O Distrito Federal é uma das unidades federativas mais desiguais do Brasil, e a pandemia de Covid-19 não só desvelou essas desigualdades como as agravou. Partindo da análise desse cenário, o Instituto de Estudo Socioeconômicos (Inesc) e o Movimento Nossa Brasília, com o apoio da Oxfam Brasil, construíram o documento “Agenda 10 DF”, com recomendações emergenciais para o DF. As propostas foram apresentadas, nesta quinta-feira (11), em audiência pública da Comissão de Educação, Saúde e Cultura da Câmara Legislativa.
Representando o Inesc, a antropóloga Leila Saraiva explicou que a Agenda 10 é um desdobramento do Mapa das Desigualdades do DF, relatório que está em sua terceira edição. O objetivo, segundo ela, é transformar a Agenda numa ferramenta política. “Temos visto que a forma como o governo opta por fazer os gastos públicos tem impacto direto na vida das pessoas, principalmente nesse cenário de pandemia”, afirmou.
A estudiosa destacou que o DF tem “desigualdades estruturantes e constituintes” e que a crise sanitária atinge, principalmente, os mais vulneráveis. “Este quadro horrível e dramático que estamos vivendo, talvez, seja uma boa chance de o governo enfrentar, de fato, as desigualdades”, disse.
Na lista de recomendações urgentes, há propostas que visam a garantir “o básico do básico”, nas palavras de Leila Saraiva. É o caso do pedido de garantia de rede pública de esgoto nos domicílios com esgotamento a céu aberto e com fossas rudimentares. De acordo com a antropóloga, dados da Codeplan revelam que apenas 19% das casas da Fercal contam com o serviço. “A gente se assusta de estar reivindicando isso em 2021. Como garantir protocolos de higiene sem o básico?”, questionou.
Outro ponto da Agenda 10 diz respeito à garantia de mais recursos orçamentários e financeiros para a saúde pública, com foco no combate à Covid-19. Segundo Saraiva, o orçamento destinado à área, em 2021, é menor R$ 1,26 bilhão se comparado com o do ano anterior.
Veja todas as recomendações ao final.
Instrumento político
Autor do pedido da audiência pública, o deputado Leandro Grass (Rede) elogiou a atuação do Inesc pelo “levantamento de dados e interação social para a busca de soluções para os territórios”. “Estamos diante de um aumento do desemprego, da vulnerabilidade social e das desigualdades, que são tendências dessa pandemia”, apontou. E concluiu: “O DF precisa ser pensado nesta ótica: como reduzir as desigualdades? A Agenda 10 é uma carta importante que tem de ser acolhida pelo governo”.
A presidente da CESC, deputada Arlete Sampaio (PT), também elogiou as contribuições. “Saúde não é só médico, hospital e remédio. É todo um contexto de qualidade de vida para que a população não adoeça”, destacou. “Neste momento, com a rede colapsada, aí não pode adoecer de nada: Covid, infarto, AVC, nada que demande UTI”, emendou a distrital.
Ambos parlamentares se comprometeram a encaminhar o documento para o GDF, além de apresentarem indicações, pedidos de informação e projetos relacionados às demandas. Eles também garantiram que irão fiscalizar a atuação do Executivo.
Por sua vez, o diretor do Sindágua-DF, Igor Pontes Aguiar, afirmou que o DF vive uma “sindemia”, sinergia entre a questão sanitária e quadro socioeconômico: “Os que têm menor renda, que estão mais expostos às desigualdades, são os quem mais sofrem”. Com relação às demandas relativas à água e esgoto, o sindicalista considerou-as “fundamentais”, citando a relação direta entre a ampliação da oferta de saneamento básico e a redução da mortalidade infantil.
Já o professor Tiago Gehre Galvão, coordenador do programa “UnB 2030: Sustentabilidade e Desenvolvimento Inclusivo”, disse que a Agenda 10 deve ser um “documento de referência”. “O relatório expõe grande parte dos desafios que temos dentro do nosso território, que é o DF. Deve ser usado para persuadir os tomadores de decisão, para que levem os dados em consideração”, avaliou. O acadêmico salientou, contudo, ainda haver outros recortes que precisam de atenção e de políticas específicas, como a juventude, em especial meninas e jovens mulheres; a população em situação de rua, e os estados limítrofes de Goiás.
Recomendações da Agenda 10 DF
1 – Resíduos sólidos: Garantir a chegada da coleta seletiva a todas as regiões administrativas do DF a partir da contratação de cooperativas de catadores.
Segundo apontou Leila Saraiva, apenas um em cada quatro domicílios da Estrutural é atendido pela coleta seletiva. No Plano Piloto, oito de dez residências o são. “Isso é especialmente perverso porque temos dezenas de milhares de moradores da Estrutural que faziam esse tipo de coleta”.
2 – Tratamento de esgoto: Garantir que a rede pública de esgoto atenda a domicílios com esgotamento a céu aberto e fossas rudimentares.
3 – Água: Garantir o abastecimento de água via rede geral da Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb) a 90% dos domicílios da Estrutural, Fercal, Jardim Botânico e Sobradinho 2.
4 – Mobilidade urbana: Criar corredores exclusivos de ônibus entre Planaltina e Plano Piloto. Lembrando que transporte é vetor importante de contágio.
De acordo com a representante do Inesc, 20% dos planaltinenses levam mais de 1h para chegar ao local de trabalho: “É muito tempo dentro de ônibus lotados e caros. Já é um suplício em tempos normais, e agrava a possibilidade de contágio”, defendeu.
5 – Educação: Garantir equipamento e internet para todas as crianças e adolescentes da zona rural do DF.
6 – Trabalho e renda: Manter o auxílio emergencial do GDF até o fim de 2021.
Em samambaia, Recanto das Emas, Itapoã, Santa Maria, Varjão e Riacho Fundo II, a renda média é menos do que um salário mínimo, informou Saraiva.
7 – Saúde pública: Garantia imediata de mais recursos orçamentários e financeiros para a saúde pública, com foco no combate à covid-19.
8 – Orçamento público e não discriminação: Disponibilizar marcadores de território e de raça e gênero no Orçamento Público, para saber quanto é destinado exclusivamente para a população negra e para mulheres.
9 – Cultura: Investimento do valor garantido por lei no Fundo de Apoio à Cultura (FAC), acrescido dos superávits de 2017, 2018 e 2019.
10 – Equidade racial: Destinar recursos para políticas de enfrentamento às desigualdades de raça com foco na Cidade Estrutural e na Fercal.
“O DF é um dos entes federados com maior percentual de população negra. Precisamos de medidas explícitas para enfrentar o racismo, recursos, monitoramento e participação. A população negra é a mais atingida pela pandemia, e isso é social: o racismo impõe uma vida mais precarizada”, disse Leila Saraiva.
Denise Caputo
Imagem: Reprodução/TV Web CLDF
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