Na última quarta-feira (26), a Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) de São Paulo prorrogou, pela terceira vez e por mais 30 dias, a proibição de visitas presenciais a presos no estado, por causa da pandemia da Covid-19. Dois dias após a publicação da medida no Diário Oficial, um grupo com cerca de três mil familiares dos presidiários protestaram nas imediações do Palácio dos Bandeirantes, no bairro do Morumbi, Zona Sul da capital.
Em frente ao estádio Cícero Pompeu de Toledo, mais conhecido como Morumbi, mais de dez ônibus de viagem lotados estacionaram por volta das 7h da última sexta-feira (28). Familiares vindos de várias regiões do Brasil carregavam faixas com reclamações e os principais pedidos estavam estampados nas camisas dos participantes, na maioria mulheres. A ideia era se aproximar do palácio, mas policiais militares fecharam todas as vias para garantir a distância do protesto.
Entre as principais reivindicações da manifestação estavam a volta das visitas presenciais, uma melhor gestão da visita virtual, um maior tempo de banho de sol para os presos e mais alimentação, principalmente por causa do momento de crise sanitária no mundo.
Maria Clara*, nome fictício, veio da Bahia e enfrentou horas de viagem na estrada para participar do protesto. O seu marido atualmente está preso em uma penitenciária do interior de São Paulo. Há seis meses sem vê-lo, ela denuncia que a proposta de visitas virtuais do governo estadual não é efetiva e poucas esposas conseguem utilizar a ferramenta.
“O sistema é ruim, só dá erro, teve gente que até agora não conseguiu fazer o cadastro porque só fica em análise e por isso não passou nem para a fase do agendamento. Eu fiz o meu desde o dia 27 de julho e até agora não consegui a minha visita”, lamenta.
Ela destaca que além dos problemas para conseguir realizar a visita virtual, quando alguns familiares conseguem agendar, o tempo de conversa é muito pouco e não há privacidade.
“Ficam vários agentes ao redor deles e só são cinco minutos, os meninos ficam se tremendo sem saber o que falar, por medo de sofrer alguma retaliação”, conta.
Um das críticas dos familiares é que muitas pessoas vulneráveis não têm acesso à internet e a um bom equipamento para realizar a chamada virtual.
“Como vamos ter visita virtual em um País que temos milhões de pessoas vivendo na miséria? Familiares não têm dinheiro nem para visitar o preso, quanto mais para pagar internet. Queremos saber se o governo vai propor um mapeamento dessas pessoas para facilitar o acesso dessas famílias”, questiona Maurício Pereira*, nome fictício.
Para minimizar os efeitos da pandemia, no dia 8 de julho a SAP adotou o programa Conexão Familiar , projeto que permite ao visitante mandar uma mensagem de até 2 mil caracteres diretamente para a pessoa privada de liberdade e, num prazo de até cinco dias, obter o retorno por e-mail.
São aceitas somente até duas mensagens semanais por pessoa presa. Já no dia 22 de julho, o governo anunciou que familiares de reeducandos do sistema prisional poderão agendar visita à distância por meio do sistema Conexão Familiar – Visita Virtual, implantado em todos os presídios do estado.
Apenas 30% dos presos de SP conseguiram “visitar” os familiares desde o início da pandemia da Covid-19
São Paulo é disparado o estado com a maior população carcerária, com cerca de 200 mil presos nas 176 unidades prisionais do estado. De acordo com a SAP, no balanço mais atualizado, desde o início do programa já foram realizadas 60.940 visitas virtuais, das 73.062 agendadas. Cerca de 70% dos custodiados ainda aguardam pelos encontros virtuais.
Ana Batista*, nome fictício, que também participava do protesto, está desde março sem encontrar o marido, quando o governo interrompeu as visitas presenciais. “Eles cortaram as visitas, mas todos esses programas anunciados têm muitas falhas. Os e-mails, por exemplo, são trocados e muitas vezes não chegam. Eu também sei que os presos não escrevem sempre a verdade porque dependendo que que colocar ali pode levar castigo dos guardas”, explica.
Para ela, os presidiários deveriam ter um tratamento mais humanizado, principalmente por causa da Covid-19, mas desconfia que não é interesse da gestão essas melhorias. “É aquele negócio né? Bandido bom é bandido morto , só que não é assim, entendeu? Todo mundo merece uma segunda chance. Eles têm família também e o governo não pode jogar lá e esquecer. As coisas na penitenciária do meu marido já eram bem difíceis, depois da pandemia aumentou 100%. O Sedex que a gente manda, eles devolvem com frequência. Jogam tudo dentro da caixa e devolvem ao familiar porque você mandou uma pasta de dente a mais, um sabonete a mais ou você mandou 300 gramas um doce e não pode”, reclama Ana Batista*.
Dados Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do Ministério da Justiça, apontam que São Paulo registra 22 mortes pelo novo coronavírus (Sars-CoV-2) nas prisões. Também há 4.556 casos confirmados de presos com a doença, além de 157 suspeitas e 4.031 recuperados.
Os familiares reclamam ainda que falta transparência para ter informações a situação de saúde dos detentos. “A gente não sabe se eles têm esse vírus porque eles nunca testam, não tem nem dipirona lá dentro, a gente que precisa mandar tudo, mas muitas vezes, os envios são barrados. Infelizmente, a nossa realidade hoje é de calamidade pública”, denuncia Ana*.
Resposta da Secretaria da Administração Penitenciária
Em entrevista exclusiva ao iG, o coronel Nivaldo Restivo, secretário de Administração Penitenciária de São Paulo, esclareceu que para a SAP não há problemas em aumentar o tempo de visita virtual, atualmente de cinco minutos. “Mas, se eu colocar trinta minutos para um preso, vou ter que tirar outros 25 minutos de cinco presos. E a nossa intenção hoje é contemplar o máximo de pessoas. Sabemos que o tempo é pouco, mas é uma situação emergencial e temporária”.
Sobre a solicitação das famílias por uma resposta sobre a retomada das visitas presenciais, o secretário informou que esse plano já existe e não depende exclusivamente da vacina. Ele garantiu que a visita presencial deve retornar quando houver condições sanitárias favoráveis ao reencontro. “Isso envolve o controle da pandemia e a tendência de queda dos indicadores do Plano São Paulo, já temos algo desenhado para isso”, explica.
A ideia da SAP é ter visitas intercaladas nos fins de semana, entre pavilhões pares e ímpares para dividir a quantidade de pessoas na unidade prisional. Outra novidade é que no retorno o tempo de visita será reduzido para três horas, das 8h às 11h. Pessoas do grupo de risco serão proibidas de realizar as visitas presenciais. “A preocupação de muitas esposas é que vamos substituir o modelo presencial pelo virtual e já dei garantias de que isso não vai acontecer”, frisou o secretário.
Sobre as críticas de que falta privacidade no momento da visita virtual, o secretário pontua que não faz sentido a reclamação dos familiares. “O preso é conectado em um equipamento que não está no pavilhão, é em outra área. Então, ele é levado por um funcionário até esse local, por medida de segurança. A nossa recomendação é que não é para ninguém prestar atenção na conversa, até porque não nos interessa saber o que estão falando. Na visita presencial, não colocamos um funcionário nosso para ouvir. Isso não é monitorado e nem é gravado, não temos onde armazenar isso. Essa reclamação não tem fundamento prático. Vai ter um funcionário, mas ele não fica ouvindo e nem fica perto”, rebateu.
O coronel Nivaldo Restivo justificou que a SAP já corrigiu falhas no sistema de cadastro e agendamento das visitas virtuais e há canais para dúvidas e reclamações. “A gente sentiu que as dificuldade iniciais são das pessoas sem tanta habilidade no manuseio de telemática. Fizemos uma cartilha, um tutorial e um vídeo explicativo. Lançamos um campo de perguntas frequentes para que as pessoas se orientem. Mas só é permitido agendar quem está no rol de visitas dos custodiados. Se o preso não colocou uma pessoa nessa lista, ela não vai conseguir concluir o processo. Temos trabalhado insistemente para tentar resolver o máximo possível dessas dificuldades que impedem as pessoas de se conectar”.
Ainda sobre a reclamação da falta de higiene e cuidados por causa da Covid-19, o secreterário diz que o próprio preso tem a consciência de que a penitenciária é um ambiente limpo. “Quando vão servir a alimentação, o almoço e a janta deles, eles estão dentro das celas. Tem um preso que tem a função de jogar água e limpar o chão na frente da cela onde serão depositadas as marmitas. Então, assim, o preso tem muito interesse em manter tudo limpo. Com a pandemia, a gente incrementou medidas de higienização ambiental e corporal, com hipoclorito de sódio (composto químico usado frequentemente como desinfetante e alvejante), muitas prefeituras têm cedido material com essa solução para a gente higienizar o ambiente carcerário todo”, diz.
O secretário destaca ainda que com a testagem em massa de populações vulneráveis do governo estadual, desde o dia 15 de junho, as pessoas privadas de liberdade também estão inseridas no plano, quando há surtos recentes nas unidades prisionais.