Inspirada pelo pai, um policial civil, a servidora tornou-se a primeira e única mulher a ministrar aulas de defesa pessoal na Acadepol
*Por Wedja Gomes
Shirley Nascimento, 38 anos, ocupou um território tomado por homens. Diversas vezes, ouviu que o jiu-jitsu e a carreira policial não eram para ela pelo fato de ser mulher. Insistiu, inspirou-se na história do próprio pai, Luiz Augusto Nascimento, e tornou-se a primeira e única mulher a ministrar aulas de defesa pessoal para policiais na Academia da Polícia Civil de Pernambuco (Acadepol). Não houve tempo para o pai de Shirley, comissário de Polícia Civil, acompanhar as conquistas da filha. No ano da formatura dela como servidora da corporação, em 2009, Luiz morreu.
A perita papiloscopista despertou, ainda criança, para o desejo de ser policial. “Via o amor que meu pai tinha pela profissão e queria fazer o mesmo. Vestir uma farda de policial e honrá-la. No momento que eu pensei que fosse dizer a ele: pai, você foi meu maior inspirador, meu maior exemplo, ele faleceu”, lembra.
Com a luta foi a mesma coisa. O pai de Shirley foi seu maior incentivador. Achava que ela precisava aprender a se defender. A paixão pela luta aumentou quando ela frequentou a academia de jiu-jitsu na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em 2003. Na época, cursava educação física.
Após seis meses de treinamentos, conquistou os primeiros títulos, entre eles, de campeã mundial, em 2004; três vezes campeã pernambucana de jiu-jitsu; e campeã Norte/Nordeste, em 2004. Depois destes, vieram outros. Hoje, é faixa preta, graduação no jiu-jitsu que permitiu à policial tornar-se a primeira instrutora feminina a dar aulas de defesa pessoal policial para homens e mulheres no curso de formação da Acadepol.
Shirley também é professora na academia ZR Team, na Ilha do Retiro, no Recife, onde treina diariamente. No espaço, ela é responsável pelas turmas femininas. Nas aulas, Shirley trabalha nas alunas, além dos ganhos físicos, o aumento da autoconfiança, a segurança e a autoestima. “As artes marciais e a defesa pessoal ajudam muitas mulheres a vencerem seus medos e preconceitos.”
Ao longo dos anos, tem sido cada vez mais comum ver mulheres desmistificando pensamentos e desfazendo padrões sociais. Sem medo de preconceito, elas assumem profissões antes consideradas masculinas. Porém, ainda é um caminho bastante árduo. Quando uma mulher exerce profissões consideradas masculinas, significa que ela precisará ser forte para encarar olhares tortos e comentários machistas pelo padrão cultural imposto.
Shirley teve que quebrar paradigmas e mostrar que de frágil o sexo feminino não tem nada. Desde que iniciou a carreira de perita papiloscopista, lembra que enfrentou muitos desafios e preconceitos dos próprios colegas de profissão. Muitos diziam que ela não era capaz e que polícia não era lugar para mulheres. E isso fez com que ela se dedicasse ainda mais e não desistisse dos seus sonhos. Hoje, tem o respeito e a admiração dos seus colegas de profissão e percebe que esse conceito está se transformando aos poucos. “Hoje eu tenho amigos que me escolhem para ficar na equipe, ao invés de escolherem um homem. Me escolhem pelas minhas qualidades, que não são menores do que as dos colegas homens. Infelizmente, o machismo está na raiz cultural de nossa sociedade e o combate a ele tem que ser contínuo.”
Shirley ainda deixa um recado para todas as mulheres que estão enfrentando esse momento na carreira “Seja forte, corajosa e vá à luta. Faça a sua parte. É fato que já houve uma evolução e que as mulheres estão mais conscientes de seus direitos, mas, se não for feito por nós algo no sentido de superar esse tipo de violência, ela não vai passar, nem muito menos acabar.”
Como policial, Shirley também foi convidada a integrar o quadro de funcionários do Departamento Nacional de Segurança Pública (SENASP). “Representar o Estado de Pernambuco em operações em outros membros federativos, como Alagoas, Rio Grande do Norte, Goiás e Distrito Federal, trouxe grandes benefícios na minha carreira policial. Um deles foi à capacidade de me adaptar em diversos meios e situações e a troca de experiências com profissionais de outros estados, na qual tive um aprendizado ímpar sobre diversas outras culturas, ou seja, inúmeras maneiras de agir, exigidas pela profissão.”
Casada há 16 anos com Douglas Rodrigues, que também é policial civil integrante do grupo tático do grupo CORE e atleta de jiu-jitsu, Shirley lembra que iniciaram juntos na polícia e no tatame. Desde então, não se separaram mais. Hoje são pais dos gêmeos Saulo e Vitor (5 anos) e de Isadora (3 anos), que já dão os primeiros passos no esporte. “Estamos sempre conectados. Minha família sempre está comigo nos campeonatos. Meu marido e meus filhos sempre estão nas arquibancadas na torcida pela mamãe. É também um momento de lazer para todos nós.”
Violência contra a mulher- Relatório do Anuário Brasileiro de Segurança Pública do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2018, aponta que foram registrados mais de 50 mil casos de violência sexual no país e, destes, 81,8% tiveram mulheres como alvo principal. Outro dado chocante do estudo revela que a cada 11 minutos uma mulher é vítima de estupro no Brasil. Estas estatísticas alarmantes têm gerado o crescimento do público feminino em aulas de artes marciais, ficando evidente a importância de aprenderem a forma correta de autodefesa.
:: Wedja Gomes é jornalista da Secretaria de Imprensa de Pernambuco.