InícioPARANÁComo pessoas anônimas viram a vida mudar com a pandemia

Como pessoas anônimas viram a vida mudar com a pandemia


Um ano de pandemia e estatísticas não faltam para infectados, mortos, vacinados. Por trás dos números estão histórias de anônimos que viram a vida virar de ponta-cabeça com a pandemia. O Governo do Estado conseguiu minimizar os impactos com diversos novos programas, mas eles só foram possíveis porque milhares de pessoas não pouparam esforços para garantir um pouco de normalidade. Esse texto traz alguns desses exemplos.

A pandemia causou uma revolução no universo de professores, alunos e pais. Adaptar o ensino presencial para o online, para diferentes faixas etárias, se mostrou um desafio que precisou ser vencido rapidamente. O Paraná pôs em prática um dos modelos mais assertivos e elogiados do Brasil. O Aula Paraná se consolidou como um efetivo sistema multiplataforma de educação a distância, com aulas transmitidas pela televisão, YouTube e aplicativo, alcançando os cerca de 1 milhão de alunos da rede.

A professora e pedagoga Liliane Assumpção Oliveira é um exemplo de quem age para fazer esta engrenagem funcionar. Há 23 anos ela se dedica à educação de estudantes surdos. Toda a trajetória foi percorrida no Colégio Estadual para Surdos Alcindo Fanaya Júnior, de Curitiba. A escola funciona em período integral e tem a Libras (língua brasileira de sinais) como língua de instrução. O colégio passou seis meses da pandemia em 1º lugar nos acessos ao Google Classroom com atividades online e Meets, que são os encontros online com os estudantes.

“No começo nos vimos meio sem chão, tínhamos muitas dúvidas. Apesar de já termos alguma experiência com recursos visuais, que é base do ensino de surdos, transpor isso para a educação online era um desafio”, relembra.

Mas o esforço deu certo. Com ajuda dos intérpretes de libras, eles desenvolveram uma série de tutoriais para capacitar as famílias dos alunos para auxiliar nas aulas remotas. Muitos deles não dominam a língua de sinais, o que tornou a adaptação ainda mais desafiadora.

Liliane conta que o mesmo aconteceu com os alunos menores, na faixa entre 3 e 8 anos, que ainda não dominam a libras. “Foram dificuldades que fomos enxergando e tentando transpor. E ficamos muito felizes em ver que todo o esforço tem valido a pena”, conta.

Com cerca de 100 alunos e 17 turmas, desde a educação infantil até o ensino médio, a escola vem conseguido transpor as barreiras. Para os alunos do Centro de Atendimento Especializado – que são surdos e cegos – o colégio preparou aulas e orientações para os pais, que aplicam em casa as atividades.

Em um ano, Liliane criou um mini estúdio em casa e trabalha diretamente no planejamento das aulas com os cerca de 40 professores. Apesar de terem tido sucesso na adaptação, para ela os alunos não veem a hora de poder voltar para o ensino presencial. “A escola tem uma função social muito forte na vida deles e da unidade escolar como um todo”, diz.

ADAPTAÇÃO – Prender a atenção de alunos durante a aula de matemática não é tarefa fácil nem nas aulas presenciais, quem dirá no ensino remoto. E a professora Lilian Marilene Ribeiro dos Santos sentiu na pele o dilema. Mesmo tendo adaptado materiais, montado apresentações explicativas para os alunos, não conseguia ter o sucesso e a adesão que desejava.

“Quando fomos para o sistema online, no ano passado, tivemos que adaptar as coisas de forma rápida. Conseguimos bons resultados, mas eu sabia que podia melhorar”, afirma.

Professora no Colégio Estadual Leôncio Correia, em Curitiba, há 15 anos, ela começou 2021 com uma novidade: se a escola não pode receber os alunos em sala de aula, ela resolveu montar uma na própria casa. Com ajuda do marido, transformou a lavanderia em sala de aula, com direito a quadro negro e giz.

“O suporte do quadro é muito importante e já é visível a diferença”, conta. Agora, suas aulas contam cerca de 25 a 28 alunos por meet. Além disso, ela tem grupos de WhatsApp com os alunos, tira dúvidas pelo Messenger do Facebook e até pelo Instagram. “Atendo os estudantes em qualquer mídia. O importante é passar o conteúdo e ensinar”, afirma.

PRIVAÇÃO – Há exatamente um ano, o médico Diego Schuster Paes abriu mão de todo o convívio social que tinha. Morando com os pais, se viu obrigado a ficar separado deles. O mesmo aconteceu com os irmãos e sobrinhos. Há um ano que os encontros acontecem somente por vídeochamadas. O isolamento é o preço que o profissional que se dedica ao atendimento dos infectados no Hospital do Trabalhador, centro de referência no tratamento da doença na Capital, paga.

Nos primeiros dois meses da pandemia, quando pouco se sabia sobre a doença, ele trabalhou todos os dias. “Tínhamos que ajudar na construção de protocolos, treinamento das equipes, medidas de segurança, escrever nossos próprios procedimentos. Foram dois meses no hospital de segunda a segunda. E sem esquecer do medo, que era bem grande no princípio”, afirma.

Agora, com os profissionais da linha de frente já vacinados e conhecendo um pouco mais as particularidades da doença, Paes diz que é mais fácil lidar com o dia a dia. No entanto, o agravamento dos casos e aumento das transmissões têm gerado uma segunda onda de apreensão entre os profissionais.

“Tenho internado pacientes cada vez mais jovens e que evoluem muito rapidamente para quadros bastante graves”, afirma. “Escutamos pessoas reclamando que não aguentam mais ficar em casa e daí se aglomeram. E nós, que estamos há um ano sem qualquer contato físico?”.

Mesmo com toda a exposição, Paes não foi infectado pelo vírus. Há um ano ele sonhava com o dia em que uma reunião no auditório do Hospital do Trabalhador seria feita para informar sobre o fim da pandemia. “Hoje, já não consigo imaginar uma reunião dessas acontecendo tão cedo”, diz.

CONTROLE – A pandemia também mudou a rotina da soldado Jana Scherer, de Pato Branco. Como auxiliar de Comunicação Social do 3º Batalhão de Polícia Militar, as ações administrativas tomavam boa parte do seu tempo. Com a pandemia e o reforço do policiamento para garantir o cumprimento das medidas de restrição, as operações nas ruas se tornaram bem mais frequentes.

“Temos tido operações contínuas de orientação e fiscalização da sociedade. Neste último mês estamos trabalhando com mais frequência. A situação pediu”, destaca.

A exposição constante fez também que redobrasse os cuidados em casa. Vivendo com o filho de 20 anos, todos os dias, ao voltar para casa, ela cumpre o ritual de fazer a assepsia de todos os equipamentos de trabalho. “Já virou rotina”, afirma.

Para ela, a maioria das pessoas já entendeu a gravidade da situação e tem respeitado as determinações. “Não adianta assumir uma atitude negacionista, não levar a sério o momento que estamos vivendo. Estamos trabalhando para garantir a segurança de todos. É o nosso trabalho”, esclarece.

AUXÍLIO – Enquanto uns trabalham diretamente no combate à doença, o Estado manteve diferentes estruturas auxiliando quem mais precisa. O Paraná implementou o programa Cartão Comida Boa. Foram R$ 113 milhões injetados na economia paranaense, alcançando quase 800 mil pessoas em situação de vulnerabilidade.

Além disso, mesmo com a pandemia, a manutenção do programa Leite das Crianças foi uma vitória. Com atendimento diário de 112 mil crianças, entre 6 meses e 3 anos de idade, além de ajudar famílias o programa garantiu trabalho e renda a 5,2 mil produtores de 42 pequenos laticínios.

Elisiane Mara de Araujo mora em Araucária com os dois filhos pequenos e diz que não saberia o que fazer sem a ajuda. Antes da pandemia, trabalhava com eventos, fazendo esculturas em biscuit para topos de bolos. Com as restrições, as festas cessaram. Separada, vive com a pensão de um dos filhos e os bicos que têm conseguido para complementar a renda familiar.

“Tanto o Cartão Comida Boa como o programa do leite são essenciais para mim. São 7 litros de leite por semana. Isso significa que sobra mais dinheiro para as outras despesas e as crianças se alimentam bem”, arremata.

Um ano depois, uma das primeiras diagnosticadas relembra o episódio

O diagnóstico chegou há um ano. E relembrar o episódio de ter sido uma das primeiras diagnosticadas com Covid-19 no Paraná ainda faz a bióloga Eliana Souza suspirar.

Em fevereiro de 2020, ela, o marido e mais um grupo de amigos de Cianorte, no Noroeste do Estado, partiram rumo a Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. No início do ano passado, o coronavírus era uma ameaça que parecia distante dos brasileiros. Então, sem nenhum tipo de restrição, embarcaram rumo ao Oriente.

A viagem deu novo ânimo à família após ela ter descoberto um câncer, o que contou com uma maratona de três cirurgias. “Fiz minha última cirurgia em fevereiro de 2019. Passamos o ano todo pagando pela viagem, que prometia ser um fôlego depois de tanto sofrimento”, conta.

O casal e os amigos fizeram um cruzeiro e conheceram a cultura oriental. Quando retornaram, tudo mudou.

Na chegada, em São Paulo, o cenário já era diferente. Muita gente protegida por máscaras e mesmo antes de desembarcarem do avião houve um alerta sobre um novo vírus que já estaria circulando. Também foram orientados a procurar uma unidade de saúde próxima de casa caso apresentassem sintomas gripais.

No dia seguinte de sua chegada a Cianorte, Eliana começou a sentir febre e cansaço. Foi quando decidiu procurar a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do município, conforme a recomendação. Mesmo sem a orientação adequada, ainda incipiente no País, foi de máscara até o posto e manteve o distanciamento das pessoas.

“Expliquei o meu caso, o médico examinou e relatou ser cansaço da viagem, porém, mesmo assim, comunicou a Vigilância Sanitária sobre o meu caso. Foi aí que solicitaram o exame”, relembra. “Fui a primeira testada no Paraná e um dos primeiros casos notificados no Estado”.

O que se seguiu ao diagnóstico foram dias de angústia. Hostilizada e até ameaçada por pessoas que sequer conhecia, ela e o marido – que também foi infectado, mas permaneceu assintomático – se isolaram fora da cidade por 40 dias. “Nos acusavam de ter trazido o vírus. Mas fomos tão vítimas quanto qualquer outra pessoa”, lembra.

Um ano após o trauma, Eliana se sente bem. Não tem sequelas da doença, mas não esquece o anúncio da TV em que informaram os primeiros casos da doença, antes mesmo dela saber do que se tratava. Ela também não descuidou das precauções. Máscara, distanciamento e álcool em gel continuam sendo regras rígidas na família. Tudo para se manter livre de uma possível reinfecção.

Da experiência traumática, tenta guardar as gentilezas de amigos, que se mostraram solidários durante todo o tempo em que ela e o marido estiveram doentes. Com um ano de pandemia e milhares de casos notificados, Eliana só deseja que isso tudo acabe e que as pessoas possam voltar a se encontrar e se abraçar novamente.

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