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Assassinos colecionaram mortes no Rio por 10 anos, em ‘Escritório do Crime’


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Reprodução Procurados.Org

Integrantes do Escritório do Crime, Gago e Mugão, são procurados

Há quase 11 anos, há pelo menos 13 assassinatos em que os integrantes do chamado “Escritório do Crime” são suspeitos de participação. Em dois deles, houve denúncia por parte do Ministério Público, e esses dois assassinatos levaram à prisão de parte do grupo na manhã da última terça-feira (30). 

De acordo com a investigação, esse pode ser o início da solução de muitos outros casos de mortes no Rio de Janeiro há mais de uma década. Os assassinatos de repercussão mundial, de Marielle Franco e Anderson Gomes, em 14 de março de 2018, impulsionam também as investigações. 

O grupo de matadores sempre agiu do mesmo modo, com o uso de armas de guerra e fazendo mortes ‘sob encomenda’, chamando atenção pela brutalidade. A investigação nota que parece haver uma rede de proteção que sempre evitou que se chegasse aos integrantes da quadrilha de assassinos.

Entenda as descobertas sobre o “Escritório do Crime”

Uma das mortes com participação da quadrilha investigada foi ano de 2009.

No dia 28 de janeiro, o pecuarista Rogério Mesquita, de 54 anos, tomava um suco numa lanchonete em Ipanema, na Zona Sul do Rio de Janeiro. Ao meio dia, uma moto preta se aproximou de Rogério, um homem desceu e disparou três vezes contra ele. O assassino fugiu na moto e jamais foi encontrado.

Antes de ser moto, Rogério prestou depoimento na Delegacia de Homicídios e disse que estava sendo ameaçado, que seu nome estava numa lista de sete pessoas marcadas para morrer. Segundo Rogério, todas seriam mortas por um grupo de pistoleiros de Jacarepaguá, que assassinava por encomenda.

Também em 2009, o ex-capitão do Batalhão de Operações Especiais (Bope) Adriano Magalhães da Nóbrega – morto pela polícia na Bahia –  passou a figurar no inquérito como principal suspeito pela morte de Rogério. Em 2008, em Cachoeiras de Macacu (RJ), o carro da família de Rogério havia sido fuzilado, mas a emboscada deu errado.

A investigação diz que Adriano e seu inseparável amigo, o também oficial do Bope e tenente João André Martins Ferreira, já trabalhavam para José Luiz de Barros Lopes (“Zé Personal”). Zé é casado com Shanna Garcia, filha do bicheiro Waldemir Paes Garcia, o “Maninho”.

Personal via Rogério Mesquita e Alcebíades Paes Garcia (“Bid”, irmão de Maninho), como ameaças ao seu controle nos negócios da família.

Nesse nó familiar, segundo os investigadores, o Escritório do Crime acabou sendo usado outra vez, dois anos após a morte de Mesquita. 

No dia 16 de setembro de 2011, dois homens – ainda não identificados – entraram em um centro espírita na Praça Seca e fuzilaram Zé Personal. Outro homem que estava no local acabou morrendo também, Jocimar Soares de Oliveira.

O caso fez a fama entre criminosos do ex-policial militar Antônio Eugênio de Souza Freitas, o “Batoré”. Ele foi expulso da corporação por vender pistolas a traficantes do Morro do Dendê, na Ilha do Governador, e se tornaria um dos mais requisitados matadores de aluguel da cidade.

Ao menos por sete anos, entre 2009 e 2016, o trio – Adriano, João André e Batoré – é suspeito de estar reunido para a prática de assassinatos.

Em 16 de março de 2016, o tenente João, considerado o braço-direito de Adriano, foi morto com vários tiros ao sair de uma padaria na Ilha do Governador, na Zona Norte do Rio.

Dois meses depois, os investigadores disseram ter informações de nova atuação do Escritório, e Batoré figura como um dos principais suspeitos na morte do sargento reformado Geraldo Antônio Pereira, no Recreio dos Bandeirantes, em 17 de maio de 2016.

O grupo de matadores esperou Pereira e outros dois amigos se aproximarem da porta, desembarcaram de um veículo branco parado no estacionamento e atiraram dezenas de disparos de fuzil. 

Ligação com o caso Marielle

Um ex-policial militar, Orlando Oliveira Araújo (“Orlando Curicica”), nesta época trabalhava para Pereira na contravenção e falou sobre o caso em seu depoimento, após ser preso como suspeito pela morte de Marielle. Hoje essa possibilidade é descartada pelos investigadores, mas seu depoimento deu avanço às investigações contra o Escritório do Crime.

“Eu fui chamado pelo jogo do bicho para me avisar que ‘morreu ali’. O cara era meu amigo. Então, eles só queriam que eu entendesse que não tinha guerra, que era pra eu viver a minha vida sem vingança. Sem guerra. Me mostraram o dinheiro que estava seguindo para Delegacia de Homicídios”, falou Orlando aos procuradores do MPF.

Orlando ainda não apresentou provas de suas acusações contra a Delegacia de Homicídios.

Assassinato do presidente da Portela
Na data de 26 de setembro de 2016, um aliado de Pereira acabou executado em mais uma ação da quadrilha. Homens encapuzados, armados com fuzis, entraram no comitê de campanha do então presidente da Portela e candidato a vereador do Rio de Janeiro, o policial reformado Marcos Falcon.

Em junho de 2017, o contraventor Haylton Scafura e a policial militar Franciene Soares de Souza foram mortos em um hotel na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio. A investigação diz que Scafura era o alvo e Franciene estava “no lugar errado, na hora errada”. 

O capitão Adriano, o tenente João e Batoré estão em inquéritos que ao longo de anos foram deixados de lado pela polícia.

Sobre Adriano, o Ministério Público escreveu que havia uma “idolatria” do grupo de assassinos pela figura do ex-policial, que já nesta época era ligado a milicianos de Rio das Pedras, na Zona Oeste do Rio.

Caso Marielle e Anderson deu atenção ao grupo
Cinco meses após o assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, as atenções sobre o Escritório do Crime começaram a mudar.

Em 22 de agosto de 2018, Orlando Curicica prestou depoimento a procuradores da República, no presídio federal de Mossoró, no Rio Grande do Norte. Em seu relato de 19 páginas, ele torna público o Escritório do Crime.

O Escritório significa a reunião de ex-policiais e matadores a serviço de quadrilhas de milicianos e de bicheiros. O grupo se reunia no interior da comunidade de Rio das Pedras para discutir o planejamento de um crime ou antes de assassinar.

Orlando Curicica disse no depoimento:

“Jogo do bicho durante muitos anos, tinha seus matadores, que normalmente eram policiais. Esses matadores passaram a ganhar as áreas, bairros, para que explorassem o jogo de caça-níquel. Então, eles pararam de matar, não matavam mais. E o que aconteceu? Começaram a contratar grupos, terceirizar o serviço. Em vez de ter alguém ligado a mim pra matar pra mim, se eu quero matar eu contrato alguém que não me conhece, que não sabe quem eu sou. Eu vou mandar o dinheiro, ele vai matar a pessoa e acabou. Jogo do bicho passou a fazer isso. Houve 12 assassinatos nos últimos dois anos ligados diretamente ao jogo do bicho, e não tem um bicheiro ou matador de bicheiro preso. Não tem nem sequer algum inquérito que diga que esse homicídio é do bicheiro. Nem isso existe.”

Em outubro de 2018, um denunciante anônimo chegou à Delegacia de Homicídios, na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio e deu informações sobre dois suspeitos de terem planejado e executado meses antes Marielle Franco e Anderson Gomes.

A Polícia Civil e o Ministério Público acreditam ser a trilha correta que levou aos nomes de Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz, presos em 2019. Nenhum deles integrava o Escritório do Crime, segundo investigação. 

O depoimento abriu caminho em diversas investigações que acabaram conduzindo policiais e promotores a algumas das maiores ações já realizadas contra o crime organizado na história do Rio de Janeiro.

Em novembro de 2018, a Polícia Federal e o Ministério Público estadual começaram a apurar uma possível obstrução no caso de Marielle e a trocar informações sobre o Escritório do Crime.

 A morte de Batoré – em junho de 2019, em um confronto com a PM, no Morro do Dendê, na Ilha do Governador – e o mandado de prisão – obtido pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do MP – contra o capitão Adriano fizeram com que o grupo de criminosos mudasse. 

Em fevereiro, o capitão Adriano morreu em confronto com a polícia da Bahia. 

Desde então, um dos integrantes do grupo, Leonardo Gouvêa, o “Mad”, assume a chefia do Escritório do Crime.  

Ao lado do irmão, Leandro, conhecido como “Tonhão”, Mad manteve a estrutura montada por Adriano, que se manteve por uma década sem ser abalada. Na última terça-feira (30), a operação do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do MP-RJ, e da Delegacia de Homicídios, da Polícia Civil prendeu Mad e Tonhão. 

Continuam foragidos outros dois integrantes do grupo: João Luiz da Silva, o “Gago”, e Anderson de Souza Oliveira, o “Mugão”.

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