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Internada após pedir divórcio: “Disseram pra escolher se ia por bem ou por mal”

Arquivo pessoal

Helena Tavares Lima

Helena Lima, 47, foi internada compulsoriamente pelo marido  Paulo Lima, presidente da Universal Music, em 20 de outubro de 2019 , após dizer que queria o divórcio. Agora  Ministério Público  deve decidir se Paulo será denunciado pelos crimes de sequestro ou cárcere privado, com pena de reclusão de 1 a 8 anos, já que Helena era cônjuge na época do fato e ficou em uma clínica por mais de 15 dias. 

O ex-marido de Helena também é indiciado pelo crime de invasão de dispositivo informático (celular ou computador) de uso alheio, para obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização do dono (neste caso, Helena) ou de instalar vulnerabilidades para obter vantagens ilícitas. A pena deste crime é de 1 a 4 anos mais multa.

Helena foi proibida pela justiça de citar o nome de Paulo Lima nem o cargo que ocupa na Universal Music – público na rede social LinkedIn – nas redes sociais e entrevistas sobre o caso.  Esta é a história de Helena, que em nenhum momento cita o nome de Paulo nem sua posição de presidente dentro da gravadora, contada por ela mesma.

Primeiro namorado, primeira tentativa

“Dia 28 de setembro de 2019 eu pedi o divórcio e essa decisão foi uma decisão tomada ao longo de alguns anos. Eu dizia para o meu psicanalista, o Manoel, que a minha separação ia ser a Terceira Guerra Mundial. Eu falava isso porque ia ser uma separação não apenas do meu ex-marido, mas da minha família e especialmente da minha mãe. Isso estava posto e claro para mim, até porque já havia tido uma primeira tentativa de separar há 17 anos antes. Foi um caos. Foi um ano inteiro muito difícil para mim, que a minha família ficou francamente contra mim.

Eu era bem jovem, tinha 27 anos e enfim, não dei conta de bancar. Eu precisava de ajuda, principalmente financeira. Minha filha tinha 2 anos na ocasião. Sou professora, além de escritora. Naquela época eu trabalhava em escola, então o salário que eu ganhava não dava para pagar um aluguel e eu me lembro de uma ocasião ter pedido ajuda a minha mãe. Eu disse: ‘Mãe, eu tenho R$ 10 para passar a semana com a minha filha. Me ajuda.’ E ela disse: ‘Foi você que escolheu.’ Quando eu ouvi aquilo, eu falei: ‘cara, eu tô fazendo o que não é para fazer’”.

O pedido de divórcio

“Enfim, no dia 28 de setembro eu pedi o divórcio. Foi uma conversa bem difícil. Eu ocupava um lugar de idolatria, posso dizer isso assim, na vida desse homem. Ele sempre dizia publicamente que eu era a melhor mulher do mundo, a ponto de me incomodar. Eu já podia sentir o tanto de opção e de coisas fora das aspas da normalidade. Era essa a minha vida, essa pessoa com quem eu estive e foi essa pessoa com quem eu tive duas filhas. 

Foram três semanas entre o pedido de divórcio e a internação. Três semanas bastante tensas, com algumas ameaças. ‘Você vai ver o que vai acontecer’, Me xingava, me chamava de filha da puta, dizia que eu ia acabar com a vida dele. ‘Você quer que eu morra?’, ele dizia. E eu falei: ‘Eu não quero que você morra, eu quero que você viva. Eu quero viver também.’ Eu não estava em dúvida, eu não estava fragilizada, eu não estava com medo. Eu estava firme da minha decisão. Eu dizia para ele: ‘Cara, isso vai passar, você tem todo o direito de ser feliz, ter alguém ao seu lado, que queira estar ao seu lado’”.

As mudanças de comportamento

“Entre o pedido de divórcio e a internação, eu comecei a namorar o Alexandre. A gente tinha trocado umas mensagens e ele mandou a nossa conversa inicial para o meu e-mail. A gente é do mundo das histórias e a gente queria escrever uma história nossa. O meu ex invadiu a minha conta de e-mail – é um dos crimes que ele está indiciado, porque tudo começou ali. Ele leu as conversas e era uma conversa enorme. 

O Alexandre além de escritor, ele é humorista. No discurso dele, ele fez a beleza de me chamar de ‘minha pomba gira das profundezas abissais’. Eu ri e falei?: ‘Que lindo, adorei esse apelido’. Para mim era como se fosse ‘minha princesa, minha rainha’, mas totalmente original. Então ele mandava um monte de carinha de demônio, de capetinha assim para mim, daqui a pouco ele mandava um anjinho. Só que é esse teor da conversa absolutamente distorcido e que ensejou toda a movimentação”.

“Teve uma parte da conversa que a gente combinava de assistir um culto em uma igreja evangélica em Del Castilho que é a sede (da igreja Universal). Marcamos de encontrar na Central do Brasil e fomos a esse culto. Eu falava: ‘Alexandre, a gente vai passar ali onde tem a Cracolândia’ e ele respondia: ‘É, a gente vai passar em cima da passarela, em cima da Cracolândia’.

Isso lido que eu ia fumar crack, que eu estava indo para a Avenida Brasil, que eu era louca. Foi lido como preconceito, todos que pode imaginar: social por causa de onde eu estava indo, religioso porque ia ver o culto da igreja evangélica. Estava doida porque agora ia ser evangélica, ia fumar pedra na cracolândia. Fora o conteúdo sexual. Dois namorados conversando, a gente falando um monte de sacanagem um para o outro”.

Reunião familiar surpresa

“Quarta-feira à noite eu tinha saído do trabalho e fui com o Alexandre comer uma pizza e beber uma caipirinha ali na Urca, onde é a editora e perto de onde eu morava. Vem um WhatsApp do meu ex no meu telefone dizendo assim: ‘Corre para sua casa que deu uma confusão na sua família. Sua mãe está aqui.’ Minha mãe mora em Araras. Eu levei o maior susto, minha mãe tá na minha casa, quarta-feira, à meia-noite e ela estava aqui junto com a minha irmã.

Cheguei lá, tinha um tribunal montado. Era o meu ex, a minha mãe, a minha irmã. Ele pegou o celular dele e primeiro ele disse: ‘Conta para sua mãe o que está acontecendo?’ Eu falei: ‘Contar o que? Da separação? Não tem nada pra contar a não ser que é isso.’ Mas ele: ‘Conta quem é Alexandre Barreto.’ Aí eu falei: ‘Eu não tenho nada para falar sobre o Alexandre, pelo menos aqui pra vocês’. ‘Ah não tem, não? Então pode deixar que eu digo.’ Ele pegou o celular e começou a ler essas conversas que eu contei, só que trechos dela pinçados. Montou uma narrativa, eu ouvindo aquilo assim sem acreditar. Eu olhando para minha mãe comprando absolutamente o discurso”. 

O dia antes internação

“Sábado, véspera da internação, teve um evento literário na minha editora organizado por mim. Foi um evento público e muitas pessoas passaram por lá.  Foi um evento de dia todo, terminou por volta das 21h. Ficamos alguns poucos ali na editora – eu, o Alexandre, as minhas secretária na ocasião. 

A minha filha mais velha tinha saído e a minha filha de 14 anos estava em casa e o combinado era que ela ia jantar com o pai. Eu liguei para casa e ela: ‘Oi. Tá tudo bem. Eu tô aqui, o meu pai saiu.’ Eu falei: ‘você não saiu com ele?’ ‘Não, eu não sei onde ele foi, mas eu tô aqui.’  Eu falei, ‘Ah, eu vou comer ainda porque eu tô aqui’. Terminamos tudo, fui para o Cervantes com o Alexandre. Estou lá comendo e começa a entrar mensagem no celular dos meus irmãos, a minha mãe me ligou. Então liga a minha filha: ‘Mãe, eu não estou entendendo, eu tô em casa, tá todo mundo me ligando. O tio X, já me ligou, eu não sei quem já me ligou, minha vó me ligou, estão perguntando se eu estou bem.’ Eu nem acabei de comer, fiquei angustiada e fui para casa correndo e a menina estava ótima, né? Tava cansada de ficar sozinha, não estava abandonada. Aí ficamos um pouco juntas e fomos dormir”.

O dia da internação

“No domingo, que foi o dia fatídico, a programação era que a minha filha mais velha tinha os programas dela, a menor tinha um trabalho para fazer na casa de uns amigos e eu ia almoçar com o Alexandre – a gente tinha marcado às 14h, só que antes eu ia deixar a minha filha já alimentada na casa dos amigos. Estava tudo combinado, daqui a pouco ela fala: ‘Mãe, o meu pai está vindo me buscar para a gente ir ali na feira.’ Eu já estava pronta para sair. Eu falei: ‘Você vai comer pastel na feira? Tem que almoçar porque você tem que chegar almoçada no trabalho.’ Então ela fala: ‘Não, o meu pai disse que agora tem na feira um que é tipo um Espoleto e ele vai me levar’. Eu falei que tudo bem, ‘já estou pronta, vai lá com ele, come e estou aqui te esperando. Quando você chegar, a gente já sai’. 

Fiquei em casa sozinha. Eu fiquei no meu quarto e absolutamente sozinha em casa. Eu estou escrevendo e quando eu olho para o corredor – o meu quarto era o último cômodo da casa -, vem essa mulher e dois caras enormes, um de cada lado. Ela entrou no meu quarto com esses dois caras, virou pra mim sem mais nem menos e disse: ‘Oi, Helena. A gente está aqui pra te internar em uma clínica psiquiátrica, e você escolhe se quer ir por bem ou por mal’”. 


Você viu?

“Eu cheguei com a cadeira para trás, os caras já vieram um para cada lado. Quando eu vi aquilo, eu falei: ‘Ninguém encosta a mão em mim. Eu já entendi o que está acontecendo aqui. Eu perdi, só que ninguém encosta a mão em mim’. Eles baixaram os braços. A ambulância estava na porta. Eu levantei, eles me levaram e meu ex-marido surgiu nesse momento.

Era um domingo e o prédio não tem porteiro, tem várias trancas. Então ele que foi abrindo tudo e depois ele foi abrindo de volta para todo mundo sair. Não disse nada. Eu só olhei para ele, ele virou pra mim e falou: ‘Não me olha assim, não. Sua filha mais nova está assistindo tudo.’ Minha filha mais nova estava na feira, desaparecida. Ele usou aquilo para tirar ela de casa e eu não sabia onde ela estava”.

O caminho

“Eu fui conversando com o acompanhante. Eu contei pra ele a minha história e falei: ‘Cara, eu só tô tentando me separar. Não tem nada. Eu arrumei um namorado…’. Ele me ouviu e falou assim: ‘Eu estou vendo que você não está em surto. Às vezes isso é muito comum, a família inteira está doente e escolhe um para pagar o pato.’ Foi o que ele me disse e é exatamente isso que ele disse em depoimento”.

Clínica Clif

“Eu fui internada sem laudo, sem um pedido médico. Está no relatório da internação. Fiquei 21 dias incomunicável, não tinha acesso a telefone. Lá na clínica, para ter acesso ao telefone, você precisa de uma autorização do psiquiatra que está te acompanhando.

Todos têm um psiquiatra responsável e o meu ex-marido contratou um psiquiatra para me acompanhar. Esse cara ganhava, segundo o relatório, R$ 1 mil por dia por sessão – e ele ia todos os dias conversar comigo. E a clínica custava R$ 970 a diária. Quando eu descobri isso, eu falei: Vou morrer aqui dentro porque está todo mundo fazendo a poupança que às minhas custas”.

Pedido de socorro

“Com quinze dias eu consegui entregar uma carta para uma pessoa lá de dentro que se ofereceu para levar para o Alexandre. Essa pessoa era acompanhante de uma adolescente que estava ali internada e ela falou: ‘Eu vou na casa dele e eu levo para você.’ Eu escrevi uma carta de 8 páginas dizendo onde eu estava, o que tinha acontecido comigo, que eu estava pronta para ir almoçar com ele e aconteceu isso. Nessa carta eu pedi ajuda, pedi que ele procurasse o Manoel, meu psicanalista, e que ele procurasse uma amiga minha que é juíza”.

Habeas corpus

“Ele procurou tanto o Manoel quanto essa amiga. O Manoel escreveu um laudo sobre a minha sanidade o tempo todo que ele me acompanhava. O Alexandre e os meus amigos juntaram esse laudo, a carta pedido de socorro. Uma advogada que se propôs ficar à frente disso fez um uma espécie de um dossiê contando a minha história de escritora, falando do meu trabalho, meus livros. Juntaram esse material todo, pegaram cartas e amigos também que estiveram comigo no evento que foi na véspera, pegaram esse material todo, foram para o plantão judiciário e conseguiram um habeas corpus. 

Eu fui solta com um habeas corpus no 21º dia, à noite. Dia 10 de novembro de 2019. Eu saí por volta das 21h30, com escolta policial, a família de um lado e os meus amigos do outro. O medo dos meus amigos era que eles me dopassem, me medicassem e dissessem: ‘Olha, ela está apagada, não tem condições dela sair’, mas a oficial de justiça chegou 20 minutos antes do horário da medicação à noite. Eles me davam para dormir. Era a única medicação que eu tomava, mas era um uma bomba que me apagava”.

Questão de justiça

“A gente não tem aqui uma situação onde o que está sendo posto são questões morais. A gente tem uma questão judicial. A gente tem uma acusação de sequestro e cárcere. Independente do que eles pensam, se eu sou livre, se eu sou mentirosa, se eu falo a verdade, se eu sou gente boa, se eu sou esquisita, se eu escrevo conto erótico, se eu escrevo para criança, se eu sou maravilhosa, se eu sou boa esposa, se eu sou uma piranha, nada disso vem ao caso porque o debate não é moral. O debate é jurídico. Há uma acusação de uma internação involuntária de uma pessoa que não tinha transtorno psiquiátrico, que não teve um surto, não tem laudo e  tem seis indiciados. 

É uma fala que encerra o debate: a mim não importa o que eles pensam sobre mim, eles podem pensar o que eles quiserem. Você, a sua chefe, o meu namorado, os meus amigos… A gente tem uma questão judicial de uma uma ação que se estabeleceu até agora com um uma sentença de habeas corpus. É isso que está em debate. A mulher apanhou e ela tem uma marca ou ela tem um vídeo, ela tem uma prova, encerrou o debate. A questão da saúde mental é sério. É um buraco sem fundo, é um terreno movediço e é cruel”.

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