eu não acreditava que logo a socialite teria disposição para me ajudar tanto. Eu respondi: Pois é, deputado. Preconceito nem para cima nem para baixo e rimos muito disso. Mas ele era uma figura muito fantástica. Ele ficava muito bravo, muito bravo, porque quando a gente errava a emenda…. Você tinha que receber a emenda e colocar muito rápido no texto a alteração. Quando ele notava uma vírgula fora do lugar ele falava: vocês vão me desmoralizar, colocar errado o texto. Ficava muito bravo, mas era uma figura fantástica, que ensinava muito, tinha muito bom humor e era um sujeito muito preparado, brilhante. Então eu dou graças a Deus por ter passado por essa escola. Foi, sem dúvida nenhuma, uma grande escola para mim.

 Na opinião da senhora, qual foi o maior ganho da nossa atual Constituição que rege hoje o nosso Estado?

Difícil falar o maior ganho. Acredito que as mudanças que vieram na Constituição Federal foram muito importantes, porque ela ficou conhecida como Constituição Cidadã e instaurou um processo de redemocratização, diria até a própria democratização do país, já que, naquele momento, a gente saía da ditadura. Então isso foi guardado na Carta dos estados e Goiás fez isso com muito primor. As garantias dos direitos individuais não vieram só da Carta Magna, mas principalmente dos reflexos disso. Os reflexos da igualdade de gênero, da questão dos direitos fundamentais, estão todos espelhados na Carta de Goiás. Acho que a nova Constituição trouxe muitos ganhos em vários aspectos, como na questão da segurança pública, na questão da organização política e administrativa do Estado. Acredito que, sobretudo nessa parte da organização do estado, das atribuições e tarefas de cada poder, de cada órgão, de cada entidade, tudo isso, ficou muito bem refletido na Carta Magna. Aqui em Goipas, a nossa Constituição não virou colcha de retalhos, ela foi sucinta. A competência de Solon, nisso sobretudo, é um legado enorme para o nosso estado.

Então Solon foi uma figura que determinou o que seria, o que se tornaria Nair Xavier Lobo?

Ele ajudou a lapidar muito a futura política, porque eu não sabia, naquela época que algum dia entraria para a política. Não sabia mesmo. Mas houve, naquele momento, um arrebatamento da cidadã que estava aqui assessorando Solon Amaral, quando veio a política anunciada pelo Collor, do Brasil Novo. Eu acreditei muito naquele discurso. A minha geração acreditou, porque ele falava da abertura de mercado, ele falava da questão portuária, de tantas outras questões… eram várias bandeiras, o fim de marajás. Então, nós acreditamos naquilo, e foi a hora que eu, inclusive, disse para o Solon: eu sinto que ele vai ganhar a eleição. Ele riu muito e disse: imagina! Ele não acreditou no início. Ele não acreditou, porque ele começou com percentual muito baixo nas pesquisas. E foi isso, foi esse engajamento que houve da então procuradora na campanha do Collor é que me fez política, porque isso me rendeu ser prestigiada com a superintendência da LBA. Fui então ser superintendente da LBA e o resumo da minha gestão foi um programa chamado Lavouras Comunitárias, que produziu 4% da safra de todo o estado. Foi um programa que deu muito certo, formou muitas cooperativas. Goiás é uma importante fronteira de produção e nessa questão do boia-fria, tivemos uma evolução muito grande na LBA, ajudando, não só na produção de grãos, mas, principalmente, estimulando esses pequenos agricultores a se tornarem independentes e que pudessem, sobretudo, criar o espírito do cooperativismo. Isso me fez deputada federal.

Quer dizer, então, que aqui no Poder Legislativo foram três anos. Depois a senhora ingressou em atividades partidárias, políticas, e entre 1995 a 2003, foi deputada federal. Foi titular da Comissão de Economia, Indústria e Comércio e da Comissão Especial de Débitos nas Operações de Créditos Rurais entre outras comissões. Durante esse período que a senhora foi representante do povo goiano quais são os momentos de maiores destaques que a senhora se recorda?

Estamos em um programa voltado para a mulher e posso dizer que tenho muito orgulho de ter sido a autora de lei que serviu de base para a Lei Maria da Penha. Esse é o meu maior orgulho, mais do que ter lutado muito pelo turismo brasileiro, ter presidido a Comissão Parlamentar do Turismo, entre Senado e Câmara, mais do que dar atenção às minhas bases, que eram São Simão, Caldas Novas, Rio Quente, o Vale do Araguaia inteiro, tantos outros municípios turísticos do nosso Goiás. Agora, nessa questão relacionada à mulher, a minha lei fez com que o agressor pudesse ser expulso da casa, mesmo sendo o dono da propriedade. Esse foi o início da Lei Maria da Penha. Por que as mulheres não denunciavam? Porque tinham medo de perder o patrimônio. Às vezes não tinham salário e a casa era do marido, que era o agressor. Então, quando a gente reforçou isso, garantindo que a mulher pode denunciar, você não sai de casa e quem sai de casa é o agressor, avançou muito. Logo depois disso, veio uma nova lei, que evoluiu através da lei de minha autoria, e que conquistou outros benefícios. E a Lei Maria da Penha hoje ainda carece de chegar mais longe. Então eu acho que disso eu me orgulho muito, muito mesmo.

Mais alguns destaques nesse período?

Olha, tem vários, por exemplo, da mulher. Consegui que o SUS pagasse a prótese para a mulher que perdeu a mama, coisa que naquela época só conseguia quem pagasse particular. Então conseguimos tornar isso uma obrigatoriedade. Muitas coisas que me emocionam no campo da mulher, mais do que em outros, porque, como eu disse, a nossa geração avançou muito, a nossa geração abriu portas. A Constituição Federal igualou o gênero na letra da lei, mas a gente não sabe se isso está implantado, de fato, até os dias de hoje. Há reclamações ainda e estatísticas de que as mulheres não têm os mesmos vencimentos que o homem. Essa é uma discussão polêmica, mas está na lei a obrigatoriedade da igualdade entre homens e mulheres, mas a gente não sabe se houve a implantação à contento. Então, tudo que foi, que a minha geração fez, foi no sentido de abrir caminhos, até culturais, não só na legislação. Agora, acredito que a liberdade é o bem mais precioso e entrei na política, na luta pela liberdade. A liberdade de ter sua própria crença, sua própria religião, a liberdade de ir e vir, se expressar, é o maior bem que o ser humano pode ter. Eu acho que, nessas conquistas, nós avançamos muito e eu me orgulho disso.

Especialmente para as mulheres, queria que a senhora deixasse aqui uma mensagem, para que elas participem mais da política, sejam mais atuantes, sabendo que mulher também pode chegar ao poder. Nesse sentido qual mensagem a senhora deixaria?

Muito bem, você já falou tudo. O empoderamento está na cabeça da gente, na cabeça de cada mulher. Acredite em você, se ame primeiro, essa é a grande lição. É muito importante amar os outros, mas a perspectiva do outro começa dentro da gente. Então a mulher, sobretudo a brasileira, que é uma mulher muito especial, é uma mulher que traz dentro de si a própria liberdade, já tem condições de se apropriar desse empoderamento. Essa mulher pode mostrar para as outras uma convicção de que “eu posso, eu creio, eu vou”.

Nota: A entrevista foi concedida às repórteres Ana Cristina Fagundes(Agência de Notícias) e Patrícia Lee (TV Alego), em 13 de agosto de 2019.

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