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“De 3 covas por dia, passei a cavar 15”: a dura realidade de coveiros na Bolívia


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BBC News Brasil

Bolívia
Juan Carlos Torrejón/BBC

José Luis tem dois filhos, e seu maior medo é que eles se infectem com coronavírus por causa de seu trabalho

José Luis tem de lidar com a morte todos os dias.

Ele é coveiro na Bolívia , e está com as costas doloridas por causa da quantidade de trabalho pelas mortes por coronavírus .

Ele mora em Santa Cruz de la Sierra, cidade que é o motor econômico do país e que, de longe, é a mais afetada pela pandemia .

Ele tem dois filhos e seu maior temor é que um deles seja infectado.

Esta é a história que compartilhou com a BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC.


Tenho dois filhos e sou casado. Tenho 28 anos. Moro no bairro de La Cuchilla, perto do cemitério (um dos cemitérios de Santa Cruz).

Minha esposa e meus filhos ficam com minha sogra, que está mais distante do cemitério. Eles quase não têm contato comigo. Eles não estão por perto, mas continuo enviando dinheiro a eles.

Quando essa pandemia começou e chegou à Bolívia, parecia inacreditável para nós. Sou funcionário do cemitério e tomei todas as recomendações que o governo nos deu para nos manter em quarentena.

José Luis no cemitério

Juan Carlos Torrejón
José Luis passou de cavar dois ou três túmulos para 15 ou 16.

No entanto, o dinheiro quase não era mais suficiente, e meus colegas do cemitério me ligaram porque precisavam de pessoal; foi ali que percebi que o vírus era muito mortal.

Foi quando comecei a ver a tristeza dos parentes que perdiam familiares. Era cheio de dor. Aí sim mudou minha vida. Mas era o que eu tinha que fazer para levar o pão para minha família.

Fomos muito afetados por esta pandemia que chegou aqui. Estamos enfrentando o surto mais forte aqui.

Trabalhando no cemitério, antes da quarentena, chegavam um, dois, três, quatro corpos no máximo, para serem enterrados (a cada dia). Quando a pandemia chegou, esse número dobrou ou triplicou. Passei a cavar entre três e 15 sepulturas por dia.

Minha fonte econômica era lidar com os falecidos. A gente se revezava. Agora, depois que o vírus chegou, praticamente tudo mudou. Tenho muito mais trabalho, e tive que trazer meus amigos para ajudar. Poucas pessoas querem correr esse risco.

Eu tenho vários amigos que não têm nem um tostão para levar o pão para casa, então eles preferem correr riscos. Eles ousam por isso.

Quando você vê o vírus na sua cara, tudo muda. Ver a pessoa que estamos enterrando e membros da família que podem estar infectados nos assusta. Mas, devido à necessidade que temos, eu e meus amigos, corremos esse risco. É o risco que podemos assumir. Temos que levar dinheiro para nossa casa. A necessidade nos obriga.

Coveiros cavando

Juan Carlos Torrejón
Os amigos de José Luis ligaram para ele porque já não podiam mais cavar túmulos sozinhos

Eu quero que isso passe logo. Que aparece uma solução rápida, com tantos profissionais no mundo. Espero ver o remédio necessário aparecer para enfrentar esse vírus que está atingindo Santa Cruz com força. Aqui explodiu muito. Os mortos são muitos.

Eu, que estou trabalhando aqui, vejo a dor que os membros da família sentem quando enterram uma pessoa. Eu vejo a dor que eles sentem quando enterram várias pessoas. O pranto. Então, tomo todas as precauções para não sofrer.

Eu vi a dor, o sofrimento de tantas pessoas.

Vi que muitas pessoas não tinham muitos recursos.

Nos primeiros dias, foi difícil. O corpo vai se acostumando, mas, nos primeiros dias, era um trabalho sufocante… mas, com o trabalho constante, nos acostumamos.

Muitos companheiros já não querem mais cavar covas porque não têm mais energia.

Pelos meus filhos, darei tudo. Tudo, tudo. Espero que tenham tudo o que nunca tive … como um pai que esteja a seu lado. Que sempre esteja lá para eles.

Não quero tropeçar, não posso. Por isso quero que essa pandemia acabe.

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Fonte: IG Mundo

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