A relação entre o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente da República, Jair Bolsonaro, está cada vez mais abalada. Bolsonaro quer apostar em programas sociais, aumentando o gasto público. Guedes, por sua vez, vai no sentido contrário e propõe o exugamento das despesas. Apesar dos atritos cada vez mais frequentes, Guedes se mantém no cargo: não é demitido por Bolsonaro e nem pede para sair.
Segundo avalia o economista e doutor em história econômica pela Universidade de São Paulo, Adalton Diniz, há duas principais explicações para que Guedes continue no governo, apesar de cada vez mais isolado.
Guedes tem apego ao cargo
O primeiro motivo para a permanência incômoda de Guedes teria a ver com as personalidades do ministro e do presidente. “Guedes tem apego ao cargo e não quer sair. Ele tinha um certo ‘recalque’ de nunca ter sido convidado para nenhum cargo, apesar de ser um cara formado em Chicago”, afirma Diniz.
Além disso, Guedes parecia ter interesse em um cargo público. “Na década de 1980 ele chegou a participar de debates públicos. Então, a impressão que dá é que ele tinha interesse em participar do governo”, analisa Diniz.
Para o especialista, os fatos recentes mostram que Guedes não quer largar o cargo.
Na terça (15), Bolsonaro disse que quem criou a proposta de congelamento de aposentadorias merecia “cartão vermelho”. O comentário soou como uma ameaça direcionada a Guedes. Mas nesta quarta (16), o ministro se desviou da indireta e quis a demissão de seu secretário Waldery Rodrigues, que vazou a informação do congelamento para a imprensa.
“Guedes colocou seu braço direito na fogueira. Se ele tivesse menos apego ao cargo, teria proposto sair do ministério junto com Walderly, já que o assessor é seu ‘homem de confiança'”, explica Diniz.
Bolsonaro não demite ministros
Enquanto isso, Bolsonaro tem um modo de governar no qual ele prefere não demitir ministros. “É o estilo do Bolsonaro, assim como ele fez com o Moro. Ele não quer demitir, quer que o ministro peça demissão. Bolsonaro deve estar desejando que o Guedes peça para sair.”
De acordo com a visão do especialista, essa é a maneira como Bolsonaro minimiza a crise em seu governo, não tomando para si a decisão sobre demissões.
Demitir os ministros poderia demonstrar que Bolsonaro fez más escolhas na composição de seu governo, enfraquecendo sua credibilidade.
Quem substituiria Guedes?
O segundo motivo que o especialista aponta sobre a continuidade de Guedes no governo seria que Bolsonaro não tem outro nome para substituí-lo.
Seria difícil achar algum economista que agrade Bolsonaro – que proponha e aceite projetos de mais gasto social – e que ao mesmo tempo pareça bom ao mercado financeiro.
“Bolsonaro não tem um nome melhor. O governo tem sido tomado por generais, até no ministério da Saúde, e Bolsonaro pode até pensar nisso. Mas não sei se funciona na Economia, seria uma novidade no Brasil. Eu não vejo nenhum economista de peso para ocupar o cargo do Guedes”, afirma Diniz.
Rogério Marinho, ministro do Desenvolvimento Regional, é um economista querido por Bolsonaro, já que ele faz parte de uma ala pró-gasto.
“Marinho está muito vinculado a imagem desenvolvimentista, ligado aos militares, isso é um problema para o mercado. Não sei dentro do setor empresarial qual seria a aceitação de Marinho como ministro da Economia. E a impressão que eu tenho é que Bolsonaro gostaria de um nome de maior peso”, analisa Diniz.
Embate: popularidade x corte de gastos
O especialista lembra que Guedes foi escolhido como ministro na campanha presidencial de 2018 por ser um ultra liberal, rompendo com a ideia intervencionista na economia pela qual os militares são conhecidos.
Naquela época, Guedes seria um “cartão de visitas” para empresários e para o mercado financeiro, que gostam de que o ministro da Economia seja um liberal. Isso porque a ideia de cortar gastos públicos no Brasil é importante para o mercado.
“Agora, o Guedes não tem mais utilidade para o Bolsonaro. Aquela grife que ele representava, para romper a resistência dos empresários, já não tem mais função”, diz Diniz.
“Mas, com o auxílio emergencial, Bolsonaro entendeu que a política de austeridade (de corte de gastos sociais) não é boa para sua popularidade e para reeleição em 2022. E ele já está de olho nisso”, avalia.
O doutor em história econômica aponta que Guedes não entregou nada que prometeu e não consegue fechar a proposta do Renda Brasil, o novo Bolsa Família que Bolsonaro espera.
Nesta quarta (16), Bolsonaro conversou com senadores para abrir espaço no Orçamento e incluir sua proposta social nos gastos públicos, contornando Guedes. Mas, por conta do jogo político entre o presidente e o ministro, ele permanece no cargo, apesar do clima ruim.