A doença de Parkinson é um mal degenerativo do sistema nervoso central, crônico e progressivo. É causada pela degeneração das células da chamada substância negra, região do cérebro cujas células produzem a dopamina, responsável pela condução das correntes nervosas para o corpo. A redução ou a ausência de dopamina afeta os movimentos e causa os sintomas, como tremores, lentidão, rigidez muscular, alterações na fala e na escrita.
“Até o momento, fármacos utilizados para impedir a progressão da doença com ação neuroprotetora são pouco estudados e não utilizados no tratamento”Márcia Renata Mortari, coordenadora da pesquisa
No Brasil, pouco mais de 200 mil pessoas convivem com o problema, de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). Foi pensando em pacientes com essa realidade, que procuram atendimento no Sistema Único de Saúde (SUS), que a pesquisadora Márcia Renata Mortari, da Universidade de Brasília (UnB), desenvolveu pesquisa para aprimorar métodos de diagnóstico e avaliar a segurança de novos medicamentos para controle da doença.
O estudo foi realizado com fomento da Fundação de Apoio à Pesquisa e Inovação do Distrito Federal (FAPDF), a partir de chamada do Programa de Pesquisa para o SUS: Gestão Compartilhada em Saúde, cujo objetivo é apoiar projetos de pesquisa científica, tecnológica e de inovação que promovam a formação e a melhoria da qualidade da atenção à saúde no Distrito Federal, no contexto do Sistema Único de Saúde (SUS).
Medicamentos
Um dos objetivos da pesquisa foi testar a segurança de fórmulas produzidas a partir do peptídeo neuroprotetor Neurovespina, composto desenhado a partir do protótipo identificado na peçonha de vespas sociais. De acordo com a estudiosa, há uma ausência de remédios disponíveis capazes de reduzir ou impedir a evolução do mal. “Até o momento, fármacos utilizados para impedir a progressão da doença com ação neuroprotetora são pouco estudados e não utilizados no tratamento”, afirma Márcia Mortari.
Ela explica que os peptídeos bioativos têm sido excelentes candidatos ao desenvolvimento de novos medicamentos, devido a algumas características da sua atividade biológica, como alta especificidade, potência, baixa toxicidade e diversidades química e biológica. “A otimização de peptídeos tem sido muito empregada com o intuito de minimizar problemas inerentes ao composto e viabilizar o uso dessas moléculas como fármacos.”
Os resultados do projeto indicaram que a forma injetável da Neurovespina, em doses de 7 e 4 mg/kg, foi capaz de reduzir a descoordenação motora e mostrou ação neuroprotetora de neurônios produtores de dopamina na substância negra do cérebro (substantia nigra).
A pesquisa também buscou aprimorar escalas internacionais de avaliação de sintomas não motores para aplicabilidade na avaliação e diagnóstico de pacientes no SUSMárcia Renata Mortari, coordenadora da pesquisa
“Esse estudo tem revelado que a Neurovespina é um fármaco promissor, capaz de prevenir a progressão da doença e perda neuronal. Além disso, foi realizada a produção de duas novas formulações, para a administração intranasal”, afirma Márcia Mortari.
A cientista destaca, ainda, que a Neurovespina teve todo o seu perfil de segurança farmacológica avaliado em roedores e primatas, tendo sido bem tolerada sem geração de efeitos adversos. Ela ressalta as vantagens do uso da substância, como alta potência, excelente seletividade, baixa toxicidade química e imunogenicidade.
Escalas para diagnóstico
Outra grande limitação para o estudo da progressão da doença e de seu estágio em pacientes atendidos pelo SUS, é causada, em parte, pelo uso de escalas com baixa especificidade, sensibilidade e acurácia que dificultam uma intervenção farmacêutica adequada e uma correta orientação aos familiares, compatíveis com as necessidades dos pacientes.
“Em especial, o diagnóstico precoce dos quadros demenciais pelo rastreio cognitivo é de fundamental importância, pois permite que o apoio ao paciente seja iniciado precocemente, além de possibilitar que o paciente participe das decisões sobre o planejamento futuro de sua vida.
Mais de 200 milpessoas no Brasil convivem com a doença de Parkinson, segundo a OMS
Em virtude disso, além dos testes com a Neurovespina, outro objetivo da pesquisadora foi traduzir, adaptar e aprimorar escalas internacionais de avaliação de sintomas não motores (especialmente cognitivos) para aplicabilidade na avaliação e diagnóstico de pacientes no SUS.
Duas escalas foram avaliadas e adaptadas pelos pesquisadores, Escala de Avaliação Cognitiva da Doença de Parkinson (PD-CRS) e Cambridge Neuropsychological Test Automated Battery (Cantab). Para avaliação da PD-CRS, foram considerados 640 indivíduos saudáveis (40 anos ou mais) de cinco regiões brasileiras distintas.
A escala foi adaptada para o português e validada através de comparação com testes neuropsicológicos amplamente utilizados — Teste das Trilhas, Teste dos Trigrama-consonante, Teste dos Cinco Pontos, Fluência verbal (frutas e animais). De acordo com os resultados atingidos, a escala demonstrou adequada reprodutibilidade e fidedignidade, podendo ser considerada válida como método diagnóstico.
“A PD-CRS mostrou-se uma escala com alta capacidade de triar, discriminar e diagnosticar, de forma precoce, graus leves de perda cognitiva em pacientes com doença de Parkinson, diferentemente de outras escalas neurocognitivas utilizadas na prática clínica atual”, destaca a coordenadora da pesquisa.
Já a Cantab é uma plataforma digital de mensuração de funções cognitivas com ampla aceitabilidade internacional no meio de pesquisa em neurociência cognitiva e no diagnóstico neuropsicológico. No estudo, ela foi aplicada em 30 voluntários subdivididos em DP-CN (Doença de Parkinson – Cognição Normal) e DP-CCL (Doença de Parkinson – Comprometimento Cognitivo Leve). A escala demonstrou adequada validade do teste cognitivo.
Quanto à importância e à aplicabilidade da pesquisa para o SUS, Mortari explica que a disponibilidade de um fármaco neuroprotetor é inexistente até o momento e que “os resultados poderão revolucionar a terapia de desordens neurodegenerativas, proporcionando uma melhora significativa para os pacientes e diminuindo os custos diretos e indiretos no SUS.”
Confira a apresentação final de resultados.
*Com informações da Fundação de Apoio à Pesquisa e Inovação do DF
Fonte: Agência Brasília