InícioMULHER"Não sabia mais quem eu era", diz vítima de violência doméstica

“Não sabia mais quem eu era”, diz vítima de violência doméstica


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Os relacionamentos abusivos atingem a mulheres em todo o mundo. Segundo dados da Organização das Nações Unidas, a manipulação, o controle e agressões físicas e psicológicas em um relacionamento afeta milhões de mulheres todos os anos. O relatório de 2019 da ONU Mulheres aponta que 17,8% das mulheres no mundo  relataram ter sofrido violência física ou sexual dos companheiros no ano.

relacionamento abusivo
Freepik/reprodução

Fernanda* demorou 1 ano para poder sair do relacionamento abusivo

Uma dessas histórias é a de Fernanda*, que sofreu agressões em um relacionamento abusivo por mais de dois anos. Ela diz que chegou um ponto em que não se reconhecia mais. “Quando consegui me separar do meu companheiro, não sabia nem qual o meu gosto musical, tive que me redescobrir”, conta.

Como é comum em vários relacionamentos hoje, o namoro começou on-line e foi para a vida real pouco tempo depois. Do homem carinhoso que conheceu, aos poucos ele foi se transformando em alguém abusivo e controlador. “Logo a gente começou a morar perto e depois de uns meses, juntos. Todos os erros eram aquele papo de sempre, que iria mudar. Eu ia relevando”, afirma.

“Quando começamos a morar juntos, as agressões físicas começaram. Estava sem emprego e me senti dependente dele. Aos poucos, as agressões começaram a ficar mais graves e ele sempre pedia desculpa dizendo que nunca mais faria isso”, conta. As agressões eram contínuas, até que a situação chegou ao limite e se tornou intolerável.

“Um dia estávamos nos preparando para ir para um chá de bebê e uma discussão besta começou. Eu que não queria briga falei para irmos logo, para que o conflito parasse ou pausasse, porque era um dia de comemoração. Ali, ele começou a me bater, me jogou no chão e começou a me agredir. Eu fiquei tão machucada que a avó dele, que morava com a gente, implorou para ele me levar no hospital. No caminho até o pronto-socorro ele continuou as agressões e me enforcou no carro”, conta. No hospital o companheiro alegou que ela havia caído e a forçou a sustentar esta versão.

Foi ali que Fernanda* viu que não poderia virar estatística nas vítimas de feminicídio. Para se ter uma ideia da gravidade da situação no país, no ano passado foram registrados 1.314 crimes deste tipo, segundo os dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Este número cresceu durante a pandemia em 22%, conforme mostra relatório da entidade divulgado em 1º de junho. 


Primeiro, ela arranjou um trabalho. Depois, tentou por cinco vezes denunciar nas Delegacias da Mulher em São Paulo, mas não obteve nem um boletim de ocorrência, nem atendimento especializado para o caso. “Na última vez que fui, o escrivão me ridicularizou por não ter as marcas de violência. Todas as vezes caí no choro pois não tinha força para denunciar”, afirma.

Ela esperou mais de 1 ano para conseguir sair do relacionamento. “Encontrei uma brecha e me separei, mas mesmo assim meu ex apareceu no meu trabalho e me ameaçou, assim consegui prestar queixa”, afirma. Para se desvincilhar por completo do relacionamento e conseguir se reerguer psicologicamente, Fernanda* descobriu por uma amiga o Grupo Reinserir, que a ajudou a se reencontrar.

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Hegemonicamente criadas para encontrar o grande amor de sua vida, mulheres se tornam mulheres ensinadas a buscar cuidado e proteção, geralmente atribuídos a um parceiro ou parceira para a vida inteira, alguém em quem você pode confiar e se entregar de olhos fechados. Para as mulheres contemporâneas isso se dá também através do apaixonar-se perdidamente por alguém; quando a química bate, quando rola uma energia em comum, risadas, suspiros e desejos parecem recíprocos. Até a luta contra o capital pode ser a mesma. Acontece que, em algum lugar da rotina, em algum momento entre o ‘boa noite’ antes de dormir e o ‘bom dia’ ao acordar, surge uma lógica de prestação de contas, de corresponder à normalidade conhecida de casais que implica numa experiência quase simbiótica de existência, tornar-se um. Mas pra existir uma relação não é necessário que exista mais de uma pessoa???!? Nesse processo, o controle é normalizado, o ciúme se intensifica, as brigas surgem por motivos aparentemente cada vez mais banais. Investigam-se conversas privadas. Questionam-se likes em redes sociais. Deixa-se de sair, pois o outro não pode ou não quer. Por fim, deixa-se de viver a própria vida. Ao contestar tais comportamentos, as mulheres são comumente empurradas ao lugar da loucura; ‘isso é coisa da sua cabeça’, ‘fantasia sua’, ‘as outras pessoas não achariam isso normal’, ‘quando você faz terapia vc fica empoderada’, ‘essa terapia tá te deixando egoísta’ ou ‘o amor tudo sofre, tudo crê’. São muitas as falas comuns que perpetuam relações violentas. Se você tem se sentido confusa ou confuso com suas relações converse com alguém de confiança. Em caso de agressão, se proteja e procure ajuda. Sua terapeuta também pode ser rede de apoio neste momento. Fale. E se você sabe de alguém que enfrenta uma relação abusiva: META A COLHER. *Relação abusiva é toda e qualquer interação que invada, agrida ou transgrida o seu ser, comum nas relações afetivas e sexuais mas acontece também em amizades e relações familiares.* Pra continuar essa reflexão, sugerimos a música “Triste, louca ou má” da banda Francisco El Hombre. #relaçãoabusiva #relacionamento #amorproprio #psicologia #gruporeinserir

Uma publicação compartilhada por Grupo Reinserir (@gruporeinserir) em 10 de Ago, 2020 às 8:04 PDT


“Em seis meses de atendimento, passei batom pela primeira vez. Redescobri meus gostos e passei a sentir menos medo. Nas primeiras consultas e idas ao grupo, ia correndo com medo de encontrar meu ex. Hoje vivo mais tranquila, mas dois anos depois do relacionamento ainda não confio 100% em ter um novo companheiro”, diz.

O Grupo Reinserir é uma clínica ampliada de psicologia. Fundado pela psicóloga Natália Silva, o grupo busca oferecer atendimento psicológico a valores acessíveis para públicos vulneráveis, como LGBT’s, mulheres e negros. “O Reinserir é uma clínica democrática, acessível, crítica e humanizada. Temos dois anos de projeto e atendemos muitas mulheres como Fernanda*, com demandas sobre relacionamento abusivo”, afirma.

No caso de Fernanda*, que é parecido com milhões de mulheres, o trabalho de Natália é trazer autonomia e autoconhecimento. “Demos a possibilidade de liberdade e de entender o que é de fato dela e o que é do outro – seja expectativas, projeções, frustrações ou desejos, para que ela desenvolva uma relação mais saudável”, aponta.

“Muitas pacientes não sabem o que é um relacionamento abusivo, então nós profissionais da saúde devemos introduzí-las ao assunto e fazê-las reconhecer que estavam nesta situação. Uma forma é passar materiais para que elas reflitam, tanto sobre como a pessoa era antes do relacionamento e como ela é no momento”, diz Natália.

Apesar do espaço físico ser na cidade de São Paulo, no bairro da República, Natália e o Reinserir fazem atendimentos on-line, com possibilidade de atender pessoas em outras cidades e estados. “Embora atendamos muitas mulheres, negros e LGBT’s, a clínica é aberta para nossos serviços de reinserção de pessoas na sociedade e no mercado de trabalho e também terapêuticos”, conta.

Se você está em um relacionamento abusivo ou conhece alguma mulher que está sofrendo agressões físicas ou psicológicas do parceiro ou parceira, ligue 180. A denúncia é anônima.

*A vítima não quis divulgar a identidade.

Fonte: IG Mulher

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