O governo federal quer sensibilizar os produtores rurais para fechar o cerco às instituições financeiras que praticam a chamada venda casada. Os ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e da Justiça e Segurança Pública lançaram hoje (20) uma plataforma para a realização de denúncias anônimas sobre a prática.
A venda casada ocorre quando a instituição financeira condiciona a liberação do crédito à aquisição de outros produtos financeiros, como títulos de capitalização, consórcios e seguros de vida, entre outros e que são estranhos à atividade financiada. A prática é proibida pelo Código de Defesa do Consumidor.
Atualmente, o governo disponibiliza a plataforma consumidor.gov.br como referência para denúncia de práticas abusivas ou lesivas ao consumidor. A diferença é que a plataforma lançada nesta segunda-feira é voltada para os produtores rurais e permite que a reclamação seja feita de maneira anônima.
Segundo o secretário adjunto de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, José Angelo Mazzillo, com a plataforma, o combate à venda casada será feito de forma coordenada com a pasta da Justiça. “Há uma discrepância” entre o diagnóstico dos bancos e os produtores rurais sobre o problema e, para solucionar definitivamente a questão, é necessário que estes façam a reclamação, disse Mazzillo. “Para resolver isso, estamos lançando hoje a plataforma de reclamação anônima, onde é resguardada de forma absoluta o sigilo do reclamante”, reforçou.
Na videoconferência em que foi lançada a plataforma, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, disse que práticas como a da venda casada muitas vezes inviabilizam o esforço do governo federal para subvencionar os juros para os produtores rurais. “Muitas vezes, o produtor rural chegava para a gente e dizia que [a compra casada] praticamente dobrava a taxa de juros subvencionada pelo governo federal para os custeios e investimentos agropecuários. Então, essa prática precisa ser coibida”, afirmou.
De acordo com o Ministério da Agricultura, a iniciativa tem apoio de diversas entidades, como a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), a Central Regional das Organizações da Agricultura Familiar (Ceaf), a Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras da Agricultura Familiar do Brasil (Confetraf), a Confederação Nacional dos Trabalhadores Trabalhadoras na Agricultura Familiar do Brasil (Contraf Brasil) e a Confederação Nacional da Agricultura Familiar do Brasil (Conaf).
Para o coordenador-geral da Contraf, Marcos Rochinski, a plataforma é uma iniciativa importante, sobretudo para os agricultores familiares. Rochinski disse que os agricultores acabaram se acostumando com a venda casada e, por isso, quase não reclamam mais do procedimento. “A prática é tão recorrente que o nosso povo até se acostumou com ela. Talvez pelo fato de ter se acostumado, não tem tanta iniciativa de fazer denúncias. Eu mesmo passei por essas situações.”
Na videoconferência sobre o problema, Mazillo informou que são contratadas anualmente cerca de 2 milhões de operações de crédito rural oficial, que é subvencionado pelo governo. “Por ano, são R$ 10 bilhões que são direcionados à subvenção da taxa de juros e que precisam ser utilizados exclusivamente para isso, e não para cumprimento de meta de gerente de instituição financeira”, criticou.
O presidente da CNA, João Martins lembrou que a confederação lançou uma plataforma semelhante para denúncias anônimas, há cerca de nove meses. Nesse período, a plataforma registrou que os títulos de capitalização aparecem como os produtos mais oferecidos como exigência para obtenção do crédito, com 53% das reclamações do produtores. Em seguida, vêm os consórcios e aplicações financeiras, com 25% das reclamações. Os certificados de depósito bancário (CDBs) são responsáveis por 21,4% das reclamações e os seguros de vida, por 14,3%.
“Fizemos uma plataforma também de denúncia de venda casada e acho que, com esse lançamento da plataforma do ministério, podemos fazer um mutirão para tirar essa chaga que os bancos impõem aos produtores rurais”, afirmou Martins.
Segundo a CNA, a taxa de juros para o crédito agrícola pode sair de 4% para até 12,55% ao ano, com a inclusão de outros custos no empréstimo, entre eles o da venda casada. “Os bancos imporem, principalmente aos pequenos produtores, que eles têm que fazer compra de plano de saúde, até de emplacamento de veículo, plano odontológico, isso não pode mais existir.”
O diretor de autorregulação da Febraban, Amaury Oliva, disse que a instituição não concorda com a prática e que lançar uma campanha para informar o consumidor sobre a venda casada. “Estamos discutindo uma agenda para prevenir e mitigar reclamações que envolvam a venda casada no financiamento do agro”, disse.
Edição: Nádia Franco