A Secretaria da Fazendo e Planejamento do Governo de São Paulo publicou as novas regras da isenção de IPVA para veículos registrados em nome de pessoas com deficiência . A nova legislação gerou discussões e polêmicas, sendo vista por especialista da área de inclusão como um ato discriminatório, já que ela estabelece condições distintas para pessoas com diferentes tipos de deficiência.
Para entender o motivo deste tratamento diferenciado entre as pessoas com deficiência, a Promotoria de Justiça de Direitos Humanos de São Paulo instaurou um inquérito civil para apurar eventual ação discriminatória. Segundo nota divulgada pela comunicação do Ministério Público de São Paulo, o promotor Wilson Tafner aponta que “as normas restritivas criaram uma discriminação inconstitucional entre as pessoas com deficiência”. Resta saber se o Ministério Público se dará por satisfeito com as regras divulgadas ou continuará cobrando explicações. A história começou em 15 de outubro, quando as pessoas com deficiência do Estado de São Paulo foram surpreendidas com o decreto 17.293/2020, alterando a lei estadual 13.296/2008 que concedia isenção de IPVA para veículos registrados em nome de pessoas com deficiência, sendo elas condutoras ou não de seu próprio veículo. A única restrição estava no valor do carro, que não podia ultrapassar os R$ 70 mil.
O texto inicial da nova legislação deixava dúvidas sobre a isenção de IPVA para não condutores, como por exemplo, carros comprados em nome de crianças com deficiência. As regras divulgadas essa semana deixam claro que: pais e responsáveis legais que comprem carro em nome de pessoas com Trissomia do Cromossomo 21 (síndrome de Down), Transtorno do Espectro do Autismo, cegos e pessoas com deficiência intelectual ou física severa, por exemplo – que clinicamente sejam incapazes de dirigir um veículo – terão direito à isenção . As pessoas com deficiência, que optarem por não tirar sua carteira de habilitação, terão que pagar o IPVA para exercer o seu direito de escolha! Já para os motoristas com deficiência, ficou estabelecido que apenas as pessoas que obrigatoriamente precisem de adaptações veiculares ficarão isentos do pagamento de IPVA. Na prática, uma pessoa amputada da perna esquerda, por exemplo, que precisa apenas de câmbio automático e nenhuma adaptação extra, terá que recolher o imposto. Já uma pessoa amputada da perna direita, que precisa de uma adaptação chamada de inversão de pedais (que é a instalação de um pedal de acelerador do lado esquerdo), ficará isenta do pagamento de IPVA. Em outras palavras: o direito ao benefício vai depender de qual perna foi amputada! Este é apenas um dos exemplos claros de ato discriminatório. A justificativa do governo paulista para a mudança na legislação é coibir as fraudes e equilibrar as contas públicas, que foram afetadas pela pandemia.
No site da Secretaria da Fazenda o texto com as novas regras destaca que ” nos últimos quatro anos o número de veículos com isenção cresceu de 138 mil para 351 mil, um aumento de mais de 150% “. O texto continua dizendo ” que o aumento exponencial no número de isenções, comparado ao levantamento da Secretaria da Pessoa com Deficiência – que mostra que a população com deficiência no Estado cresceu apenas 2,1% – evidencia que receberam isenções pessoas que não necessitavam, se aproveitando das regras então vigentes “. Porém, a justificativa não convenceu, já que o governo do Estado esqueceu de mencionar que este aumento se deu por mudanças nos critérios que concedem o benefício, incluindo pessoas que antes não tinham direito à isenção e agora tem.Para citar alguns exemplos, vale destacar que pessoas com hérnia de disco ou LER, entre dezenas de outras doenças e patologias, foram inseridas no mesmo benefício que era, antes, concedido apenas às pessoas com deficiência.
Não se resolve um problema criando outro. As pessoas com deficiência não podem (por direito garantido na Constituição Brasileira) serem classificadas e diferenciadas entre sim. Ou uma amputação da perna esquerda representa uma perda de mobilidade menor do que uma amputação de perna direita? A mudança na legislação é cruel e discriminatória. As pessoas com deficiência se viram, de um dia para o outro, com uma nova conta para pagar já nas próximas semanas. E essa conta ultrapassa os R$ 2 mil.
Parece que o Governo se apegou a alguns números e esqueceu outros que são ainda mais importantes, como o fato de que apenas 1% da população com deficiência no Brasil tem trabalho com carteira assinada – já que o preconceito e a falta de acessibilidade se transformam em falta de oportunidades. Parece também, que ele esqueceu de considerar que quase 70% das pessoas com deficiência no país têm idade igual ou superior a 65 anos. É este o presente de Natal para os idosos que já fizeram sua parte na contribuição para o Estado!
A pandemia afetou os cofres públicos, mas também arrasou o orçamento familiar. Enquanto muitos tiveram que recorrer a trabalhos temporários em aplicativos de transporte ou entregas, as pessoas com deficiência ficaram em casa, sobrevivendo com auxílio emergencial, já que elas não têm o direito de exercer estas atividades.
Enquanto isso, a prefeitura de São Paulo deve fechar o ano com cerca de R$ 3,1 bilhões de subsídio às empresas de transporte público da capital.
As pessoas com deficiência têm plenas condições de utilizar o transporte público? Se a resposta for não, devemos entender que a isenção de impostos não é um simples benefício, mas uma compensação pela falta de capacidade do estado em oferecer um serviço adequado. As pessoas com deficiência não têm o direito de utilizar seu veículo (comprado com isenção) para exercer atividades remuneradas, ao contrário das empresas de transporte público coletivo, que todos os anos faturam milhões pela prestação do serviço. Além de taxistas, embaixadas e consulados, sabe quem mais não paga IPVA? Ônibus e micro ônibus utilizados no transporte público. E assim vamos… seguindo na contramão!
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