A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Feminicídio da Câmara Legislativa do Distrito Federal discutiu na tarde desta segunda-feira (26), em reunião virtual, a violência contra mulheres negras, com a participação de especialistas sobre a temática. De acordo com os dados apresentados, as mulheres negras são as maiores vítimas de violência doméstica e familiar no DF e no Brasil.
Segundo o relator da CPI, deputado Fábio Felix (Psol), levantamento do IPEA e do Fórum de Segurança, aponta que em 2019, 4.519 mulheres foram assassinadas. Deste total, 68% eram mulheres negras. Além disso, a violência contra as mulheres negras tem crescido, enquanto os casos envolvendo mulheres não negras têm apresentado queda. Na opinião de Felix, está muito nítido que casos de violência contra mulheres brancas causam maior comoção na sociedade. Para ele, o dado reforça a existência de racismo estrutural na sociedade.
Especialistas ouvidas hoje pela CPI apontaram o passado escravocrata, o racismo e a pouca participação de mulheres negras nos espaços de poder como fatores que explicam a violência dirigida a elas. Vera Lúcia Santana Araújo, advogada, ativista da Frente de Mulheres Negras, que já ocupou cargos no GDF e no governo federal, afirmou que as políticas públicas atuais não conseguem enfrentar o problema da violência contra as mulheres negras. Em seu depoimento, relembrou a luta pela implantação da primeira Delegacia Especial da Mulher (Deam) no DF, “fruto do trabalho dos primeiros movimentos feministas da capital”.
A ativista lembrou que uma pesquisa realizada na época demonstrou que as mulheres não compreendiam que eram vítimas de violência. “Não dimensionavam as agressões sofridas como violência. Foi muito estarrecedor a constatação dessa realidade”, informou. Além disso, segundo ela, naquele momento, a visão do secretário de Segurança era de que a instalação da delegacia seria importante para que as esposas de autoridades pudessem registrar ocorrências de delitos praticados pelas empregadas domésticas. Hoje, no entanto, a delegacia especializada é considerada uma ferramenta necessária para enfrentar a violência de gênero.
Delegacias em cidades com mais mulheres negras
Pastora, professora e integrante da Aliança de Negras e Negros Evangélicos do Brasil, Waldicéia de Moraes sugeriu a implantação de delegacias da mulher nas cinco cidades com maior percentual de mulheres negras no DF: Estrutural, Fercal, Varjão, São Sebastião e Itapoã. Segundo ela, a instalação dessas unidades ajudaria na prevenção e no enfrentamento do feminicídio.
A especialista destacou que, na visão dela, a origem da prática de feminicídio contra as mulheres negras começou com a escravidão de “mulheres, princesas e rainhas na mãe África”. “Já na viagem, elas eram estupradas nos navios negreiros. E a violência continuou depois com as senhoras e senhores de engenho. O feminicídio tem origem na escravidão”, assinalou.
Ela também sugeriu outras políticas específicas para enfrentamento do feminicídio, como a inclusão de dados sobre cor, etnia e raça em todos os formulários do governo; sistema de cotas nos centros de educação infantil; criação de empregos com sistema de cotas para mulheres negras, além da criação de cursos específicos para a formação de mulheres negras.
A procuradora da Mulher da CLDF, deputada Júlia Lucy (Novo), ressaltou que observa uma paralisia nos projetos voltados para as mulheres no governo. Segundo ela, o governador prometeu cinco novas “Deams”, mas somente uma foi implantada, em Ceilândia. Para ela, também faltam políticas de planejamento familiar e facilitar o acesso a métodos contraceptivos.
Já a deputada Arlete Sampaio (PT), presidente em exercício da CPI, reconheceu o peso do racismo estrutural na origem do problema, “herança do período escravocrata”, mas também destacou o racismo institucional nos órgãos do governo. “A gente precisa capacitar os agentes públicos para combater o racismo, para ajudar no enfrentamento da violência contra a mulher negra”, analisou.
O deputado Eduardo Pedrosa (PTC) enfatizou que a necessidade de implantação de novas unidades de delegacias especializadas da mulher é uma unanimidade entre os integrantes da comissão. Para ele, é importante que as “Deams” estejam mais perto das residências para facilitar o registro das ocorrências e o acompanhamento dos casos.
Transporte e Mobilidade
A CPI ainda aprovou, nesta segunda-feira, um requerimento para ouvir o secretário de Transporte e Mobilidade Urbana, Valter Casimiro Silveira, sobre casos ocorridos, no ano passado, nas proximidades das paradas de ônibus. A data da oitiva ainda será marcada. Também foram definidos detalhes sobre a agenda de trabalhos da CPI até o final do ano.
Luís Cláudio Alves
Foto: Carlos Gandra/CLDF
Núcleo de Jornalismo – Câmara Legislativa