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Reciclar é preciso

Responsável pela preservação de árvores, pela redução das emissões de gases na atmosfera e do consumo de água e energia e de mais um sem número de recursos naturais, a reciclagem de resíduos sólidos caminha a passos muito lentos no Brasil. Segundo a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), em 2022, o País reciclou apenas 4% dos mais de 82 milhões de toneladas de resíduos gerados. Além do prejuízo ambiental, a economia também perde com a falta de projetos para o setor. Para estimular o debate sobre o tema, uma lei de 2009, instituiu o 5 de junho como o Dia Nacional de Reciclagem.

E é mesmo preciso pensar, repensar e discutir a reciclagem como parte da solução ou, no mínimo, da mitigação de diversos problemas ambientais, que tem causado uma série de consequências nefastas para a sociedade.

E não precisa ser um especialista no assunto para se dimensionar o potencial da reciclagem. Se levarmos em consideração os resultados obtidos com essa porcentagem ínfima de 4% do lixo produzido no Brasil que foi reciclado em 2022, com uma conta simples, vamos ter uma ideia do quanto poderemos poupar de recursos naturais do planeta se conseguirmos avançar com o reaproveitamento dos resíduos sólidos.

 Segundo dados do Anuário da Reciclagem 2023, divulgado em dezembro do ano passado, com informações relativas ao ano anterior, mais de 1,77 milhão de toneladas de material reciclável foram recuperadas no Brasil naquele ano, o que representa 876 mil toneladas de CO² a menos despejados na atmosfera. Essa quantidade de materiais destinados à reciclagem contribuiu ainda para a preservação de 17,8 milhões de árvores, evitou o consumo de 26 bilhões de litros de água, de mais de 6 milhões de megawatts (MW) de energia, de utilização de 228,4 mil toneladas de petróleo, de 88,1 mil toneladas de bauxita, de 124,9 mil toneladas de ferro-gusa e de 319,2 mil toneladas de areia.

Além dos benefícios para o planeta, a reciclagem tem sido fonte de renda para milhares de famílias brasileiras que vivem dessa cadeia do reaproveitamento dos resíduos, seja na coleta, na separação ou no beneficiamento desse material.

O Anuário da Reciclagem identificou 86.878 catadores e catadoras de resíduos em todo o País e 2.941 organizações desses trabalhadores no território nacional. Essas entidades faturaram R$ 1.628.749.126,52 em 2022, o que corresponde a uma renda média de R$ 1372,52 para cada catador.

Em Goiás o levantamento encontrou 91 organizações que reúnem 2.414 trabalhadores. A boa notícia é que a renda média dos catadores no Estado foi de R$ 1.510,58, acima da nacional e maior que o salário mínimo vigente no País, que era de R$ 1.212,00, em 2022. Ou seja, o negócio é economicamente viável. E pode ser muito mais.

Diante de tantas vantagens ambientais e sociais, a pergunta que se faz é: porque o índice de reciclagem ainda é tão pequeno?

Para quem está envolvido, de alguma forma, nesse processo há muitas respostas para essa pergunta. Mas a falta de educação ambiental da população sobre os benefícios da reciclagem é apontada como um dos principais entraves para o avanço da reciclagem. 

Para a coordenadora do Movimento Lixo Zero Goiás (MLZ Goiás), Raquel Pires, esse é um ponto crucial que impede o progresso do processo de reciclagem.

Ela entende que a educação poderia começar nas escolas, mas também deveria ser feita através de campanhas de divulgação voltadas para toda a população, para incentivar o início do processo, que é a separação do lixo nas casas, empresas, órgãos públicos, entidades e outros locais.

Para a bióloga Raquel Pires a conscientização da população sobre a separação correta geraria o aumento do material recolhido e a destinação eficiente para as cooperativas e provocaria um crescimento do índice de reciclagem. “Com o aumento da separação e do envio disso para as cooperativas, o processo acaba se tornando automático e favorecendo a logística, que é outro entrave para o crescimento da reciclagem”, avalia.

A mudança do tratamento dispensado aos trabalhadores da reciclagem é outro aspecto observado pela ativista como uma forma de melhorar e aumentar a quantidade de material que poderia ser reaproveitado, através da melhoria da qualidade de vida dos catadores. Ela defende o reconhecimento dos catadores como uma categoria profissional e a remuneração pelo trabalho realizado. “Sem eles não existe reciclagem. Então os catadores precisam receber pagamento de serviço ambiental prestado, porque hoje os catadores são remunerados com aquele material que ele coleta, eles não recebem para fazer a coleta. E eles precisam ser reconhecidos como  uma classe trabalhadora. Essa, inclusive, é a luta do Movimento Nacional dos Catadores”.

A recicladora Mylene Lima dos Santos, da Cooperativa de Trabalho dos Coletores de Material Reciclável (Ambienta) vive, diariamente, a dura rotina de precariedade dos catadores. Ela compartilha da visão que a coordenadora do MLZ tem a respeito do reconhecimento do trabalho prestado, como forma de dar dignidade aos trabalhadores e, assim, promover o crescimento da atividade.

Para Mylene, outra forma do poder público colaborar com o incremento da reciclagem, seria o investimento nas cooperativas.  “Assim como os governos investem em grandes empresas, poderiam investir na reciclagem, nas cooperativas e nos catadores, em maquinário, na construção de galpões, dando condições de trabalho ao catador para que ele faça melhor. O poder público pode fazer muito mais do que isso. As leis partem deles. Tá tudo nas mãos deles fazer essa transformação, a educação ambiental curricular e, ainda, dar incentivos, dar atrativos à reciclagem”.

O investimento em maquinário é mesmo um grande obstáculo para que as cooperativas reciclem o próprio material, ao invés de vender o produto “in natura”, o que geraria maior valor agregado e, consequentemente, um resultado financeiro mais compensatório para os cooperados.

O empresário Fábio Gomes é representante de uma das marcas mais fortes no segmento de máquinas para reciclagem de plástico e revela que o preço do maquinário é alto, por causa da alta tecnologia embarcada. São equipamentos que permitem o reaproveitamento de todo tipo de plástico descartado no meio ambiente.  Mas o preço é inacessível para a maioria das cooperativas. “Hoje temos feito um trabalho junto com as instituições, o Movimento Lixo Zero é um dos parceiros, mostrando esse equipamento e criando situações para que se consiga adquirir isso através de emendas parlamentares, Ministério Público e governos em geral. O ideal é que todas as cooperativas tivessem acesso a esses equipamentos”.

A cooperada Mylene Lima dos Santos lembra ainda que mesmo o material separado e destinado às cooperativas, apresenta ainda um outro problema:  o lixo que chega misturado ou os resíduos contaminados que também acabam virando rejeito. Para ela, essa perda de material já no fim do processo, também é resultado da falta de educação ambiental.

Ações no Legislativo

Na Assembleia Legislativa de Goiás (Alego) várias iniciativas em tramitação têm por objeto a promoção da reciclagem de resíduos.

Uma delas é de iniciativa do deputado Paulo Cezar Martins (PL), que propõe a adição de um artigo na Política Estadual de Resíduos Sólidos obrigando os geradores de resíduos provenientes de eventos públicos, privados ou público-privados a elaborar, com a supervisão do Estado, um Plano de Gerenciamento prevendo a forma de recolhimento, separação, destinação, transporte e beneficiamento dos resíduos.

Se enquadram na proposta, eventos como shows e festivais musicais, festas e manifestações culturais, congressos, seminários, workshops, feiras, convenções, encontros corporativos e congêneres e campeonatos esportivos de qualquer modalidade.

O parlamentar propõe ainda que o Plano de Gerenciamento priorize a celebração de convênio ou parceria com cooperativas de catadores de materiais recicláveis.

Martins justifica que a inclusão do artigo na Política Estadual de Resíduos Sólidos, contempla as cooperativas, que contribuem com a extensão da vida útil de produtos e embalagens por meio da coleta, separação e fornecimento de matéria-prima secundária para a indústria. “Dessa forma, consolidam os programas de logística reversa de empresas que buscam a recuperação de produtos recicláveis”.

Outro projeto de lei que aborda a reciclagem é de autoria de Bia de Lima (PT) e propõe a instituição do Programa de Gestão da Economia Circular, que estabelece medidas de incentivo e reutilização de resíduos e cria o mercado de crédito de reciclagem no Estado.

A proposta estabelece, entre outros pontos, o estímulo à implementação de programas de coleta seletiva em parceria com municípios e o estabelecimento de diretrizes para a compostagem de resíduos orgânicos, com incentivos para a criação de composteiras em escala comunitária e institucional, contribuindo para a redução do volume de resíduos destinados aos aterros.

A educação ambiental, apontada como o dispositivo mais eficiente de estimular a reciclagem, também é contemplada no projeto de lei, que prevê a promoção da integração das escolas públicas estaduais em campanhas de conscientização e educação ambiental, por meio da inclusão de conteúdos relacionados a gestão de resíduos e economia circular nos currículos escolares.

Segundo argumenta Bia de Lima, a proposta atende ao compromisso de assegurar às presentes e futuras gerações um ambiente ecologicamente equilibrado, disposto na Constituição Federal “por meio do fomento à adoção de práticas de economia circular, redução de resíduos e reciclagem de materiais, promovendo uma gestão sustentável dos recursos naturais, assegurando a minimização dos impactos ambientais decorrentes do descarte inadequado de resíduos de vidro e promovendo a qualidade de vida da população goiana”.

E para que a Casa dê o exemplo, o deputado Charles Bento (MDB) apresentou um requerimento ao presidente da Alego, Bruno Peixoto (UB), solicitando que seja instituída a Política de Reciclagem de Resíduos, nas dependências do Poder Legislativo estadual, visando a coleta e o descarte adequados de dejetos, além da promoção de conscientização dos servidores e visitantes quanto à importância da separação de resíduos orgânicos e recicláveis gerados no cotidiano do Palácio Maguito Vilela. “A criação desta Política não somente proporcionará bem-estar aos servidores e população, como também viabilizará maior atenção e preservação do meio ambiente, pauta de extrema relevância social, sendo ação condizente com a atuação deste Poder”, justificou o parlamentar no documento.

O futuro da reciclagem

Mesmo com os obstáculos e dificuldades enfrentadas, alguns retrocessos e os pequenos avanços, os números relativos à reciclagem, de forma geral, têm sido positivos.

Ainda segundo dados do Anuário da Reciclagem, entre 2019 e 2022, o número de organizações de catadoras e catadores mapeadas no País passou de 1.829 para 2.941, um aumento de 61%.

Nesse mesmo período a quantidade de material reciclável coletado e destinado à reciclagem pelas organizações de catadores no Brasil, cresceu 68%, passando de 1,057 milhão de toneladas, em 2019, para 1,774 milhão de toneladas, em 2022.

Nos quatro anos, o faturamento dos trabalhadores aumentou 145% em termos reais (descontada a inflação pelo IPCA). Segundo o documento, o crescimento “é reflexo tanto do aumento do número de organizações mapeadas e registradas no Banco de Dados, quanto da tendência de aumento real dos preços de alguns materiais, desde 2019. Contudo, verifica-se, também, que a curva de aumento de faturamento, entre 2021 e 2022, é, proporcionalmente, menor que os anos anteriores, o que se imagina ter origem na oscilação do preço dos materiais pós-pandemia”

Esses indicadores tendem a crescer proporcionalmente à medida que a conscientização coletiva da importância da reciclagem também aumente. E essa seja talvez a mais importante batalha das pessoas que atuam no segmento.

O Movimento Lixo Zero é uma dessas instituições que vem trabalhando em várias frentes, no sentido de estimular a reciclagem, o reuso e o reaproveitamento dos resíduos sólidos e a compostagem do lixo orgânico. A educação ambiental é uma delas.

Nas ações educativas realizadas, além de receber materiais para reciclagem, o Movimento leva para parques e outros logradouros públicos, artefatos produzidos com materiais reciclados.

Raquel Pires conta que atualmente quase tudo pode ser reciclado, até mesmo papel higiênico, absorventes e fraldas descartáveis. “Hoje a solução que nós conhecemos, que nós mostramos em Goiânia é uma massa feita a partir desses resíduos, que é produzida para ser usada em bancos e mesas de praças públicas. Ela parece um cimento. E hoje estão sendo feitos estudos para que isso possa ser usado em forma de tijolo para ser utilizado em habitações públicas”.

Mylene Lima também reconhece o crescimento da atividade, mas ressalta que isso acontece muito mais pela insistência dos trabalhadores da reciclagem do que por qualquer outro motivo. Para ela, muitas vezes, o poder público, ao invés de incentivar o processo, acaba desestimulando o trabalho das cooperativas. “Nós tentamos fazer a nossa parte, mas a legislação nos barra, a tributação também nos barra, porque nós temos que tirar nota fiscal desse material na hora da venda e ele consome quase que 40% do ganho de tudo que a gente produz, então fica um pouco difícil a gente trabalhar em prol do meio ambiente e da sustentabilidade”.

Apesar disso tudo, esse é um processo que não tem volta e tende a crescer, ainda que lentamente.

Para o empresário Fábio Gomes, que já atua no setor de reciclagem há quase 10 anos, toda a cadeia vem apresentando evolução e, mesmo o mercado privado também está cada vez mais aberto aos produtos recicláveis. Segundo ele, no caso do plástico, as grandes empresas já estão adicionando até 30% de material reciclado nas suas fórmulas.

Mas ele também chama a atenção para a necessidade do incentivo à separação dos resíduos e sugere mudanças também para a atuação das cooperativas. “O ideal é que em Goiânia hoje, houvesse uma central de triagem com os equipamentos com custo mais baixo e deixasse que as cooperativas se organizassem na entrada do aterro e fizessem a triagem do material e não simplesmente chegar com o coletor compactador e subir em cima do aterro, descarregar o material e vir uma máquina enterrando esse material 24 horas por dia. Isso está errado. E ainda tem a produção do gás que poderia ser envasado para a população de baixa renda”.

Soluções para que a reciclagem se torne mais eficiente e os ganhos sejam cada vez maiores para o meio ambiente e para a cadeia da reciclagem existem muitas, basta ter vontade para colocá-las em prática.

E com a propriedade de quem, desde criança, enfrenta as agruras, os desafios e o preconceito de viver do que a sociedade descarta, Mylena ensina que, como qualquer outra, a profissão é digna, mas a sociedade precisa valorizar o trabalho realizado por eles, especialmente em um tempo em que a destruição da natureza começa a cobrar a conta. “Os catadores têm um papel primordial que é a retirada desse material que poderia estar indo para o aterro sanitário e diminuindo sua vida útil. E eles precisam ter uma vida digna através disso. A reciclagem transforma as pessoas, ela modifica a visão do trabalho e a gente gosta do que faz.  Porque quando a gente começa a trabalhar com isso, a gente se sente mais liberto, porque a gente sabe que tem um retorno, mas ele tem que ser digno, digno de dar sustentabilidade para nossas famílias. E é isso que eu espero”.  

Fonte: Portal da Alego

Fonte: Agência Assembleia de Notícias

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