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Fake news em debate: parte 2


 

Fake news, deepfake, cyberbullying, deep web. O que esses estrangeirismos têm em comum, além de serem todos originados da língua inglesa, é o fato de terem transformado a internet numa verdadeira arma de guerra que ameaça regimes democráticos no mundo todo e também coloca em risco a integridade física e moral de suas populações. Como recrutas dessa arena híbrida de combate, que extrapola as fronteiras do virtual e impacta substancialmente a realidade dos países, a coletividade contemporânea vê esvair, dia após dia, sob a incessante e crescente pressão do capitalismo mundial, as suas mais valorosas noções de sociabilidade.

Nessa rinha, que é mediada pelo aclamado mundo dos negócios globais, onde o único valor parece ser mesmo o do dinheiro, quaisquer princípios de moralidade e ética acabam por demarcar aspectos de menor importância. Profundamente afetada por esse conturbado cenário, a esfera política tende a ir, pouco a pouco, se convertendo, com raras e louváveis exceções, em um verdadeiro palco de marionetes e detratores de toda sorte. Seu enredo, do qual todos nós fazemos, de alguma forma, parte, mistura agora pitadas de verdade com altas doses de boatos, difamações, ataques às instituições democráticas e manifestações de ódio das mais diversas naturezas. 

Para a ex-deputada Denise Carvalho (PCdoB), esse processo ganhou forças no país, sobretudo a partir das rupturas causadas pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, ocorrido em 2016. “Quando se quebra o jogo democrático, por qualquer que seja o motivo, abre-se espaço para o obscurantismo. Isso está associado ao interesse do grande capital financeiro, que, neste momento, está trabalhando pesado para destituir regimes democráticos no mundo inteiro, por meio, inclusive, do financiamento aberto à propagação indiscriminada das chamadas fake news, como as que vemos circular aos montes, hoje, no Brasil”, alertava a ex-parlamentar da Alego, na entrevista publicada pelo projeto Mulheres no Legislativo (MnL), em junho do ano passado (2019). 

Embora esses elementos obscuros, como bem lembra Denise, tenham sempre estado, em algum grau, presentes na vida política de nosso país, com a popularização da internet e das redes sociais na última década, o fenômeno se agrava. De forma mais específica, pode-se dizer que o início dessa crise tecnopolítica coincide com as jornadas de manifestações populares ocorridas em junho de 2013, quando numerosos protestos contra o aumento na tarifa do transporte coletivo tomaram as ruas de todo o Brasil. 

De lá para cá, dois fatores parecem particularmente importantes de serem observados. O primeiro diz respeito aos questionamentos que se pode fazer acerca do padrão geral de comportamento dos usuários na rede, que, via de regra, aponta para um cenário de muito engajamento e pouco senso crítico. É possível incluir neste campo de análise, por exemplo, a apelação, um tanto quanto controversa, e, por vezes, por que não dizer, deturpada (ou até mesmo criminosa, em alguns casos), que tanto se propaga em torno do conceito “liberdade de expressão”. 

Contribuições expressivas sobre esse tipo de postura, que se poderia nomear de “politicamente incorreta”, podem ser igualmente encontradas na entrevista concedida pela deputada Delegada Adriana Accorsi (PT), que foi publicada pelo MnL em maio passado. “É um fenômeno antropológico, que eu acredito que deva ser estudado, porque está acontecendo no mundo todo. Não é algo isolado. Eu acredito que a história é cíclica e que essas forças sempre estiveram presentes. Só que, às vezes, elas se sentem encorajadas. Quando que, há alguns anos, uma pessoa ia ter coragem de entrar numa rede social e ser racista como as pessoas estão sendo hoje, a ponto de chamar uma artista negra de macaca?”, questionou, indignada, ao lembrar episódios recentes da história do país que teriam envolvido a cantora pop Ludmilla. O mesmo teria também acometido outras personalidades negras, como a jornalista Maju Coutinho, em caso que ganhou forte repercussão no mundo online.  

Ao refletir sobre as possíveis razões que teriam motivado essa aparente guinada no curso da política brasileira e no perfil ideológico dos próprios cidadãos do país, Denise faz coro à fala de Adriana. Ela aproveita ainda a ocasião para apresentar um breve balanço sobre os tempos atuais e os anos em que a esquerda esteve no poder no Brasil. “Mais do que erros, houve, fundamentalmente, insuficiência de tempo histórico para que o nosso povo, que ainda é analfabeto político e científico, se organizasse melhor. Para que a consciência se elevasse e não ficássemos em dúvida se a Terra é plana ou redonda. A democracia não é um processo linear e ascendente, ela faz reveses. A nossa história mostra isso. É preciso lembrar também que nós temos só 30 e poucos anos do fim da ditadura militar para cá. É um período histórico igualmente muito pequeno para que a gente possa tentar consolidar uma nova consciência“, salientou. 

O exemplo dado por Denise é apenas um dos inúmeros que poderíamos talvez citar na tentativa de entender um pouco o que tem levado o eleitor brasileiro a ser um exponencial propagador de tantas notícias falsas, calúnias e difamações nas redes. Vale a pena pontuar aqui que estes comportamentos parecem se agravar, sobretudo em períodos eleitorais, como os vivenciados agora. 

No que diz respeito à crítica apresenta pela ex-deputada sobre a teoria do Terraplanismo, é curioso observar que esta crença, cujos fundamentos já vêm sendo refutados pela ciência há, pelo menos, dois mil anos, ainda conte, hoje, com cerca de 11 milhões de apoiadores em todo o país, segundo pesquisas veiculadas na imprensa nacional. “Coisas assim são frutos, inclusive, da falta de aprofundamento da educação básica escolar e das pessoas terem uma visão mínima do que é a Ciência, esse método que foi desenvolvido no final da Idade Média. Estamos regredindo no tempo e tendo que lidar com coisas que foram resolvidas no Iluminismo. A mudança de costumes e padrões na sociedade, quando não é feita por meio de guerras ou de revoluções, se dá mesmo a passos lentos”, arrematou.

A questão educacional apontada por Denise parece ser mesmo, ademais, um aspecto central da crise tecnopolítica, que tem como um de seus principais expoentes a disseminação indiscriminada de fake news. A necessidade de promoção de uma educação crítica para o uso dos meios de comunicação é algo que já vem sendo defendido, inclusive, há mais de uma década, por renomadas referências no campo dos estudos culturais e da comunicação. Em linhas gerais, o caso implica na proposta da chamada “alfabetização midiática”, que tem entre os seus principais propagadores o acadêmico estadunidense Douglas Kellner, por exemplo.  

É mesmo provável, portanto, que um dos aspectos mais explícitos dessa falta de alfabetização midiática, no Brasil, tenha ficado marcado, em termos políticos, no processo de deposição da ex-presidente Dilma Rousseff, como já havia apontado Denise Carvalho. Os ataques e a desmoralização por ela sofridos, na ocasião, são provas que evidenciam, em alguma medida, a tese trazida pela ex-parlamentar da Alego.  “A destituição, sem crime de responsabilidade, da presidenta Dilma, foi, aliás, um golpe pautado pela misoginia. A democracia, por pior que seja a pessoa que esteja governando, é o melhor caminho que podemos ter. Se você é contra aquele projeto, dispute a eleição seguinte e ganhe, sem precisar que ocorra essa quebra. Essa é uma lição que precisa ser aprendida”, argumentou.

Argumentação semelhante sobre o caso pode ser encontrada nos depoimentos prestados por Adriana e por outra ex-parlamentar da Alego. Correligionária de Denise, Isaura Lemos também considerou que a deposição de Dilma teve um forte componente difamatório e um cunho eminentemente machista. “Apesar de nunca terem achado nada de errado que pudesse, de fato, incriminá-la, ainda assim, ela foi atacada, desmoralizada na condição de mulher e deposta do cargo de presidente, tudo isso por denúncias vazias”, pontuou. 

Para dar a exata dimensão da misoginia implícita nos referidos ataques, Adriana chega a lembrar, inclusive, de feito ocorrido em 2015, quando motoristas anti-Dilma passaram a colar, na entrada do tanque de combustível de seus carros, adesivos com imagens que havia viralizado nas redes e continham falsas cenas pornográficas associadas à ex-presidente. A montagem simulava um ato de nítida violência sexual, o que poderia ter sido, inclusive, enquadrado como crime de apologia ao estupro (conforme tipifica o artigo 218-C, da Lei Federal nº 13.718, de 24 de setembro de 2018, que foi acrescida ao Código Penal Brasileiro). “Nunca um presidente foi desacatado daquela maneira. Na minha opinião, tudo isso foi por termos uma mulher ocupando um cargo de poder”, indignou-se a atual deputada da Alego, após recordar ainda a hostilização sofrida pela ex-presidente durante a abertura da Copa do Mundo, em 2014, em que a torcida gritou em uníssono, na ocasião, xingamentos contra ela. 

Em termos sociais mais amplos, um dos aspectos mais dramáticos do cenário ficaria registrado, na imprensa nacional, em maio de 2014, com a divulgação do caso da mulher que teria sido morta, no litoral de São Paulo, após boatos publicados em uma rede social. O episódio envolveu a dona de casa Fabiane Maria de Jesus, de 33 anos, que sofreu traumatismo craniano e veio a óbito após ter sido espancada por dezenas de moradores, no Guarujá. Segundo a família, as agressões teriam sido motivadas por falsas afirmações divulgadas na internet, onde o nome da vítima estaria associado a casos de sequestros de crianças para a promoção de supostos rituais macabros de magia.    

 Voltando à deixa anteriormente apresentada por Denise, outra lição que se pode apreender com esses episódios é a de que ataques do gênero, além de apresentaram um prejuízo grande para a democracia, afetam, via de regra, as camadas mais vulneráveis da população, envolvendo não apenas as mulheres e os negros, como já citado, mas também as crianças, os adolescentes, os homossexuais. “Eu não acho que isso acontecia há uns anos atrás! Mas, hoje, as pessoas têm se sentido encorajadas e parece ser permitido fazer esse tipo de coisa. Elas são legitimadas pelas forças que estão no poder. Mas isso não é só aqui, isso tem acontecido no mundo todo. Há lugares onde estão conseguindo reagir. Mas, nós, aqui, não conseguimos ainda”, complementou, por outro lado, Adriana. 

Com essa fala, Accorsi toca, portanto, no segundo ponto a ser observado sobre a dinâmica vertiginosamente ascendente de propagação das fake news e outros males a ela associados na internet. Ele se refere justamente a essa aparente dificuldade que as próprias instituições democráticas brasileiras ainda hoje enfrentam para dirimir conflitos na área. Embora a legislação sobre o tema tenha apresentado alguns avanços na última década, a regulamentação se mostra, em geral, ainda bastante tímida para conter os prejuízos avassaladores dos tantos problemas que incidem sobre o universo virtual e online

Não obstante isso, desde a entrevista concedida por Adriana ao MnL, as ações de combate ao problema em tela parecem ter se intensificado consideravelmente, tornando-se, inclusive, mais visíveis neste período eleitoral. Em razão disso, é possível mapear hoje, no âmbito dos três Poderes Republicanos, algumas iniciativas relevantes sobre o assunto. Os parágrafos a seguir refletem, portanto, um breve resumo do que já se é possível esboçar, nesse nível institucional. Vale lembrar, antes, aqui, que as discussões apresentadas nessa matéria encerram debate que foi iniciado em reportagem sobre o tema divulgada, neste portal, na semana passada.  

Afora esses tópicos de discussão introdutórios, muitas outras ponderações poderiam ser ainda expostas na tentativa de se compreender um dilema que, por ser deverasmente complexo, jamais chegaria a ser esgotado nessas breves linhas. O que parece verdadeiro, e talvez mais urgente dizer, por ora, é que o fenômeno aponta, de alguma forma, para certa deterioração de valores éticos e morais e para uma carência educacional e crítica, sem os quais a democracia se torna insustentável no mundo contemporâneo.

Ações em curso

Embora com resultados ainda bastante incertos e difíceis de prever, o que se agrava em razão da pandemia do novo coronavírus, instituições republicanas de todo o país tentam agora encontrar as suas próprias saídas para combater a crise ética e cibernética que ameaça a democracia brasileira. No Congresso Nacional, por exemplo, foram abertas duas frentes recentes de discussão sobre o tema. 

A primeira se refere ao projeto de lei (PL) nº  2630/20, de autoria do senador Alessandro Vieira (Cidadania/SE). A propositura visa instituir a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. Segundo consta em seu artigo primeiro, o objetivo da norma é coibir, tanto nas redes sociais quanto nos serviços online de mensagens privadas, qualquer tipo de “abuso ou manipulação com potencial de dar causa a danos individuais ou coletivos”. Aprovada pelo Senado Federal, no dia 30 de junho deste ano, a matéria aguarda agora as deliberações junto ao Plenário da Câmara dos Deputados

Até o presente momento da tramitação, foram identificadas, em requerimentos apresentados nesta última Legislatura, 19 iniciativas correlatas à matéria. As mais antigas datam de 2018. No geral, elas envolvem, em seu conjunto, os nomes de sete deputados federais. Desses, quatro são do PT, dois do PSL e um do Podemos.  

 A segunda frente de ação aberta no Congresso diz respeito à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), que entrou em vigor em setembro de 2019. “Investigar os ataques cibernéticos que atentam contra a democracia e o debate público; a utilização de perfis falsos para influenciar os resultados das eleições de 2018; a prática de cyberbullying sobre os usuários mais vulneráveis da rede de computadores, bem como sobre agentes públicos; e o aliciamento e orientação de crianças para o cometimento de crimes de ódio e suicídio” foram os objetivos que motivaram a instalação do colegiado. 

Em abril desse ano, os trabalhos da comissão foram prorrogados e passaram a investigar também a disseminação de desinformação sobre a pandemia da covid-19 e o negacionismo do novo coronavírus. “Há uma rede financiada por alguns empresários e com recursos públicos – integrada por vários políticos e agentes públicos – para disseminação de informações falsas no Brasil, com o objetivo de manchar biografias, espalhar o caos e o medo e influenciar pleitos eleitorais”, disse a relatora da CPMI, deputada Lídice da Mata (PSB/BA), em entrevista concedida à Agência Câmara de Notícias, em maio passado.

Na ocasião, ela comentava sobre a operação de busca e apreensão feita pela Polícia Federal, no âmbito do chamado “inquérito das fake news“, que vem sendo conduzido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), desde março de 2019. Entre os alvos até então apontados estão importantes aliados do presidente Jair Bolsonaro, como os renomados Roberto Jefferson (ex-deputado federal) e Luciano Hang (dono da Havan). Iniciada por decisão do então presidente Dias Toffoli, a investigação visa apurar os ataques à Corte, aos seus ministros e aos seus familiares, os quais também vêm sendo alvos de notícias falsas, calúnias e ameaças, perpetradas pelo que se tem convencionado chamar de “Gabinete do Ódio” (supostamente ligados ao atual Governo Federal) e as “milícias digitais”. 

“A instauração deste inquérito se impôs e se impõe não porque queremos, mas porque não podemos banalizar ataques e ameaças ao STF, guardião da Constituição. Trata-se de reação institucional a ameaças a membros do tribunal e da família de ministros”, afirmou Toffoli. A afirmação se deu, em junho, durante a sessão de votação que decidiu pela continuidade da investigação. Vale destacar que o principal desafio dessas ações que vêm sendo conduzidas, hoje, tanto no âmbito no Legislativo quanto do Judiciário nacional, é o de se tentar garantir a integridade das instituições republicanas, aprimorando a qualidade da legislação sobre o tema, sem se ferir, no entanto, o direito constitucional à “liberdade de expressão”.  

Na Alego

Em rápida busca sobre o tema na página do Opinie Cidadão da Alego, foram encontrados três processos com tramitação recente no Legislativo goiano. Dois destes iniciados, inclusive, em 2019, já no âmbito da atual 19ª Legislatura. Tratam-se dos projetos de lei n° 7612/19 e n° 4786/19, que foram apresentados, respectivamente, pelos deputados Vinícius Cirqueira (Pros) e Henrique Arantes (MDB). Já a propositura mais antiga, identificada na busca, data do ano anterior (2018) e tem como autor o deputado Talles Barreto (PSDB). 

A lista, a seguir, expõe detalhes sobre cada uma delas.

Processo n° 7612/19 – Autor: Vinícius Cirqueira. Assunto: Acrescenta dispositivo à Lei Estadual de Diretrizes e Bases da Educação de Goiás, inserindo nesta noções sobre a utilização ética das redes sociais e das mídias digitais para evitar a divulgação de notícias falsas (fake news), desde a segunda fase do ensino fundamental. Data de autuação: 11/12/2019. Fase atual de andamento: em tramitação junto à Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJ), onde recebeu relatório favorável da deputada Lêda Borges (PSDB). Aguarda, desde 05/03/2020, a devolução dos pedidos de vista dos deputados Delegado Humberto Teófilo (PSL) e Karlos Cabral (PDT).

Processo n° 4786/19 – Autor: Henrique Arantes. Assunto: Institui o Conselho Estadual de Checagem de Fatos. Data de autuação: 15/08/2019. Fase atual de andamento: após ter recebido, junto à CCJ, em 16/04/2020, a aprovação do voto em separado favorável à matéria, emitido pelo deputado Bruno Peixoto (MDB), o projeto foi encaminhado à Comissão de Direitos Humanos, Cidadania e Legislação Participativa (onde foi recebido em 21/05/2020). Aguarda, desde 08/09/2020, a votação do relatório com o parecer contrário do deputado Henrique Cesar (PSC). 

Processo n° 2038/18 – Autor: Talles Barreto. Assunto: Dispõe sobre a responsabilização dos sites e aplicativos que divulgarem notícias falsas (fake news), no âmbito do Estado de Goiás. Data de autuação: 09/05/2018. Fase atual de andamento: aguarda a segunda fase de votação plenária, desde 29/05/19, quando foi aprovado em primeira fase. Recebeu, antes, relatórios favoráveis da CCJ, conforme parecer do relator Virmondes Cruvinel (Cidadania), e da Comissão de Segurança Pública, onde foi relatado pela deputada Delegada Adriana Accorsi.

Legislação vigente

Diante dos conflitos que foram sendo gerados desde o seu surgimento, já que diariamente circula uma infinidade de dados sobre os quais é praticamente impossível ter controle absoluto, legisladores e especialistas jurídicos sentiram a necessidade de estabelecer parâmetros que possam regular a internet, evitando assim que ela se transforme numa caixa de pandora. 

O primeiro passo dado no Brasil com esse intuito aconteceu em 2014 com a aprovação do chamado Marco Civil da internet (Lei nº 12.965/14), que ocorreu ainda no governo da presidente Dilma Rousseff (PT). A norma representou fruto da tentativa de se disciplinar, a nível nacional, toda matéria até então existente sobre o assunto e estabelecer princípios gerais, garantias, direitos e deveres a serem observados por provedores e usuários da internet. Entretanto, ainda assim, deixou muitas dúvidas com relação à neutralidade, segurança e privacidade na rede. 

Depois disso, o próximo passo foi dado em agosto de 2018, quando foi sancionada a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) – Lei Federal nº 13.709. Ela dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, com objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade da pessoa tanto em termos físicos quanto jurídicos. 

Vale ressaltar que, nessas questões, em que predomina a inovação, normalmente a legislação civil antecede a criminal, pois as regras penais são impostas a partir da experiência que advém das regras civis. Por causa disso, a Justiça Eleitoral estabeleceu novas regras para a divulgação de campanhas na internet. Desde o ano passado, se tornou crime, portanto, espalhar fake news com fins eleitorais. Oficialmente, a propaganda em meio digital inaugura novas regras, que já estão sendo aplicadas na corrida para o pleito municipal que se aproxima. A principal delas diz respeito à obrigação que os candidatos passaram a ter quanto ao cadastramento de seus endereços eletrônicos na Justiça Eleitoral e a hospedagem de suas páginas em provedores localizados no país. 

Acompanhe, a seguir, algumas dicas selecionadas pela reportagem para se evitar a propagação de notícias falsas na rede.

10 passos para identificar fake news

Tempos atrás, a checagem de dados era centralizada nas redações. No entanto, após a mudança na dinâmica da notícia, onde cada um consegue usar as redes sociais para fazer sua própria postagem, a verificação da veracidade, ou não, dos fatos passou a ficar a cargo do cidadão. As empresas de checagem orientam o leitor a observar a notícia e a tentar classificá-la em uma destas sete categorias: verdadeiro, impreciso, exagerado, distorcido, contraditório, insustentável e falso. Em seguida, o internauta deve realizar um passo a passo, com o intuito de averiguar cuidadosamente a autenticidade daquilo com que se depara no instante da leitura. Confira: 

Primeiro passo: Checar a fonte da notícia

Quando receber qualquer informação, seja bem cuidadoso. O melhor que você pode fazer é checar sempre o que recebe, evitando confiar exclusivamente em uma única fonte. Procure verificar qual é o veículo responsável pela informação e se você já o conhece. Independentemente de quem tenha enviado, antes de repassar o conteúdo, você precisa confrontá-lo com outros. Tente então verificar a notícia também em outros sites que você considera confiáveis.

Segundo passo: Verificar se a matéria é assinada

O passo seguinte é investigar se existe assinatura, que na maioria dos sites vem anexada logo no início da matéria. Depois disso, é necessário verificar a identidade dos autores do texto, caso você não os conheça, observando, inclusive, o histórico de trabalho desses profissionais. É sempre importante reconhecer aqueles que, ao longo da carreira, conseguem dar credibilidade ao conteúdo que produzem e disseminam.

Terceiro passo: Ler a matéria por completo

Via de regra, as notícias falsas possuem uma linguagem apelativa, sensacionalista, especulativa e tendenciosa (com foco em apenas um lado da história). Quase sempre, parte da divulgação é realmente verdadeira, mas está associada a uma outra parte distorcida, que pretende levar o leitor a um novo contexto de interpretação. Melhor então é correlacionar ambas para aferir qual a intenção desta informação.

Quarto passo: Conferir a data da publicação

É importante ficar atento a este detalhe, pois a informação até pode ser verdadeira, mas pode estar sendo usada fora do seu contexto original, aproveitando conteúdos já bem antigos ou, em algumas situações, apenas parte dele, com o objetivo de alterar o viés da informação.

Quinto passo: Não compartilhar conteúdo por impulso

É extremamente comum compartilhar aqueles conteúdos recebidos nas redes sociais que despertam curiosidade, interesse e polêmica. Segure a vontade de parecer ser muito bem informado, afinal um assunto do seu interesse nem sempre chama também a atenção das outras pessoas. Além disso, tenha em mente que uma pessoa que foi exposta nas redes sociais dificilmente vai conseguir recuperar por completo a sua imagem. Saiba que existem limites considerados legalmente aceitáveis para a notícia, e que você poderá ser penalizado caso permaneça repassando notícias falsas. Lembre-se que esta é uma responsabilidade de todos.

Sexto passo: Seja crítico e veja a notícia sob diversos ângulos 

Adquira o hábito de questionar a notícia, não aceitando tudo como verdade absoluta, ainda que tenha sido enviado pelo seu melhor amigo ou por alguém que você considere muito confiável. É preciso buscar compreender o que está por trás daquela informação e quais são os interesses que ela, de fato, possui. 

Sétimo passo: Evite navegar em sites conhecidos pelo sensacionalismo 

Grande parte das notícias que são divulgadas atualmente podem ser consideradas sensacionalistas. Infelizmente, existe uma preferência por esse perfil de notícias, que costuma ser mais fácil de ser consumido. Sabendo disso, procure identificar quais são os sites que mais utilizam esse recurso e os leia sempre com muito mais atenção e ceticismo.

Oitavo passo: Esteja atento à URL

Outra boa dica é identificar a URL (endereço eletrônico) da página e verificar se ela está associada a sites mal-intencionados. Por isso, quando direcionar o mouse e clicar na notícia, esteja atento para verificar se a URL que aparece é a mesma do site oficial. Isso pode, inclusive, te livrar também de pagamentos duplicados ao realizar compras on-line

Nono passo: Observe erros de digitação, ortografia e formatação

Os sites que costumam divulgar as chamadas fake news normalmente possuem pessoas pouco profissionais, que não se preocupam com, ou que até mesmo desconhecem, regras gramaticais e programas adequados para edição de notícias. 

Décimo passo: Treine suas habilidades

Desenvolver a habilidade para identificar as fake news pode ajudar você e muitas outras pessoas em vários momentos dessa vida cada vez mais online. Assim, você pode desempenhar um papel de maior responsabilidade, tanto como cidadão quanto como eleitor, e até mesmo como profissional. Tome a decisão de treinar suas habilidades e se torne apto a enfrentar o mundo digital com mais segurança e tranquilidade. 

Checando a notícia

Além de realizar todo esse procedimento passo a passo, cabe ainda, ao final, utilizar uma das oito plataformas disponíveis para checagem da notícia, sendo este um reforço a mais para se identificar e evitar espalhar as fake news. A prática é conhecida como fact checking, mais um termo em inglês que vem sendo utilizado para definir o método de verificação que analisa a confiabilidade das fontes do texto em questão. Dessa maneira, é possível descobrir se as notícias que circulam pelas principais redes sociais (Instagram, Facebook e WhatsApp) são realmente verdadeiras. Atualmente, existem oito plataformas online instaladas no Brasil que realizam esse tipo de serviço. São elas: 

  • Fato ou fake: Do grupo Globo, reúne vários veículos que trabalham em conjunto (CBN, Época, Extra, G1, TV Globo, GloboNews, Jornal O Globo e Valor Econômico). 
  • Comprova: Disponibiliza equipe de jornalistas por 24 horas, que trabalham apurando textos, vídeos, imagens e gráficos. A rede de profissionais conta com vários veículos de comunicação (Exame, Folha de S. Paulo, Nexo, Nova Escola, Estadão, UOL e Veja). Atende também pelo número (11) 97795-0022. 
  • Agência Pública Truco: Fundada em 2011, exclusivamente por mulheres, é uma instituição pública sem fins lucrativos, direcionada para conteúdos relacionados à administração pública, com foco na defesa dos direitos humanos.
  • Aos Fatos: É uma agência especializada na checagem de todo tipo de dados. É possível também enviar matérias diretamente pelo site, Whatsapp ou pelo fone (21) 99956-5882.
  • Agência Lupa: Ligada à Folha de S.Paulo, disponibiliza seus serviços especializados desde 2018, quando esteve especialmente voltada à cobertura das eleições presidenciais.
  • Fake Check: É uma plataforma da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) que inclui o uso de tecnologia para analisar pormenorizadamente a informação.
  • Boatos: Criado em 2013, o site publica espontaneamente várias matérias que já foram verificadas. O trabalho é realizado por uma equipe de apenas quatro profissionais. 
  • E-farsas: É o mais antigo serviço de verificação de notícias falsas. Criado em 2001, ele surgiu para desmistificar informações que circulam na internet, evitando boatos ou fofocas.

Para o contexto específico das eleições municipais deste ano, vale a pena também confrontar as informações divulgadas nas redes sobre os candidatos no próprio site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Além disso, com o propósito de combater a desinformação neste período, o órgão criou o “Tira-dúvidas Eleitoral no WhatsApp”, um assistente virtual que facilita o acesso do eleitor a informações relevantes sobre o pleito de 2020. Para conversar com o assistente virtual, basta adicionar o telefone (61) 9637-1078 à sua lista de contatos, ou clicar aqui, para acessar o link

Além disso, ao selecionar o tópico “Fato ou Boato?”, disponibilizado entre as opções do assistente digital, o usuário pode acessar alguns conteúdos já largamente desmentidos por agências de checagem de fatos, desmistificar os principais boatos sobre a urna eletrônica ou identificar conteúdos enganosos disseminados por meio da internet durante a pandemia da covid-19.

 

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