InícioCÂMARA LEGISLATIVA DFLuta antirracismo é pauta de reunião pública na Câmara

Luta antirracismo é pauta de reunião pública na Câmara


Em comemoração ao Dia Nacional da Consciência Negra, celebrado dia 20 de novembro em homenagem à morte do líder quilombola Zumbi dos Palmares, a Câmara Legislativa do Distrito Federal realizou, na noite da última segunda (23), reunião publica sobre a luta contra o racismo no DF. A discussão foi idealizada pela deputada Arlete Sampaio (PT) e contou com a presença de ativistas da causa e representantes do GDF.

Ao iniciar o debate, Sampaio explicou que, apesar de ter proposto um projeto de lei para oficializar a comemoração, a data não é feriado em Brasília, porque há um limite de quatro feriados por Unidade da Federação, então foi decretado como ponto facultativo este ano. Ela também explicou que a tentativa de oficializar no DF a Lei Federal nº 10639/03, que institui o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional ocorreu de forma semelhante e o PL proposto pela parlamentar: não evoluiu na Casa e, hoje, o ensino do conteúdo depende de iniciativa própria de professores e profissionais da educação.

Arlete discorreu sobre como as consequências do período escravocrata brasileiro, que durou aproximadamente 350 anos, afetam as dinâmicas sociais brasileiras até hoje devido à forma “incompleta”, como caracterizou, que foi declarada a abolição. Sem nenhuma forma de reparação ou outra medida que garantisse inserção social plena aos libertos, problemas gerados nessa época, como baixa empregabilidade, disparidade salarial e más condições de vida e trabalho, reforçam o racismo e continuam até os dias atuais. “A síndrome da Casa Grande e Senzala, ainda hoje, paira sobre o país. Ainda não fizemos a verdadeira abolição. Quando falamos que o Brasil é uma democracia sabemos que isso não é verdade para a população negra. Negros, principalmente jovens e moradores de periferia ainda vivem em um contexto de exclusão social, em uma lei de exceção onde são barbaramente exterminados uma vez a cada 23 minutos” declarou.

A representante da Frente das Mulheres Negras do DF e Entorno, Joseanes Lima dos Santos, contextualizou o que a escravização representou para a economia mundial. Ela explicou o papel brasileiro, que foi chave na configuração da escravidão mundial, e que cerca de 4 milhões de pessoas foram sequestradas da África para o Brasil, enquanto para os Estados Unidos esse número é de aproximadamente 400 mil. “Essa escravização é o elemento central da organização do capitalismo. Uma vez que somos considerados como peça propulsora de uma economia. Então nós negros somos fundamentais para a estruturação do capitalismo atual e da economia que temos hoje”, explicou.

Sobre a atuação política da Câmara em relação a essas questões, Joseanes listou possíveis medidas a serem adotadas para diminuir a incidência de atos de discriminação e equiparar a desigualdade atual: “A CLDF já teve papel fundamental no contexto de enfrentamento ao racismo e acredito que o momento atual é o de impulsionar propostas importantes, como uma audiência pública para a criação da Delegacia de Crimes Raciais e a criação de PLs que inibam os abusos sofridos por negros, sobretudo mulheres, em ambientes comerciais”. Ela também sugeriu uma reunião entre deputados e órgãos como a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do DF, líderes empresariais e o Ministério Público.

Políticas Públicas

A elaboração de políticas públicas foi um assunto também comentado pelo professor Nelson Fernando Inocêncio do Departamento de Artes da Universidade de Brasília. Para o docente, a dissolução de programas de inclusão racial prejudica fortemente os avanços da comunidade preta: “A alternância de poder é normal, mas quando certas políticas são de governo e não de Estado é difícil garantir a continuidade delas. Como professor, minhas referências e estratégias de sobrevivência vêm da educação e considero que é fundamental entender que essas referências prévias existem e o principal problema é a falta de continuidade das ações baseadas nelas. Vivemos em um país em que precisamos constantemente retomar e retroceder, o que é péssimo, porque poderíamos continuar o que já foi feito, parte do caminho já foi pavimentado”. Como exemplo de ações bem efetuadas, citou a política de cotas raciais da UnB, a primeira universidade federal a adotar a medida.

Já Ieda Leal de Souza, coordenadora nacional do Movimento Negro Unificado, se pronunciou sobre o atual cenário político. Ela comemorou o alto número de candidatos negros e LGBT eleitos nas eleições estaduais desse ano e falou sobre a importância representativa que possuem e como apoiá-los. “Nossa tarefa agora como movimento negro é amparar, dar suporte e estar próximo, na verdade, é a tarefa de todo o país. Chega de eleger pessoas que, ao chegar ao poder, vão fazer o que quiserem e não o que prometeram. Temos que criar uma forma de acompanhamento que não seja discreto, mas maciço. Se não fizerem o que queremos e precisamos, podermos denunciar, cobrar do MP. Somos 56% da população, então precisamos ter, no mínimo, 56% da representação política, qualquer coisa menos que isso não é o bastante. Precisamos ir até a direção dos partidos, dos sindicatos, das centrais, dos conselhos de educação e reitorias e nos articular”, concluiu.

Pessoas pretas, e pobres principalmente, são as mais afetadas pela pandemia da Covid-19 e também as que mais sofrem com problemas de empregabilidade. Então Adna Santos, coordenadora de Políticas de Proteção e Promoção da Liberdade Religiosa da subsecretaria de Diretos Humanos e Igualdade Social do DF, falou sobre a principal ação de valorização de profissionais negros do GDF, uma parceria entre as secretarias de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania e de Saúde para a nomeação de profissionais da saúde pretos para hospitais da rede pública. A secretária explicou que várias ações que aconteceriam nesse ano tiveram que ser adiadas ou canceladas devido ao período de isolamento social, mas que já há um planejamento para o ano que vem.

Caso João Alberto Freitas

Um pronunciamento comum entre os presentes à reunião pública foi o repudio à morte de Joao Alberto Silveira Freitas, assassinado por seguranças de um hipermercado da rede Carrefour em Porto Alegre na última quinta (19), véspera do Dia Nacional da Consciência Negra.

Arlete Sampaio condenou o posicionamento do presidente da República, Jair Bolsonaro, e o vice-presidente, general Hamilton Mourão, que criticaram o movimento negro e os protestos que ocorreram pelo país, e Joseanes dos Santos afirmou ser imprescindível que empresas tomem posicionamentos reais sobre crimes como esse. “Os termos ‘violação contra a população negra’ remetem à ideia de minoria, de um grupo específico. Porém, o que aconteceu com João Alberto não é só uma violação a uma minoria, mas sim a um cidadão. Então o MP deve ser cobrado para responder por que tantos casos dessa natureza ocorrem. Além do assassinato de um homem negro, foi a falta de respeito aos direitos de um cidadão”, argumentou ela.

A ativista acredita que o ocorrido não aconteceria na França, onde a rede de hipermercados foi fundada, e se acontecesse teria uma reação muito maior e mais intensa e que companhias internacionais não estão totalmente sujeitas à Constituição: “Empresas como o Carrefour trabalham, aqui no Brasil, sob uma ótica de atuação de terceiro mundo que não requer respeito à população. Estabelecem critérios de discriminação aqui que não ocorre na França por exemplo. Por isso deve haver uma adequação dessas organizações às nossas leis, um ajuste de conduta à nossa legislação”. Joseanes citou treinamentos focados em diversidade e a exigência de contratação de pessoas pretas nas equipes desses estabelecimentos como medidas de combate ao racismo nesse contexto.

Victor Cesar Borges (estagiário)
Imagem: Reprodução/TV Web CLDF 
Núcleo de Jornalismo – Câmara Legislativa

Fonte: CLDF

Últimas Notícias

MAIS LIDAS DA SEMANA