Em audiência pública nesta quarta-feira (11), a deputada Arlete Sampaio (PT) reuniu especialistas, funcionários e usuários dos Centros de Atenção Psicossocial e representantes do GDF para discutir sobre o estado das políticas públicas de saúde mental do DF e apresentar os desafios que têm sido enfrentados no período de pandemia.
Para iniciar o debate, Sampaio contextualizou a luta antimanicomial, movimento que luta por uma reforma psiquiátrica e busca salvar pessoas neurodivergentes e neuroatípicas de manicômios, locais geralmente insalubres e que pioram a saúde de seus pacientes. “Além de lugares para quem tinha problemas mentais, manicômios são, historicamente, depósitos onde pessoas consideradas indesejáveis, como membros da comunidade LGBT+ e adversários políticos, eram deixadas isoladas da sociedade”, explicou.
Dos avanços alcançados pelo movimento, a deputada elencou a Lei nº 10.216 de 2001, que define políticas de saúde mental para o Brasil, e a Lei Distrital 1.275 de 1995, que implantou a Rede de Atenção Psicossocial no DF. No entanto, foi consenso, para os presentes, que a Rede se encontra enfraquecida em relação ao que costumava a ser. Como exemplo, a parlamentar afirmou que as últimas unidades dos CAPS a serem construídas foram durante o mandato do ex-governador Agnelo Queiroz (PT) entre 2011 e 2014.
Os Centros de Atenção Psicossocial são uma das principais alternativas de tratamento psicológico e psiquiátrico da RAPS. Atualmente, apresentam uma série de problemas de funcionamento, como enumerados pela ativista de saúde mental e enfermeira Andressa de França Alves, que atua no CAPS Taguatinga. Ela explicou que as áreas de abrangência das unidades são extensas demais e declarou existir unidades que são responsáveis por cobrir locais com até 1 milhão de habitantes, o que causa uma sobrecarga nos profissionais.
Essa ocorrência se liga a outra questão, o déficit de funcionários. Existem unidades com equipes muito reduzidas, que resultam em uma falta de assistência contínua para os pacientes e um ambiente de trabalho estressante, que, por sua vez, causa afastamento médico para os poucos empregados e gera um ciclo que prejudica todos os envolvidos nos Centros.
Além de problemas com recursos humanos, esses órgãos também têm dificuldades com falta de equipamentos e estrutura. França disse que muitos não têm internet, computadores ou, até mesmo, aparelhos de telefone e, como a maioria dos imóveis onde os Centros funcionam são alugados, correm risco de despejo. Arlete lembrou o caso de uma gestora que teria recebido conta de aluguel de valor altíssimo e se desesperado por não ter como pagar, o que é competência da Secretaria de Saúde.
Comunidades Terapêuticas
Porém, a adversidade que foi apontada como uma das mais perigosas é a substituição dos órgãos de saúde mental governamentais por comunidades terapêuticas, entidades religiosas que atuam, em sua maioria, sem acompanhamento psicológico adequado. Kleidson Oliveira, usuário do CAPS desde 2012, argumentou que há um sucateamento proposital da RAPS para prejudicar sua atuação e ser, efetivamente, substituídas por esses grupos religiosos.
“Frequento o CAPS há cerca de nove anos e, nessa época, mesmo com todos os problemas, era o lugar ideal para se recuperar depois de tudo que passei. Lá tinha reinserção social, clínico geral, acolhimento 24h em boa parte das unidades e profissionais dedicados que gostavam do que faziam. Mas, desde 2017, houve um desmonte nacional para fortalecer as comunidades terapêuticas. Estão tentando implementar um modelo ambulatorial horizontal e, dessa forma, os CAPS vão se tornar apenas um local para pegar receitas médicas”. Uma solução apontada por ele para a o quadro reduzido de funcionários foi abrir leitos psiquiátricos nos maiores hospitais locais e fechar o Hospital São Vicente de Paulo, ao qual se referiu como um “depósito de gente”, e remanejar a equipe psiquiátrica para os CAPS. O centro médico é especializado no tratamento de transtornos psicológicos e psiquiátricos e sofre fortes críticas do movimento pela saúde mental.
Oliveira também criticou a Diretoria de Serviços de Saúde Mental da Secretaria de Saúde por, em sua opinião, não coordenar da forma necessária a gestão dos Centros. Essa fala foi reiterada por Maria Aparecida Gussi membro do Observatório de Saúde Mental da Universidade de Brasília, que alegou haver uma falta de governabilidade do órgão em relação aos gestores das unidades. Gussi argumentou que o fato da direção dos Centros ser um cargo de confiança, frequentemente ocupado por profissionais sem experiência na área da saúde mental, gera conflitos com as equipes, que refletem negativamente na relação dos profissionais entre si e com os pacientes.
Ela categorizou essa dinâmica como um tipo de desamparo que cria sérias vulnerabilidades, que são aproveitadas pelas comunidades terapêuticas: “Essas organizações não são instituições de saúde, são entidades religiosas. Não se baseiam em tratamentos psicológicos e se aproveitam da fragilidade das pessoas. Conseguem fazer isso porque oferecem o mínimo que os CAPS não têm capacidade de oferecer, comida e abrigo”. Arlete Sampaio concordou e ressaltou a responsabilidade governamental. “Essas associações podem existir, mas não devem ser o centro da política pública sobre saúde mental”, elucidou.
Resoluções
Em decorrência da pandemia de Covid-19 e do isolamento social, a Rede de Atenção Psicossocial ficou ainda mais sobrecarregada do que já estava. A demanda por atendimentos aumentou de forma expressiva e grupos já vulneráveis, como a população em situação de rua principalmente, ficaram em uma situação ainda mais complicada e os participantes da audiência pediram esclarecimentos sobre o que iria ser feito pela Secretaria de Saúde para sanar esses problemas.
Os representantes do órgão, Vanessa Soublin de Vasconcelos, diretora da Diretoria de Serviços de Saúde Mental, e Petrus Barron Sanchez, secretário-adjunto de Assistência à Saúde, apresentaram alguns encaminhamentos que foram realizados e deram explicações sobre as questões levantadas. Vasconcelos afirmou que estão trabalhando em projetos arquitetônicos para conseguir orçamento na Lei Orçamentária Anual para a construção de novas unidades dos CAPS. Atualmente, duas unidades foram contempladas, Gama e Recanto das Emas, e as plantas vão servir de modelo para outras edificações como forma de diminuir os custos em construções futuras.
Sobre a informatização e o tratamento de grupos vulneráveis, anunciou que há um chamamento em tramitação para a compra de computadores pela Secretaria que inclui os CAPS, que um processo de modificação do sistema virtual está em andamento e que está sendo criada uma comissão permanente na Secretaria de Desenvolvimento Social para atender a população de rua com foco em saúde mental.
Ela também explicou que já foi elaborado e enviado à Subsecretaria de Gestão de Pessoas um documento a respeito de um novo cálculo do dimensionamento das áreas de abrangências, mas lembrou que estão impossibilitados de fazer novas contratações até o final do próximo ano devido à contenção de gastos do GDF. “Atualmente há 93 psiquiatras na Rede, um número muito baixo, então por isso temos buscado outros profissionais médicos com experiência em saúde mental para atuar nas unidades”, concluiu.
Sanchez argumentou que não havia uma preparação para como lidar com os reflexos da pandemia, mas que há um esforço conjunto para garantir o funcionamento dos órgãos. “Indiretamente, a pasta da saúde mental foi fortemente afetada pela Covid e precisa ser revista e blindada, o mesmo precisa ser feito com os técnicos para que o material produzido possa ser bem executado. Não adianta ter as melhores políticas públicas escritas se não conseguirmos operacionaliza-las e esse é um trabalho de longo prazo. Há uma priorização de que a parte técnica se sobressaia a critérios políticos e que deixe o trabalho dessa pasta em sintonia com as demais da secretaria”, ponderou.
Victor Cesar Borges (estagiário)
Imagem: Reprodução/TV Web CLDF
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