A analista de processos em TI Érica Affarez e o programador Fábio Novaes, ambos de 36 anos, estão em um relacionamento há 15 anos. Se ela pensou que até esse momento já teria conhecido todos os lados da personalidade de seu marido , estava enganada. Segundo ela, nos últimos dois anos, ele passou a frequentar um grupo de conversas sobre masculinidade — e que o resultado não poderia ser melhor.
O grupo Ressignificando Masculinidades foi fundado por um amigo do casal, que o convidou para um encontro em um domingo, em 2018. “Ele voltou da primeira vez super emocionado, vibrante”, conta Érica por telefone ao Delas.
Na época, os encontros aconteciam na casa de um dos membros, porém o que eram sete pessoas acabou se tornaram 40. Isso fez com que os encontros migrassem para o Centro Cultural São Paulo, na capital paulista.
Além dos encontros presenciais, a conversa evoluiu para um grupo de WhatsApp com mais de 200 homens em todo Brasil. Fábio acabou se tornando um dos organizadores.
Além de tratar sobre situações do cotidiano, esses homens se reúnem para conversar sobre suas existências e para trabalhar em suas desconstruções. Temas como masculinidade negra, uso de pornografia, paternidade e até mesmo abuso sexual são abordados.
Segundo Érica, também existem ocasiões em que homens pediam ajuda porque estavam passando necessidades. Ela narra que em um dos encontros, um deles pediu ajuda para comprar um botijão de gás e para encontrar um emprego. “Eles [os participantes do grupo] se mobilizaram para instalar o botijão na casa dele. Depois de um tempo, ele voltou para falar que tinha conseguido se estabilizar e agradeceu”, lembra ela.
Mais do que estar presente e poder falar, Érica viu que presenciar situações como essa e compartilhar esses relatos também fizeram a diferença. “Essas histórias também transformam o Fábio”, diz.
Como um grupo de masculinidade ajudou Fábio
Érica descreve o marido como uma pessoa tranquila e aberta. “Eu nunca tive problemas com abuso no relacionamento nem nada disso”, pontua. “Mas ele é homem. E tinham coisas moldadas nele que tinham detalhes machistas, é impossível passar ileso”, acrescenta.
Antes do grupo, ela percebia que uma das “coisas de homem” que ele mais fazia era guardar as coisas para si. “Às vezes a gente discutia no domingo e ele só falava para mim o que o deixou chateado na terça. Isso me irritava, porque eu já tinha dito tudo e já até tinha esquecido o motivo da briga”, conta.
Érica vê o processo de autoconhecimento e de desconstrução do machismo no parceiro com muito entusiasmo e apoio. “Hoje sinto que conseguimos resolver as coisas ali na hora, sem mágoas e sem guardar rancor”, diz.
Além das mudanças no relacionamento, a analista percebe que Fábio passou a ganhar mais confiança em si mesmo e passou a tomar mais atitudes para se autoconhecer. “Ele foi fazer coisas muito legais, tipo dar palestra em uma escola. Eu nunca na vida imaginei o Fábio fazendo isso. Ele também está fazendo terapia há um ano. Foi bem incrível”, relata.
Por que é preciso falar sobre masculinidade?
Uma pesquisa realizada com 40 mil pessoas pelo Instituto Papo de Homem, em 2019, traçou um perfil sobre a masculinidade no Brasil. Foi constatado que os homens são ensinados desde sempre a não falarem sobre suas emoções e sentimentos.
Segundo o instituto, 7 em cada 10 homens responderam que durante a infância foram educados a não mostrar fragilidade. Como consequência, a pesquisa de aponta que quase 76% dos homens sofrem de algum distúrbio emocional atualmente.
Além disso, outros problemas como a dependência alcoólica e até mesmo o encurtamento de suas vidas podem ser decorrência deste silenciamento, uma das marcas do machismo enraizado.
A pesquisa “Precisamos falar com os homens?”, feita pelo Papo de Homem em parceria com a ONU Mulheres, em 2016, aponta ainda que 7 em cada 10 homens não conversam com seus amigos sobre sentimentos profundos.
“É difícil homem se encontrar com os amigos para sentar e falar de medos, dúvidas e problemas, como as mulheres fazem. Eles até falam de algo cotidiano ou de uma situação que viveu, mas nunca fala de problema”, observa Érica.
Por não serem ensinados a falar sobre seus sentimentos, a própria masculinidade é negligenciada, já que se espera que o comportamento seja um padrão para todos. O resultado aponta que apenas 1 em cada 10 homens falam com suas figuras paternas sobre o significado de ser um homem.
Érica afirma que foi só depois que o marido começou a participar do grupo que ela descobriu que homens também sofrem com pressão de estereótipos e inseguranças, por exemplo.
“A masculinidade é mesmo muito frágil, porque o homem não pode demonstrar nenhum tipo de sensibilidade. Apontam para alguém que gosta de ballet e música clássica, por exemplo, como se fosse gay, como se fosse menos homem”, explica.
Para ela, rodas de conversa sobre masculinidade deveriam ser mais disseminadas para que esse espaço de fala e escuta seja incentivado entre os homens. “É muito importante que existam. Os homens também precisam falar”.