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Regulamentação da educação domiciliar no DF concentra debates em audiência da CCJ


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A regulamentação da educação domiciliar no DF foi discutida em audiência pública da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara Legislativa do Distrito Federal, onde tramitam duas propostas sobre o assunto, o PL 356/2019, do deputado João Cardoso (Avante), e o PL 1.268/2020, do Executivo. Pertinente ao âmbito da CCJ, o encontro enfatizou a constitucionalidade da matéria e contou com a participação de mães e pais educadores, professores, sindicatos, governo e comunidade escolar. A reunião remota desta terça-feira (18) foi transmitida ao vivo pela TV Web/CLDF.

O presidente do colegiado, deputado Reginaldo Sardinha (Avante), defendeu a importância do debate, ao destacar que a educação dirigida pelos próprios pais é uma realidade consolidada em muitos países e presente também no Brasil, embora ainda não seja regulamentada, situação que “causa insegurança jurídica”. Para o relator da matéria, deputado Roosevelt Vilela (PSB), como a questão é recente no DF, a audiência representa a oportunidade de ouvir os “diversos atores que orbitam em torno do tema” antes de ele emitir o próprio parecer. Adiantou, contudo, que considera o homeschooling – como é conhecida a prática – um mecanismo de educação.  

Segundo o autor do projeto, deputado João Cardoso, o texto quer dar legalidade a uma realidade que já existe no DF. “Presenciei famílias estruturadas praticando a educação domiciliar e a dedicação de mães e pais a crianças normais e socializadas”, narrou. Ao defender “todas as modalidade de ensino, sem exceção”, Cardoso acrescentou que foi professor da rede de ensino pública do DF, é casado com uma professora e seus oito filhos frequentaram escolas públicas. Para ele, o ensino domiciliar é uma opção das famílias, que não confronta com outras modalidades.

Também defensora da prática, a deputada Júlia Lucy (Novo) destacou os aspectos constitucionais, como os acordos e tratados internacionais que garantem a liberdade educacional no Brasil. “Estamos diante de um claro direito de escolha por esse gênero educacional”, afirmou, ao acrescentar que é preciso “dar dignidade às famílias que praticam a educação domiciliar com muita responsabilidade”.

Ao manifestar posicionamento divergente, o deputado Leandro Grass (Rede), lembrou que ele e Lucy debateram o tema, na Live CLDF da última quinta-feira (13), sendo que “hoje a discussão envolve a constitucionalidade, que não é letra morta, mas sim decisiva para tomarmos decisões e definirmos parâmetros”, frisou. Nesse sentido, ele destacou que a educação é direito social e coloca o Estado como aquele que vai oportunizar esse direito. O parlamentar trouxe à discussão diversos mecanismos legais, como a lei de diretrizes da educação, a qual ele considera que deveria ser alterada em caso de inclusão de novas modalidades.

Em posição similar, o deputado Professor Reginaldo Veras (PDT) defendeu que a educação formal é competência do Estado, que “não pode abrir mão dessa responsabilidade”. O parlamentar acredita que se a proposta se detivesse às famílias que têm condições quer sejam financeiras ou técnicas de abarcar a prática, ele não veria problema. No entanto, ele alertou para o impacto do “mimetismo social”, que pode levar a consequências indesejadas. Citou ainda o caso de pais que, por estarem fazendo o acompanhamento escolar dos filhos durante a pandemia, acreditam que isso seja educação domiciliar e, portanto, poderiam tirar seus filhos das escolas.

Sindicatos e professores

Igualmente contrário à proposta, o presidente do Sindicato dos Profissionais em Estabelecimento Particulares de Ensino do DF, Trajano Jardim, disse que o mimetismo poderia levar a um “estado de deterioração do povo brasileiro”.

Na mesma diretriz, a diretora de Políticas Educacionais do Sindicato dos Professores (SINPRO/DF), Berenice Darc, acredita que a família não pode suplantar o papel da escola, principalmente porque o ambiente escolar proporciona o convívio com a diversidade e pluralidade. Também do SINPRO, Júlio Barros considerou que a questão central deveria ser o investimento na educação pública.

Para a professora de educação básica de Ceilândia, Vania Rego, esse debate vem num contexto de obscurantismo e de ataque à educação pública. Segundo ela, a proposta parte do princípio de que as famílias têm capacidade de educar seus filhos, no entanto, há famílias que desejam tirar seus filhos da escola, mas não têm essa competência. Ela acrescentou que a escola, além de ser espaço de socialização, é ambiente onde se percebe quando as crianças são vítimas de violência doméstica.

Para o presidente do Conselho de Educação do DF, Marco Antônio Almeida, a escola é “o lócus central da educação”, com ação cidadã. Ele considerou ainda que os projetos podem ser questionados quanto à constitucionalidade.

Direito das famílias

Já para a promotora de justiça do Ministério Público do DF e Territórios, Cátia Vergara, a Constituição Federal prevê a competência concorrente entre os entes para legislar, e, portanto, nesse caso, o DF tem competência legislativa plena. Segundo a promotora, é uma minoria que adota a prática, conforme atesta o censo escolar de 2018, e essa “minoria precisa ser protegida”, disse, uma vez que se trata da liberdade de aprender e ensinar. Salientou, no entanto, que o ente estatal tem o dever de estabelecer parâmetros para a regulamentação e controle da modalidade.

Assim também considerou o procurador da república, André Uliano, para quem “o homeschooling é um direito das famílias”. Segundo ele, a autorização da prática caberia à União, sendo que estados e municípios tratariam do pluralismo da matéria. Uliano reforçou que é uma prática internacional educacional consagrada, adotada em trinta países dos 36 que compõe a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Ao elogiar o debate qualificado, o representante da Secretaria da Educação do DF, Tiago Cortinaz disse que a pasta acompanha os trâmites para “acolher o encaminhamento”.

Famílias educadoras

Diversos pais se manifestaram a favor da regulamentação da modalidade, como a presidente da Associação de Pais e Alunos das Instituições de Ensino, Ana Paula Carreira. Para ela, a regulamentação vai garantir tranquilidade aos pais que praticam o ensino domiciliar. “Pais e mães são protagonistas na vida de seus filhos”, alegou.

Ao narrar que participa há mais de uma década de discussões dessa natureza, o presidente da Associação Nacional de Educação Domiciliar, Rick Dias, defendeu ser necessário avançar e reconhecer o direito dos pais de escolher o gênero de instrução dos filhos. Acrescentou que a educação domiciliar não desvaloriza o emprego dos professores e não fecha escolas, sendo nada mais do que o direito de escolher uma modalidade de instrução.

“Quem defende a educação domiciliar não é contrário à escola”, enfatizou a presidente da Associação de Famílias Educadores do DF, Tuani Castro.  Para ela, que foi professora da rede pública de ensino do DF e optou por sair do emprego para educar os filhos, a qualidade da educação é um ponto fundamental para as famílias que estão dispostas a abrir mão de muitas coisas, como renda e tempo, para abraçar a educação domiciliar. Ela afirmou que há preconceito contra as famílias educadoras.

Do mesmo modo, o ex-secretário de Educação do DF, Marcelo Aguiar, discorreu que as crianças e adolescentes de famílias educadoras são perseguidas e não têm acesso a uma série de outros direitos, como ao processo de avaliação e acompanhamento, e à certificação pelo tempo e esforço que despenderam para aprenderem. “Brasília pode ser pioneira ao garantir que essas crianças saiam da invisibilidade e tenham os mesmos direitos das demais crianças que estão nas escolas”, afirmou.

Sair da clandestinidade é muito importante, segundo o jornalista Jonatas Dias, pai educador de três filhos. De acordo com ele, a regulamentação deve inserir dispositivos sobre atividades sociais para as crianças a fim de garantir as evidências de socialização. Ele destacou que as CCJ das assembleias de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul aprovaram propostas afins e anunciou que amanhã (19) a Câmara de Vereadores de São Paulo votará a matéria em segundo turno.

Ao pedir um pacto global pela educação, a representante da Associação Nacional de Educação Católica, Roberta Guedes, citou o papa Francisco: “Temos que ser pontes e não muros”. Segundo ela, apenas o diálogo resolverá essa questão.

Leia Mais: Deputados divergem sobre educação domiciliar no DF

Franci Moraes
Foto: Reproc
Núcleo de Jornalismo – Câmara Legislativa

 

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