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Marcela Mc Gowan: “Ouvi a palavra clitóris só umas 5 vezes durante a faculdade”

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Marcela Mc Gowan

Marcela Mc Gowan, 32, é ginecologista, ex-participante do Big Brother Brasil  e agora escritora. No livro “Senta que nem moça: Um guia descomplicado sobre sexualidade e prazer” , pela editora Nacional. Marcela reúne histórias da sua prática em consultório (usando nomes fictícios para personagens) para falar de questões como o mito da virgindade , orientação sexual, gênero, autoconhecimento , anatomia e, é claro, prazer sexual

Em entrevista ao iG Delas, a médica conta que foi somente na residência sobre sexualidade humana e terapia sexual pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, que ela compreendeu como a medicina de saúde da mulher fala muito mais sobre diagnóstico.  Responder às dúvidas das mulheres sobre seu corpo, prazer, contraceptivos, entre outros, não têm espaço nem na sala de aula, nem na cultura que faz mulheres sentirem vergonha de perguntar ao profissional de saúde.

“Eu formei em ginecologia e acho que escutei a palavra clitóris, até eu começar minha residência, umas cinco vezes na faculdade. É muito pouco e muito limitado. Isso que tem aula de anatomia! O clitóris na anatomia, clitóris na em alguma prática cirúrgica, sobre como não estragar a enervação, entre outros. Mas muito pouco sobre prazer – muito nada praticamente”, conta. Confira a seguir a entrevista na íntegra com Marcela McGowan.

iG Delas: Quais são as principais dúvidas sobre educação sexual que você recebe no consultório?

Marcela: As duas principais são a dificuldade de orgasmo – uma queixa frequente em mulheres mais novas – e a perda do desejo, que era uma coisa que eu via muito nas mulheres mais velhas ou em relacionamentos mais longos. Era uma das das queixas primordiais no consultório.

iG Delas: Existe uma solução rápida para esses problemas?

Marcela: Eu acho que não é muito sobre dicas simples. Porque o desejo é muito multifatorial. A gente imagina que o desejo vai ser sempre espontâneo, igual no começo de todo o relacionamento ou no começo da nossa vida. A gente se apega nisso. Só que a gente passa desse padrão super espontâneo para uma coisa que você tem que se engajar para acontecer, é natural. Tem estudiosas que falam dessa dança do padrão espontâneo por um padrão responsivo. Ou seja, eu preciso criar um clima, eu preciso ser estimulada de maneiras diferentes para eu ter vontade de transar.

Principalmente em relacionamentos héteros, é um sexo de prazer masculino. Então é óbvio que o homem quer mais do que a mulher na maior parte do tempo, porque eu também ia querer muito algo que me faz ter prazer super-rápido. Se você fosse ficar fazendo em mim alguma coisa que eu gostasse muito durante o tempo que eu precisasse até eu ter o meu prazer, eu também ia querer muito. O problema é que as mulheres negligenciam o prazer delas e a longo prazo se torna uma atividade cansativa, chata porque quase não tem nada em troca.

iG Delas: Por falar de sexo, você sente que existe uma expectativa ou cobrança para que você seja alguém que sempre quer transar ou com muitos diferenciais na hora do prazer?

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Marcela:  Eu acho que sim. Várias vezes eu abro aquela caixinha de perguntas com a minha namorada ou estou ela está na live e alguém pergunta: “como é namorar com essa pessoa?” As pessoas acham que eu me penduro de ponta cabeça, sei lá. Eu acho natural que as pessoas tenham essa ideia, mas é uma coisa que eu também tento desconstruir. Não tenho nada de muito especial. A única coisa que eu tenho é uma descoberta pessoal.

iG Delas: Como foi a sua própria descoberta pessoal?

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Marcela Mc Gowan

Marcela: Eu fui criada como todo mundo, com todas as ideias repressoras sobre o assunto, sobre sem ter onde falar, onde aprender. O meu processo de aprendizado é que eu era muito curiosa. Mas veio muito depois da faculdade mesmo. Foi adulta que eu fui entender, mais ainda depois que eu era estudante de sexualidade. Eu tive muitas barreiras para vencer também, assim como todas as pessoas tem, é normal de quase todo mundo. Acho que com o acesso à Internet isso está mudando um pouquinho. Mas eu só comecei a olhar para mim assim, do tipo: “meu Deus, as pressões que eu vivi”, já com 27 anos.

iG Delas: Marcela, nós acompanhamos a situação do Nego do Borel na Fazenda, e você até fez um vídeo falando sobre consentimento. O quanto a falta de educação sexual contribui para que uma mulher não perceba que está em um relacionamento abusivo?

Marcela:   No imaginário popular, o que é um abuso? Alguém que se pegou no matagal? Ou na rua escura e teve penetração? Isso é um estupro para as pessoas. Ou seja, a violência física propriamente dita. Outras nuances não são do conhecimento e a gente vai normalizando isso. É ensinamento da sociedade patriarcal e que as mulheres devem muitas coisas para eles e sexo é uma das coisas que a gente acha que deve sempre.

Ensinam as mulheres a não se colocarem e não serem assertivas porque senão vão perder, ninguém vai querer ou uma infinidade de coisas que você escuta desde pequena. Isso vai abrindo margem realmente para que as mulheres não identifiquem situações em que elas foram abusadas ou potenciais abusos. E que os homens normalizam. Por exemplo, você vê que não há nenhum desconforto da parte deles de ver uma cena dessa.

iG Delas: Marcela, nós acabamos de sair do mês que aborda a conscientização sobre o câncer ginecológico e entramos no Outubro Rosa para falar do câncer de mama. O quanto o sexo e o auto conhecimento são importantes para promoção da saúde da mulher?

Marcela: Quando a gente fala de sexualidade em geral, estamos falando para além de práticas sexuais. Estamos falando sobre se conhecer, saber sobre o seu corpo. É você ser a pessoa que conhece a tua vida, o teu corpo. Ter essa consciência corporal, esse autoconhecimento passa pela sexualidade e também pela saúde. São dois meses muito importantes que às vezes a gente pede diagnósticos recentes e pede exames porque as pessoas estão tão desconectadas com o corpo, não se tocam, não se olham, não se percebem. Quando isso chega é em uma fase extremamente avançada. É como se a gente terceirizasse a nossa saúde para o profissional de saúde, como se fosse o dono da sua saúde. 

A gente tem o sexo como fator positivo na vida: quando você tem orgasmo, quando tem sexo prazeroso você libera várias substâncias gostosas. Óbvio que tem que procurar ajuda de profissionais e passar para fazer as rotinas. Mas também se conhecer, se empoderar, curtir o seu corpo, saber do seu prazer e ser uma dona de você.

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