Este ano, em decorrência da atual crise sanitária, a 53ª edição do FBCB ocorre de terça (15) a domingo (20), com exibição pelo Canal Brasil e pela plataforma de streaming Play Brasil. Mesmo não podendo ser acompanhado pessoalmente, em tempo real, pelo público, o evento está garantido. Mas já houve tempos em que esteve ameaçado.
Resultado das mesmas ideias efervescentes e modernistas que deram origem à própria cidade de Brasília e aos “cantinhos” do saber, como a Universidade de Brasília (UnB), ninho da mostra mais antiga do país, o FBCB, ao longo de tantos anos, se tornou vigoroso palco de resistência contra a censura e a luta pela sobrevivência do cinema brasileiro.
Em 2005, após subir ao palco do Cine Brasília com equipe e tudo para apresentar O Veneno da Madrugada, que concorria na Mostra Competitiva do 38º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro (FBCB), o veterano cineasta luso-brasileiro Ruy Guerra – um dos baluartes do movimento Cinema Novo – foi categórico ao resumir, em uma frase, a importância do evento: “É um espaço de liberdade que temos a obrigação de preservar”.
Ao menos três episódios ilustram a condição de bravo guerreiro do festival diante da “opressão do sistema”, para citar uma expressão do cineasta baiano Glauber Rocha. Um deles, com sequelas traumáticas para realizadores, público e classe artística, foi o cancelamento do encontro por três longos anos, a partir de 1971, ano da sétima edição do festival. O pivô desse episódio dramático seria o documentário O País de São Saruê, de Vladimir Carvalho, arrancado da competição.
Sem espaço
“Os anos de 1969, 1970 e 1971 foram complicadíssimos por causa do recrudescimento da censura, e um festival que era uma tribuna da liberdade de expressão e manifestação ficou sem espaço”, analisa a jornalista e pesquisadora Maria do Rosário Caetano, autora do livro Festival de Brasília 40 Anos – A Hora e a Vez do Filme Brasileiro.
Em Brasília desde 1969, quando participou do festival com o curta A Bolandeira, Vladimir Carvalho sentiu na pele o peso da mão da censura com a retirada de seu primeiro longa-metragem da competição. “Comecei a fazer esse filme em 1966 e procurava recompor um cenário que, de certa forma, ainda existe, que são as relações de classe”, contaria, anos depois. “Bom, fazia poucos anos do AI-5, as pessoas vaiaram perigosamente, houve quebra-pau fora no cinema, com gente atirando bolinha de gude nas autoridades e tudo o mais”.
Pelé vaiado
Com texto do dramaturgo Plínio Marcos e elenco no qual se destacava Jô Soares, o drama Nenê Bandalho, dirigido por Emílio Fontana, seria outra vítima da censura. Na trama, as memórias delinquentes de um serial killer indignado com as injustiças sociais.
À época um jovem de 15 anos com visão, como ele mesmo admite, ingênua da vida, o hoje professor e crítico de cinema Sérgio Moriconi presenciaria uma cena de pitoresca: o dia em que Pelé foi esmagadoramente “vaiado” por uma plateia de 1,2 mil pessoas. A cena aconteceu no extinto Cine Atlântida, durante a exibição do documentário Brasil, Bom de Bola, de Carlos Niemeyer, filme escolhido para substituir O País de São Saruê.
“O lugar estava cheíssimo”, rememora Sérgio. “O filme, a maioria com jogadas do Pelé contra seleções maravilhosas, como a da Copa de 70, era quase uma ode ao rei, e, de repente, o cinema inteiro veio abaixo numa vaia monumental. Fiquei impressionado e pensava: ‘ué, porque estão vaiando o Pelé’? Só depois fui entender que aquela plateia lotou o Cine Atlântida para se posicionar contra a censura do filme do Vladimir e do Nenê Bandalho.”
* Com informações da Secec