Na Assembleia Legislativa, em razão da pandemia da covid-19, não serão realizadas, neste mês, campanhas preventivas ou esclarecedoras. Nesse ano, a Diretoria de Saúde da Casa somente fará uma campanha pelas redes sociais alertando a população para a necessidade da prevenção, os cuidados necessários, bem como os caminhos que devem ser seguidos para que o paciente obtenha sucesso no tratamento.
A realização de ações voltadas ao HIV/Aids, assim como chamar atenção para as medidas de prevenção, assistência, proteção e promoção dos direitos das pessoas infectadas com o vírus é o objetivo do Dezembro Vermelho, data reconhecida nacionalmente e incluída no calendário oficial de ações de Goiás, como lei estadual oriunda no Parlamento goiano, por iniciativa do deputado Gustavo Sebba (PSDB), médico e presidente da Comissão de Promoção Social e Saúde.
O autor da lei ressalta que a mesma prevê a realização de eventos e ações, inclusive em parceria com a iniciativa privada, entidades civis e organizações profissionais e científicas. “A conscientização é importante em três sentidos: prevenir, dissipar preconceitos e garantir um tratamento efetivo”, salienta Sebba.
O deputado também ressalta que, mesmo em um ano em que o novo coronavírus já causou a morte de quase 1,5 milhão de pessoas em todo o mundo, o HIV, desde que foi identificado nos anos 80, já causou a morte de 25 milhões de pessoas e cerca de 40 milhões ainda precisam lidar diariamente com os riscos desse vírus.
“É importante que o HIV/Aids não seja esquecido só porque estamos enfrentando uma nova pandemia, também severa. Na verdade, é fundamental reforçar as campanhas de prevenção e de cuidados com o cidadão soropositivo, pois ele pertence ao grupo de risco”, alerta o parlamentar.
Gustavo relata que, diferente do que ocorreu nos tempos iniciais ao surgimento da infecção, “felizmente, hoje a nossa sociedade já convive sem preconceitos com o HIV, os profissionais de saúde estão mais preparados, o paciente pode viver de forma digna e se organizam em defesa dos seus direitos”, afirma.
“Ter AIDS não é mais uma sentença de morte e de marginalização como era anos atrás. Porém, o efeito colateral disso é que as pessoas, especialmente os jovens, estão se descuidando”, alerta. Sebba relembra que, quando surgiu a infecção, essa era potencialmente letal. “Muitos se lembram de grandes artistas e personalidades enfrentando a doença sem muitas esperanças, e isso teve efeito na prevenção”, explica.
“Apesar de hoje a situação ser mais tranquila em todos os aspectos, a Aids ainda precisa ser trabalhada como uma ameaça à saúde das pessoas. É por isso que precisamos reforçar as campanhas de informação e conscientização, promover uma educação sexual dos jovens, para que o sexo não seja praticado de forma irresponsável e é fundamental popularizar o acesso aos testes e ao tratamento, especialmente em relação aos que estão na fase inicial, para que a carga viral seja controlada”, alerta Gustavo.
Conscientização contínua
Por sua vez, a infectologista Cássia Godoy, ressalta o quanto é fundamental a continuidade das campanhas e divulgação de informações, e de conscientização para as populações, principalmente para as de maior exposição. A especialista também cita a trajetória desenvolvida nessas quase quatro décadas desde quando a infecção foi identificada. “O acesso ao tratamento e às profilaxias precisam ser garantidos, e isso precisa ser divulgado para que as pessoas possam alcançar todas essas medidas de prevenção”, orienta.
Cássia Godoy é graduada e pós-graduação em doenças infectocontagiosas pela UFG, profissional especialista do Hospital de Doenças Tropicais (HDT) e do Hospital do Câncer, com atuação concentrada em doenças oportunistas em pacientes imunodeprimidos.
Godoy ressalta, ainda, a necessidade de que toda a sociedade esteja imbuída nesse objetivo. “Não só os serviços de saúde precisam procurar novos métodos de cuidado, de gestão, para poderem melhorar a assistência ao HIV, ao manejo do HIV. Mas a sociedade precisa participar dessas informações, dessas campanhas, uma vez que é de interesse de todos que a epidemia seja controlada e, num futuro relativamente próximo, que a infecção seja tratada e consigamos o que se chama de cura”, acentua.
Conforme explica a infectologista, as estratégias de conscientização são extremamente importantes para vários segmentos da população, principalmente os de mais alto risco, a exemplo da população privada de liberdade, os bolsões de miséria, as orientações e o acesso aos profissionais do sexo, são pessoas de risco para transmissão. “É extremamente importante mostrar que existe acesso ao sistema de saúde, com a assistência, com o manejo, com a distribuição de medicamentos, com a realização de exames, tudo através do SUS”, orienta.
Cássia reitera, ainda, que é por meio da conscientização que se previne a infecção, e para quem for diagnosticado, é importante divulgar o acesso que eles têm até à Terapia Antirretroviral (TARV), aos exames e à assistência, ao cuidado, “que é o principal programa do Ministério da Saúde”, acentua.
Evolução histórica
A HIV/Aids foi reconhecida pela primeira vez, em homossexuais nos Estados Unidos, em 1981. Após quase quatro décadas da epidemia, são mais de 38 milhões de indivíduos infectados no mundo. Sendo que só em 2019, foram 1,7 milhões de novos casos. Os óbitos variam de 1 a 1,5 milhão anuais. No Brasil, são mais de 800 mil casos, concentrados, em especial, nas principais capitais brasileiras, com uma taxa de 20 a 21 casos para cada 100 mil habitantes, em alguns locais.
A epidemia em Goiás teve início em 1984. Nesse período foram registrados mais de 16 mil casos de infecção. Desse total, 12 mil são em pessoas do sexo masculino e mais de 5 mil, do sexo feminino, com prevalência na faixa etária entre 20 e 49 anos. De 2007 a 2019 foram notificados mais de 9 mil casos de HIV. Desses, 22 em menores de 13 anos. A notificação tornou-se compulsória em Goiás, a partir de 2014. Entre 2017 e 2018, foram apontados 25,2 casos a cada 100 mil habitantes. A proporção de homens para mulheres é de quatro a cada uma.
No período de 2012 até 2017/18, houve uma tendência leve de aumento dos casos, provavelmente, por conta do acesso ao diagnóstico. “Se a gente disponibiliza mais testes, provavelmente a gente vai ter maior notificação dos casos. Mas ao observar o número de gestantes com a infecção, a transmissão vertical caiu vertiginosamente, de 2016 para 2020”, informa a infectologista.
A prevalência parece estabilizada, na maioria dos países, mas na África, a doença está em crescimento, sobretudo em populações jovens e em alguns países mais graves ainda, como Botsuana e Lesoto.
Conforme a infectologista, observa-se uma interiorização da epidemia. “Os casos se concentravam, principalmente, nas capitais, nos grandes centros urbanos. A gente vê, agora, os casos crescendo nas cidades do interior do estado, nas cidades menores”, assinala.
A feminilização da epidemia também é observada. Antigamente, a proporção era de 14 homens para cada mulher. Atualmente, chega-se, em alguns lugares, a ser um para um. No Brasil, chega a ser na faixa de dois homens para cada mulher. “E isso tem repercutido no aumento do número de casos nas crianças, porque acometendo mais mulheres, e principalmente na idade fértil, vamos ver acontecer a transmissão vertical da Aids para as crianças”.
Outra característica da epidemia é o aumento de casos em pacientes mais jovens, e um pequeno aumento da sensibilização da epidemia, em pessoas de mais idade, graças ao advento das drogas aplicadas no tratamento da disfunção erétil, como é o caso do Viagra.
O incremento de novos casos tem aumentado também outras infecções, como a tuberculose. “O aumento de casos de Aids e o desenvolvimento da epidemia para casos mais graves, nas regiões que não têm acesso a medicamento, aumenta também o número de casos de outras doenças sexualmente transmissíveis, como a sífilis e as hepatites e a própria tuberculose, que tem tido incremento dos casos e dos óbitos”.
Protocolos e diretrizes
A doença é de notificação compulsória no Brasil, e os casos tanto em adultos quanto em crianças são notificados no Sistema Nacional de Notificação do Sinan. O manejo da infecção do HIV em adultos, crianças e mulheres, assim como a prevenção da infecção, estão contidos dentro dos programas do Ministério da Saúde, os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDTs).
O Brasil também assumiu o compromisso dos objetivos de desenvolvimento do milênio da Organização das Nações Unidas (ONU), que tem como uma das metas combater e reverter a tendência atual de propagação do HIV/Aids no mundo inteiro.
As ações de enfrentamento propostas têm a meta 90-90-90, voltada a contribuir com o fim da infecção até 2030, de diagnosticar 90% das pessoas com HIV, fazer o tratamento em 90% delas, e também garantir que 90% fiquem com carga viral indetectável. São 26 milhões de pessoas em tratamento no mundo, e o objetivo das autoridades de saúde do País é não deixar que essas pessoas desenvolvam a doença e não aumente a transmissão.
Cássia salienta, também, que o advento da epidemia da Aids contribuiu para desenvolvimento tecnológico também no que tange a outras doenças, em relação ao diagnóstico do próprio HIV, que são dois vírus HIV1 e HIV2, e o diagnóstico de outras doenças. “Ele acabou potencializando o desenvolvimento tecnológico para o diagnóstico e prevenção de outras doenças, ao que se conhecia a forma de transmissão e também, sobretudo, ao tratamento do HIV e de doenças correlatas”, assinala.
O avanço também alcançou as drogas antirretrovirais (ARV) efetivas desenvolvidas ao longo das últimas décadas. “Nós chamamos isso de Terapia Antirretroviral, que era, a princípio, só o tratamento dos pacientes que já tinham Aids”, pontua a infectologista. “A gente evoluiu bastante, com os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT)s, instituindo a Terapia Antirretroviral em qualquer momento do diagnóstico da infecção, até mesmo nos pacientes assintomáticos, com o objetivo de manter, esses pacientes com carga viral indetectável, diminuindo a transmissibilidade do vírus”, sublinha Godoy.
No decorrer do tempo também foram introduzidas as terapias chamadas Profilaxia Pré-Exposição (Prep) e Profilaxia Pós-Exposição (PEP), após os acidentes profissionais, após os intercursos sexuais de risco. “As pessoas têm acesso a essa terapia nas emergências das unidades aqui em Goiás, no HDT e outras unidades. Elas têm acesso à medicação para prevenir, em acidentes ou nas exposições ao HIV, para impedir que a pessoa se infecte”, orienta Cássia.
“No caso da Prep, a pessoas que entram em contato de pacientes positivos ou aquelas que venham a se expor a situações de risco de transmissão do HIV, podem ser medicadas de forma antecipada e diminuir a transmissibilidade”, alerta a infectologista.
Dentre os protocolos adotados, existe o de tratamento para gestantes e de acesso aos exames, inclusive à genotipagem, para evitar que a gestante transmita o HIV com padrão de resistência. “Faz parte do programa de acompanhamento das gestantes”, pontua Godoy. “Essas medidas têm diminuído ou pelo menos, mantido em níveis mais acessíveis, sem crescimento, a transmissão do HIV, e o desenvolvimento para a Aids”, ressalta a especialista.
Atendimento descentralizado
No início, os diagnósticos e acompanhamento dos casos se concentravam no HDT, e com a descentralização, as outras regiões de saúde também disponibilizam a testagem, e nessas regiões existem as cidades que oferecem acesso à Terapia Antirretroviral. São 13 unidades dispensadoras de TARV em Goiás, Aparecida, Anápolis, Goiânia, que conta com quatro unidades, além de outras cidades, como Caldas Novas, Rio Verde e Itumbiara, que prestam atendimento aos pacientes, e não só realizam exames, como dispensam a medicação. Os exames são realizados pelo Laboratório de Saúde Pública (Lacen) – Dr. Giovanni Cysneiros.
A região Centro-Oeste é uma das regiões do País que apresenta a menor taxa de incidência da doença. Em Goiás existem 18 regionais de saúde, distribuídas nos 246 municípios, sendo que em 208 desses, já são realizados os testes rápidos para HIV e Sífilis.