“O voluntariado é um aprendizado diário. A gente, ao invés de ajudar, aprende todos os dias”, assim começa sua fala Maria Amélia Amaral, servidora do Poder Legislativo de Goiás, que há mais de duas décadas se dedica a colaborar como voluntária junto à Associação de Combate ao Câncer de Goiás (ACCG). À experiência de crescimento pessoal, fazem coro a coordenadora da capelania católica da unidade de saúde Maria Eliane Araújo e a coordenadora da Divisão de Voluntariado da associação, Ângela Machado de Sá Ferreira.
Quem experimenta dedicar sua vida ao próximo sabe contar o que e como é uma vivência que muito acrescenta à vida de quem quer compartilhar amor. “Basta saber ouvir, querer dedicar seu tempo, e estar ali para isso”, afirma Ângela.
Por sua vez, Maria Eliane conta como foi que começou sua história de amor com o voluntariado, há mais de 13 anos. “Moro no setor Universitário, e via minhas vizinhas, muitas delas, saírem por volta das 13 horas para ir ao hospital todos os dias. Já eram de idade, e pensei, tenho que ir ajudá-las”, relembra.
Devido à sua importância, a dedicação espontânea aos semelhantes foi reconhecida pela Organização das Nações Unidas (ONU), que há 35 anos instituiu o Dia Internacional do Voluntariado, em dezembro. A ação também merece reconhecimento por parte do Parlamento. Na Casa de Leis, tramitam processos voltados a estimular e valorizar o trabalho voluntário, a exemplo de proposituras do deputado Virmondes Cruvinel (Cidadania), que tratam da criação da Política Estadual do Voluntariado Transformador e da Escola Cidadã, política pública de Responsabilidade Social e Voluntariado.
Maria Amélia relembra que antes de se tornar a responsável pelas atividades festivas para os pacientes do hospital, contribuia como voluntária em creches. Mas, ao ser convidada por uma amiga, foi à associação e não parou mais. “Quando começamos, era um grupo pequeno. Hoje, posso dizer que todos na Assembleia contribuem com o trabalho. Do presidente ao motorista, contamos com a colaboração de todos”, explica.
Outro ponto salientado por ela é o fato de que a cada gestão da Casa, as pessoas sempre são sensibilizadas pelo trabalho desenvolvido pelo grupo na ACCG. “Desde os balões até os presentes recebemos a contribuição de todos na Assembleia”, comemora. “Não seria possível fazer tanto sem a ajuda de todos”, ressalta. Em sua fala, Maria Amélia frisa preferir não citar nomes das tantas pessoas que colaboram, para não correr o risco de deixar alguma de fora. Mas ressalta a tamanha gratidão pela contribuição de cada uma.
Apesar de neste ano não ter sido possível realizar as atividades do grupo, em função da pandemia provocada pela covid-19, Maria Amélia já fala com entusiasmo da possibilidade de retomar as ações com uma programação especial para o Dia das Mães, dedicada aos pacientes da unidade de saúde.
Segundo Maria Amélia, um dos motivos da sua dedicação é a força transformadora que percebe em si nos momentos em que realiza o trabalho. “Quando chego lá, sou outra pessoa. Sinto tanto a presença de Deus, que me transforma”, garante. “Ali é meu porto seguro”, afirma ao concluir.
Por sua vez, a coordenadora Ângela Machado de Sá Ferreira, que é formada em serviço social, está na coordenação do voluntariado desde 2014. Mas explica que o trabalho voluntário no hospital já é desenvolvido há mais de 40 anos. “É uma experiência gratificante e importante pela natureza das atividades que o voluntário desenvolve”, assinala. E prossegue ao salientar que dentro de uma unidade hospitalar, o voluntário é visto como integrante da equipe de saúde.
Para falar da importância do voluntário, Ângela explica que o paciente é um ser biopsicosocial e espiritual. “Dentro do trabalho que o voluntário desenvolve, ele atende a todas essas questões de um modo diferente. Ele trata do bem-estar, do cuidado, do trabalho humanizado de acolhimento, e tem uma forma diferente de ver o paciente, porque quando está à disposição, ele tem a disponibilidade de estar ali para servir”, ressalta. “É o que vejo de mais gratificante no voluntariado”, complementa a coordenadora.
Projetos assistenciais
Ângela contabiliza que atualmente são cerca de 300 voluntários atuantes dentro dos cerca 20 projetos que existem na ACCG. Ela também explica que todos os voluntários da associação estão integrados à instituição, seja de forma direta (no acompanhamento de pacientes, recreação, etc) ou indireta (na captação de doações diversas, organização de eventos, etc). “Nesses projetos, o voluntário, tem a disponibilidade de atuar na ambulatório, enfermaria, ou em apresentações externas, voltadas à captação de recursos para serem investidos nos projetos”, explica. A novidade é que logo que haja controle da pandemia de covid-19, novos projetos com terapias alternativas serão implantados para atender aos pacientes.
A coordenadora lembra ainda que neste Natal, apesar de não haver condições de realizar a comemoração nos moldes que normalmente acontecem na instituição, a data será celebrada de forma mais singela. “Por conta da pademia, haverá um músico com voz e violão, e os presentes serão distribuídos aos pacientes por um funcionário da instituição. Será diferente do que sempre acontece, não haverá a comemoração, o auditório não será enfeitado com balões, mas a data não será esquecida”, conta.
Dentre as variadas ações realizadas na unidade, está o chá com bolacha, voltado a atender pacientes e acompanhantes, com algum alimento. Em parceria com o serviço social da instituição, também é realizado um estudo junto ao paciente e à sua família, e caso seja necessário, são encaminhados à divisão de voluntariado para que sejam auxiliados com fraldas, cestas básicas, suplementos, artigos de higiene pessoal e de vestuário, dentre outros. “Mesmo nessa pandemia, não deixamos de dar assistência aos nossos pacientes”, ressalta Ângela.
Benefício recíproco
Outro destaque entre os projetos é o desenvolvido pelas capelanias. “A gente acredita, e inclusive por meio de trabalhos científicos é comprovado que a fé é muito importante no auxílio dos pacientes”, explica Ângela. Segundo ela, a ação da capelania agrega ao trabalho realizado no hospital pela equipe multidisciplinar.
Ao enunciar a importância do voluntariado, a coordenadora ressalta que “o trabalho voluntário, além de beneficiar o paciente com bem estar e cuidado, ele também se torna uma fonte de crescimento pessoal e profissional”, informa. E prossegue ao contar que a avaliação da experiência por parte dos voluntários é positiva. “Temos feedback constante de voluntários que afirmam o quanto essas ações fazem bem a eles, principalmente, como ser humano”, garante.
Diante dos resultados que muitas pessoas contam sobre a experiência, tem voltado os olhos de outras para fazerem o mesmo. “Muitas vezes percebo que isso tem feito diferença para várias pessoas e novas têm se dedicado ao voluntário em função disso”, diz. Ângela ainda vai além e ressalta que o voluntariado representa uma troca benéfica muito grande. “Não precisa ter recurso financeiro. Basta uma atenção e saber ouvir. Isso tudo faz diferença na vida do ser humano”, esclarece.
Chamado do coração
Elaine Araújo, dos 13 anos em que se dedica ao trabalho voluntário, é coordenadora da Capelania Católica há 12 anos, além do desejo de auxiliar as outras mulheres da vizinhança a fazerem o trabalho voluntário, conta que também teve a experiência de a mãe se acometida pelo câncer, e ela, por sua vez também teve a enfermidade por três vezes. “Assim que comecei a fazer o curso, vi que podia fazer mais”, ressalta. “Por ter passado com minha mãe, e também pela minha experiência, sabia o que cada um estava passando, e podia ajudar a passarem por aquilo ali”, relembra. “A princípio, a gente pensa que vai ajudar e acaba por ser ajudada”, friza.
Ao reviver o dia em que foi se inscrever para o processo seletivo, conta que havia uma grande fila. Quando viu a quantidade de pessoas, já ia desistir, quando uma das vizinhas, “dona Lindorneta” a encontrou, e a fez continuar no seu propósito. E assim, se inscreveu, fez o curso e passou pela avaliação psicológica . “Minha prioridade era ajudar”, disse que argumentou com a psicóloga quando esta perguntou se Elaine teria tempo. “Respondi que a gente tem que priorizar”, continuou, e explicou também que de cada 100 que se inscrevem, 50 fazem o curso e apenas 20 atuam como voluntárias.
Maria Elaine explica, ainda, que a capelania é de responsabilidade da Paróquia Santo Antônio, com o aval, e o trabalho é realizado pelos franciscanos há mais de 50 anos. “É onde tenho todo apoio, na celebração de missas, ou na presença de um padre, quando necessário”, prossegue. A coordenadora pontua ainda que em função das condições diferenciadas dentro da unidade de saúde, que exigem conhecimento e prática diante das situações hospitalares, tem sido mantida na coordenação há mais de uma década. “É um trabalho pastoral que exige muito, tem que saber como funciona o hospital. Acompanho todos”, assinala.
“Mesmo quando padres de outras paróquias vêm ao hospital, sou a responsável”, aponta. Além disso, Elaine prossegue ao contar que são três capelanias: católica, espírita e evangélica. “Mas não somos divididos, trabalhamos em conjunto. É por amor e respeito. A finalidade é de ajudar. Não é religião, é Deus”, dá o exemplo.
Por fim, informa que o trabalho da capelania não se prende ao espiritual, mas também contribui com o material. O exemplo disso é a doação de fraldas e a participação com o chá doado aos pacientes. “Muitos vêm de outras cidades, precisam sair de madrugada e não têm dinheiro para fazer um lanche. Por isso, a importância do chá com bolachas distribuídos às 9 horas”, ressalta a coordenadora.
Apenas um abraço
Das experiências como voluntária, uma que Elaine lembra com carinho especial é do dia em que esteve no hospital para um abraço. Ao chegar no quarto e se apresentar, o paciente foi logo contando que trabalhava em uma empresa com 150 funcionários. Mostrava o celular e dizia, “nenhum deles me ligou. Nem meu irmão, que mora em Goiânia, veio me visitar. Nem precisava entrar aqui. Bastava chegar na janela para me ver. Ele não veio”, lamentava o doente.
Diante da situação, Elaine disse a ele, que as pessoas e o irmão podiam não ter ligado ou ido visitá-lo, mas que Deus não havia se esquecido dele. “Por isso estou aqui”, conta. Perante a reação do homem, que abriu-lhe os braços, devolveu a gentileza. “Ele me abriu os braços, não tinha como, fiquei naquele abraço”, relembra. Por fim, ressalta ao afirmar que, “você só tem que estar lá, porque vai fazer a diferença na vida de alguém. Mesmo que seja por um abraço ou uma oração”, orienta.
Ensino da cooperação
Já Virmondes assinala que ao propor a Política Estadual do Voluntariado Transformador, o intuito é de contribuir para a construção de outra realidade, onde o indivíduo caminhe em direção ao outro, onde os grupos se transformem em redes, a crítica, em cooperação e o assistencialismo, em promoção da cidadania.
O deputado lembra que o voluntariado sempre existiu. “Essa prática era realizada muito antes de existirem pessoas reunidas em ONGs, OSCIPs ou fundações”, afirma. Em sua propositura no processo nº 2002/19, Cruvinel salienta que o Estado não tem condições de sozinho, realizar o que é preciso, “assim o voluntariado transformador se propõe a compreender a complexidade dos problemas sociais, a agir com o apoio de equipes multidisciplinares e conselhos de classe”, argumenta.
Para o parlamentar, saber conviver em uma sociedade complexa e bem informada é uma qualidade essencial ao voluntariado hoje. É preciso ter competência humana e qualidade técnica. Na visão do legislador, o voluntariado transformador se propõe a dar ao gestor de instituições filantrópicas e ao cidadão comum condições para a prática de ações propositivas, com um mínimo de preparação. “Trata-se de valorizar o profissional da ação social em busca da complementaridade”, exemplifica. E prossegue ao salientar que, justamente por isso, ele (o voluntario) não se transforma em mero auxiliar, ou seja, respeita-se a liberdade que lhe é própria.
Cidadania na escola
Virmondes pontua que no que tange à proposta da Política Estadual Escola Cidadã, o intuito é a realização de ações voltadas ao engajamento dos estudantes da rede pública estadual em ações que contribuam para diminuir a disparidade social e o engrandecimento dos laços de cooperação na comunidade.
Sensibilizado pela pauta, o parlamentar prossegue ao enunciar que “voluntariado e responsabilidade social são conceitos importantes que precisam ser desenvolvidos na sociedade, motivo pelo qual, por meio deste projeto de lei, pretendemos que seja implementada uma política pública de fomento junto aos nossos estudantes, devidamente matriculados na rede estadual de ensino”, argumenta.
O parlamentar alerta, no texto do processo nº 2709/20, para a importância da conscientização para o fato de que o interesse social é mais importante que o individual, cria formas de despertar o jovem para inclusão, desenvolvendo o interesse por atividades sociais. “O desnível social e o alarmante desinteresse dos jovens pelas causas sociais, mais do que nunca, exigem a necessidade de formar cidadãos mais conscientes”, alerta. Na opinião de Cruvinel, uma sociedade articulada, com cidadãos engajados, se mobiliza em direção à solidariedade e à inclusão.