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Linguagem neutra: saiba o que é e o que isso tem a ver com inclusão


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Nos últimos anos ativismo e militância LGBTQIAP+ tem avançado cada vez mais no âmbito dos direitos civis. O casamento entre  pessoas do mesmo sexo e o direito ao nome social por pessoas trans  são algumas das conquistas da comunidade.

Dentre diversas outras reivindicações, a linguagem neutra tem sido objeto de discussão nas redes sociais, já que muitas pessoas não entendem seu funcionamento ou sua importância em termos de inclusão. 


pessoa loira bom bandeira lgbt no rosto; ao fundo a bandeira lgbt
Pixabay/SharonMcCutcheon

Linguagem neutra é uma maneira de inclusão também de pessoas que não se identificam com os gêneros binários


Quem participa ativamente da vida nas redes sociais já viu alguma pessoa utilizando “x”, “@” ou “e” para se referir ao coletivo sem necessariamente falar no masculino. Por exemplo: ao invés de escrever “todos”, usa-se “todxs”, “tod@s” ou “todes”. Essas são algumas tentativas para fazer com que mulheres e pessoas LGBTQIAP+ se sintam pertencentes.

A linguagem neutra é também uma forma de se referir às pessoas que não se identificam com os gêneros masculinos ou femininos. Essas pessoas podem se identificar como não-binárias, agêneras, gênero neutro ou gender queer. O grande problema é que, por se tratar de uma modernização da língua muitas pessoas ficam em dúvida de como usar esta linguagem.

“Morei Em São Francisco, nos Estados Unidos, por um tempo. Na hora de voltar para o Brasil eu não consegui explicar para as pessoas o que eu era e o que era essa questão de identidade não-binária”, explica Pri Pertucci, CEO do instituto SSEX BBOX e [DIVERSITY BBOX]. O instituto presta consultoria para empresas que querem tornar seus ambientes de trabalho mais inclusivos e atualmente está elaborando uma carta sobre o uso da linguagem neutra para a Academia Brasileira de Letras.

Segundo Pri, as adaptações para uma linguagem neutra foram vistas como uma necessidade para navegar e sobreviver sem que ile precisasse se anular ou se diminuir para caber em “caixinhas”. O episódio aconteceu há cerca de uma década atrás. 

“Se hoje ainda é difícil falar desse assunto, imagina há 10 anos. Ninguém estava muito aberte* a enxergar outras possibilidades de existência fora da binariedade”, completa. Foi aí que Pertucci percebeu que, tanto no Brasil como no mundo, esse era um debate que precisava avançar. Com a falta de maneiras de falar sobre e com pessoas não-binárias, essa fatia da comunidade era invisível. “É importante a gente saber a maneira correta de falar com essas pessoas porque o que não tem nome não existe”, diz Pri.

Linguagem neutra: modos de usar

Um dos conceitos da linguagem neutra é o de substituir as letras “a” e “o” em adjetivos para tornar essas palavras ainda mais inclusivas. Por isso durante a entrevista, Pri usou o termo “abertes” no lugar de “abertos”. Usar o “e” é a maneira correta, pois é acessível aos deficientes visuais, já que “@” e “x” não conseguem ser lidos por leitores ortográficos utilizados por essas pessoas.

No caso dos pronomes, “ILE” é a forma da  linguagem neutra  para se referir às pessoas que não se identificam com os gêneros masculinos (ele) ou feminino (ela).

Por que o mundo precisa de uma linguagem neutra

Na introdução do Guia Todxs Nós de Linguagem Inclusiva, material usado pela HBO Brasil para a divulgação da série Todxs Nós, a primeira no mundo a apresentar um persoangem não-binário, Pertucci explica que “a comunicação é essencial para estabelecer um ambiente seguro” e que a linguagem é primordial para “ouvir nossas necessidades e as dos outros”.


“Comunicar-se de forma inclusiva significa ter a consciência de que a sociedade e o ambiente de trabalho são compostos por pessoas com diferentes características e identidades. É uma garantia de respeito, valorização e acolhimento da diversidade humana”, diz.

Pertucci acredita ainda que falar de maneira menos polarizada pode ser uma chave para um avanço na civilização. Ao falar com neutralidade, as pessoas poderão ir além e reconhecer que existe um caminho que vai além do “ele” e “ela”. “Só porque você quer ser um e o outro quer ser esse outro, alguém pode ser uma terceira coisa ou algo diferente dessas duas possibilidades existentes?”, indaga.

A linguagem neutra não é uma nova linguagem

Eduardo Calbucci, mestre em Linguística, explica que por mais que cause estranheza no mundo atual, a linguagem neutra não é nenhuma novidade. No latim, a palavra illud dizia respeito ao gênero neutro e estaria em um lugar além do “ela” e “ele”. Segundo ele, esse pronome foi perdido ao longo dos anos e das adaptações da língua.

“A mentalidade binária fez com que o mundo entendesse que se tudo fosse repartido entre masculino e feminino estava tudo certo. A gente sabe hoje que as coisas não são assim”, explica.

Pertucci acredita que esse pronome neutro foi apagado propositalmente. Em sua visão, essa polarização entre o “macho” e “fêmea” coloca seres humanos em posições muito extremas. Assim, é difícil imaginar que possa existir uma pessoa que não seja nenhum dos dois e exista de uma maneira diferente.

“Isso não é uma invenção das pessoas não-binárias, porque nós existimos desde o início dos tempos. Nas tribos indígenas norte-americanas, as pessoas não-binárias trabalhavam com os xamãs e eram chamadas de two spirits , porque transitavam entre gêneros”, explica.

Segundo ile, muitas informações sobre essa população se perdeu durante a colonização. “Ao reviver a linguagem neutra, estamos simplesmente relembrando o que foi apagado e tirado de nós por, talvez, uma intenção de deixar a gente nessa binariedade”, acrescenta.

A linguagem neutra pode se popularizar?

Devido a seu ativismo em defesa do uso da linguagem neutra, Pertucci está acostumade com mensagens de ódio nas redes sociais do SSEX BBOX. “Muitas pessoas acham um absurdo estarmos preocupades com a língua enquanto tem gente passando fome. É verdade, mas tem gente com comida na mesa. Quem já tem essas necessidades básicas atendidas tem como dever avançar nessa discussão”.

Segundo, Calbucci tentar alterar um sistema linguístico é algo totalmente complexo. Ele cita como exemplo a tentativa de criação do Esperanto, um idioma que foi idealizado como uma língua universal mas não teve avanços. “Uma nova linguagem começa dentro de um grupo. Dependendo da força desse grupo, aos poucos isso começa a ultrapassar os limites e a se expandir. Quem vai manter isso são as próprias pessoas”, analisa.

O linguista lembra que existem idiomas que não têm gênero, como o finlandês e o húngaro. Apesar da dificuldade de entender quais rumos essa linguagem neutra tomará, ele não tira a importância da reflexão sobre uma nova maneira de se comunicar e como isso reflete nos comportamentos de toda sociedade. Afinal, se há resistência e críticas, há também muitas pessoas receptivas e com vontade de aprender.

Fonte: IG Mulher

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