Audiência aponta falta de dados sobre a violência contra mulher e casos na pandemia

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Foto: Reprodução/TV Web CLDF


A ausência de dados oficiais sobre a violência contra a mulher, para embasamento de políticas públicas, foi criticada em audiência remota da CPI do Feminicídio da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF), realizada nesta sexta-feira (9). Com enfoque na “violência contra mulheres e meninas no contexto da pandemia”, o debate enfatizou o aumento dos casos nos últimos meses. De acordo com a vice-presidente da CPI, Arlete Sampaio (PT), houve 9702 denúncias até setembro, quase o total de 9910 de todo o ano passado. Para ela, o estresse familiar devido à quarentena piorou a situação das mulheres. “Este contexto da Covid contribuiu enormemente para aumentar o número desses casos”.

Segundo Sampaio, a falta de transparência do poder público resulta na “invisibilização de uma série de sujeitos da sociedade” e, portanto, compromete as políticas públicas. O deputado Fábio Félix (Psol) afirmou que fazer denúncia ficou mais difícil durante a pandemia e que foram registrados em 2020, “apesar das subnotificações”, sete feminicídios e um transfeminicídio no Distrito Federal. “Em quatro anos houve um aumento de 62%” – frisou. Ele criticou a ausência de amparo às vítimas; o baixo orçamento da Secretaria da Mulher; a falta de integração entre os serviços não especializados e especializados no atendimento; e a não existência de dados oficiais sobre reincidências.

Para o deputado Leandro Grass (Rede), a política de assistência sofre um processo de “esfacelamento e degradação” e as ações devem ser propostas de forma intersetorial e com participação popular. “Essa política não pode ser generalista. Precisa contemplar as diversas realidades, territorialidades, complexidades de cada contexto em que as mulheres se encontram” – salientou. A procuradora da Mulher da CLDF, deputada Julia Lucy (Novo), reforçou que “há um verdadeiro desmantelamento de toda a rede de proteção às mulheres” que, segundo ela, foram também economicamente mais prejudicadas pela pandemia.

A defensora pública e coordenadora do Núcleo de Defesa da Mulher, Rita Lima, falou sobre o reforço no atendimento virtual às mulheres durante a pandemia, demonstrando preocupação com aumento da violência: “O isolamento social fez com que as mulheres ficassem confinadas com seus agressores”. Segundo ela, as orientações realizadas em 2020 somam 2.150 enquanto em 2019 foram cerca de 1400, incluindo ainda as audiências. A defensora defendeu o fortalecimento da prevenção com atendimento adequado e mais integrado da rede de assistência e acolhimento. A promotora de justiça Liz-Elainne Mendes também criticou o viés unicamente punitivista: “É preciso repensar as portas de entrada, desvincular os serviços dos fluxos do sistema de justiça. Não necessariamente as mulheres estão buscando a criminalização dos autores de violência, mas elas precisam da proteção”.

O promotor da Vara do Júri Raoni Maciel concorda que o foco deve ser a prevenção, mas que a punição, sendo realizada pelo Tribunal do Júri “em ato público”, restaura “a memória daquela vítima e traz o direito de verdade a público”. Segundo ele, houve uma mudança de mentalidade sobre os crimes contra a mulher: “A sociedade do DF, quando senta no banco dos jurados, não aceita mais nenhum tipo de diminuição da gravidade do crime. Houve uma grande evolução na forma como a sociedade percebe esse crime”.  

Representante da Marcha Mundial de Mulheres, Wilma dos Reis afirmou que o Estado e a legislação culpabilizam as vítimas e que “as mulheres são vistas como coisas que se pode ter quando se quer e fazer o que quiser”. De acordo com ela, apesar do aumento da violência, as denúncias estão diminuindo porque as mulheres não se sentem seguras. Reis afirmou que há um crescente “fundamentalismo religioso” contribuindo com a “criminalização das organizações feministas”. A Conselheira Tutelar Keka Bagno, representante do Fórum de Mulheres, frisou a necessidade de democratizar o atendimento, principalmente para as moradoras do Entorno: “Precisamos discutir não só como as mulheres chegam às políticas, mas como as políticas chegam às mulheres”. Ela também defendeu novas ferramentas de comunicação para atendimento de crianças e adolescentes. 

Para a representante da Frente de Mulheres Negras do DF e Entorno, Maria Joana Mendes, a violência não necessariamente aumentou durante a pandemia, “apenas veio à tona”, e defendeu que o poder público aja de forma mais efetiva na proteção das vítimas. “É fundamental ter uma atenção especial também para as crianças e adolescentes filhos das vítimas”, acrescentou. A antropóloga Braulina Braniwa salientou a importância de aproximar as mulheres indígenas das políticas de acolhimento nos centros urbanos. “Poucas têm condições de procurar ajuda porque é uma coisa muito distante da gente”.

Ativista da Coletiva TRAfeminista, Lucci Laporta enfatizou que o poder público não tem registrado devidamente a violência contra trans e travestis: “Não nos reconhecem enquanto mulheres” – reforçou. Ela defende que a Polícia Civil considere a possibilidade de feminicídio em todos os casos de assassinatos de mulheres. Laporta ainda explicou que as trans são expulsas “das suas famílias” em média aos 13 anos de idade e que acabam, por isso, em situação de prostituição compulsória e vulnerável à violência na rua.

Membro da Associação Lésbica Feminista Coturno de Vênus, a advogada Iara Alves afirmou que não há número oficial de lesbocídio no DF. No entanto, pesquisa da sociedade civil com cerca de mil lésbicas apontou que 58% haviam sofrido algum tipo de violência no seu âmbito próximo: “O espaço privado não é seguro para nós, tampouco o espaço público”. Ela ressaltou a necessidade de se ter casas de acolhimento para as vítimas e denunciou o aumento no Brasil de 70% dos assassinatos de travestis e transexuais entre janeiro e agosto em relação ao mesmo período do ano passado.

Todas as discussões, diligência  e oitivas da CPI do Feminicídio resultarão em um relatório que vai nortear as ações e políticas públicas no DF no enfrentamento à violência contra a mulher.

Mário Espinheira
Imagem: Reprodução/TV Web CLDF
Núcleo de Jornalismo – Câmara Legislativa

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