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Abaixo o preconceito

Instituída em Goiás em 2016, com inclusão no Calendário Oficial de Eventos do Estado, a Semana de Conscientização da Síndrome de Down, foi fruto de um projeto de lei de iniciativa da Assembleia Legislativa de Goiás (Alego), aprovado pela Casa e sancionado pelo Governo do Estado. A mesma lei estabeleceu também o 21 de março como Dia Estadual da Síndrome de Down, coincidindo com o Dia Mundial também dedicado à conscientização sobre a síndrome. Além dessa proposição, diversas outras matérias tratam do tema na Casa.

A síndrome de Down ou T-21, uma nomenclatura mais atual, é um distúrbio genético que ocorre no momento da formação do embrião e atinge um a cada 600 bebês. Por causa da alta incidência é uma preocupação constante dos legisladores goianos, que têm apresentado propostas que visam atender as pessoas com a síndrome de Down e seus familiares.

Uma dessas propostas é de autoria do presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Paulo Cezar Martins (PL), que quer a criação de uma política de atendimento multifuncional às pessoas com síndrome de Down ou trissomia do cromossomo 21. Segundo ele, o objetivo é estimular o diagnóstico precoce, ainda durante a gestação ou nos primeiros dias de vida da criança, além da participação da família da pessoa com síndrome de Down na definição e controle das ações e serviços de saúde.

A matéria prevê, também, o estímulo a pesquisas voltadas tanto ao aspecto da detecção precoce, quanto ao tratamento de base terapêutica e medicamentos, quando se fizer necessário.

“Como todos sabem, é de suma importância o diagnóstico precoce, visto que essa condição genética exige um tratamento mais qualificado para assegurar a sua qualidade de vida, de modo que isso facilitaria o ingresso mais cedo em programas de atendimento multiprofissional com profissionais de diferentes áreas da saúde, incentivando a oportunidade de crescerem e desenvolverem suas potencialidades para uma melhor inclusão social”, arremata Paulo Cezar. 

Inclusão

O presidente da Alego, Bruno Peixoto (UB), também tem proposta que contempla as pessoas com a síndrome. A propositura institui a Política Estadual de Incentivo ao Trabalhador com Síndrome de Down, com o objetivo de estimular a inclusão desse contingente no mercado de trabalho formal e remunerado.

Bruno afirma que faltam políticas de incentivo para inserir pessoas com a síndrome de Down no mercado de trabalho. ‘‘Esperamos, com a lei, alcançar as empresas que querem apoiar e promover a diversidade com a inclusão do trabalhador com a síndrome, mostrar a elas que esses indivíduos são capazes, estão disponíveis e podem. Com os cuidados necessários, serão excelentes funcionários, só precisam receber orientação, apoio e estímulos para reconhecerem a função que desperte a vocação e o interesse, como qualquer outro funcionário’’, diz.

Segundo a pediatra Ana Márcia Guimarães, especialista em transtornos do neurodesenvolvimento, a síndrome de Down é um distúrbio genético que ocorre quando o embrião está se formando. A médica explica que todos os cromossomos do corpo humano têm duas cópias: uma do pai e uma da mãe. No caso de pessoas com a síndrome, acontece uma espécie de erro na replicação do cromossomo 21, que apresenta uma cópia a mais, por isso é também chamada de trissomia do cromossomo 21. “Ela é de causa genética, mas não é, na grande maioria das vezes, herdada, ou seja, os pais não têm a alteração genética. Mas na hora que os gametas se encontram e o embrião começa a se dividir, em algum momento precoce dessa divisão acontece esse erro genético e é formado um cromossomo 21 a mais.”

De acordo com a especialista, essa alteração genética é que causa todos os sintomas e sinais que a pessoa com síndrome de Down apresentam. Ana Márcia sublinha que a produção das proteínas dos genes que estão presentes no cromossomo 21, são responsáveis pelas características semelhantes entre essas pessoas, tanto comportamentais, como físicas, como a baixa estatura, olhos arredondados e inclinados para cima, a musculatura um pouco mais flácida, pés, mãos e dedos menores.  

Além disso, por causa dos genes alterados, várias proteínas sintetizadas no organismo ficam desreguladas, o que leva a pessoa com a síndrome a algumas limitações e serem mais predispostos à algumas doenças, entre elas, o hipotireoidismo, doenças hematológicas, luxações no quadril e na coluna.

Segundo a pediatra, todas as pessoas com Down têm limitações cognitivas e intelectuais, em maior ou menor grau, sendo que a capacidade intelectual é um pouco menor do que a correspondente à sua faixa etária. “São pessoas que demoram mais para andar, para falar, para serem alfabetizadas. São pessoas que precisam de um suporte maior para sua sobrevivência.”

Outra condição que acompanha grande parte das pessoas com T-21 são as cardiopatias. De acordo com a pediatra, 60% das crianças com síndrome de Down nascem com problemas cardíacos, em graus variados. A médica orienta que as crianças que nascem com as características da síndrome, mesmo antes da confirmação pelo estudo genético, devem ser submetidas a uma avaliação cardiológica, pois há casos graves que necessitam de intervenções cirúrgicas para evitar risco de vida.

Maior incidência

Segundo Ana Márcia Guimarães, a incidência da síndrome está diretamente relacionada à idade da mãe. “Enquanto nas mulheres de até 40 anos, a incidência é de 1 caso para cada 600 nascidos vivos, nas mães com mais de 40, essa proporção vai de 1 para 50. Quanto mais velha, mais madura a mãe, é maior a chance que essa mutação aconteça.”

A especialista esclarece que a síndrome não pode ser considerada uma doença, mas sim uma condição, porque uma enfermidade pressupõe que exista um tratamento que pode levar à cura. No caso da síndrome ela irá acompanhar o indivíduo por toda a vida.

Mas isso não significa que a pessoa não poderá ter uma rotina como qualquer outra. O que o indivíduo com a síndrome precisa é de acompanhamento adequado desde o início da vida para garantir que as ocorrências que podem acometer quem tem síndrome de Down vão ser tratadas a tempo.

“As pessoas com síndrome de Down precisam de acompanhamento médico clínico rigoroso e diferenciado para rastrear hipotireoidismo, anemias, outros problemas hematológicos, ortopédicos, endocrinológicos. No caso das crianças, de preferência, com o pediatra que se dedica ao acompanhamento de crianças atípicas, o que se chama pediatria do desenvolvimento.”

Além disso a criança com a síndrome precisa de um acompanhamento com outros profissionais que também vão garantir o desenvolvimento físico, psicológico e intelectual, como psicólogos, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, psicopedagogos, entre outros.

Sentença de vida

A atriz Rafa Delgado teve tudo isso. Desde que recebeu o diagnóstico para a filha, há 26 anos, a família de Rafaela procurou, em primeiro lugar, se informar sobre o que era a síndrome de Down, porque na época pouco se falava sobre a condição. “A maneira como o médico trouxe a notícia dizendo de que ela talvez não andasse ou falasse, deu a sentença de vida dela e isso também fez com que vivenciássemos uma tristeza, não falo luto porque não perdi nada, mas quando esperamos um filho fazemos na nossa mente e idealizamos o que queremos”, conta a mãe Patrícia Delgado.

A partir daí a família começou a buscar todos os recursos necessários para que o desenvolvimento da menina fosse o melhor possível. A mãe relembra que a família tinha duas opções: aceitar como uma sentença ou ir atrás do que ela precisava para desenvolver. A segunda opção foi a escolhida. “Logo no primeiro mês a Rafa tinha uma equipe multidisciplinar: fisioterapeuta, fonoaudiólogo, que estimulavam… tudo sempre foi equipe, família, profissionais da área, e muito determinação e amor”, ensina Patrícia.

Toda o esforço da família em busca de qualidade de vida para a Rafaela trouxe resultados, mas não conseguiu livrá-la da doença do preconceito.

Patrícia se recorda das várias vezes em que a filha viveu situações constrangedoras e discriminatórias. Algumas ficaram na memória. Uma delas aconteceu em São Paulo. A família estava em rua de lazer onde havia alguns brinquedos infantis. Rafaela estava na piscina de bolinhas quando chegou um casal de irmãos. Patrícia conta que o menino era um tanto escandaloso, gritava muito e chorava com facilidade.

Em certo momento Rafaela brincava jogando as bolinhas para o alto de forma que caíssem em cima dela mesma. E mesmo sem que as bolinhas sequer encostassem nele, o menino começou a gritar e chorar. Então o pai das crianças pediu que a monitora tirasse “aquela menina esquisita” de lá porque o filho dele estava incomodado.

Felizmente a monitora estava preparada para lidar com o diferente e não aceitou o pedido do homem. “Mas ainda assim foi uma situação constrangedora pois meu marido ainda discutiu com esse pai”, relembra Patrícia.

Lidar com o preconceito foi um outro desafio para a família. E quem ensinou a lição mais importante foi a própria Rafaela. Segundo Patrícia, foi em outro momento de discriminação que a menina ensinou que não é com brigas ou discussões que se combate a situação, mas sim com informação e muito diálogo.

“Nós estávamos dando uma palestra e ela disse que um menino fez bullying com ela e eu perguntei porque ela não me contou. A Rafa me disse que é porque eu teria ido lá para brigar com todo mundo. Daí aqui em casa a minha família aprendeu que para lidar com preconceito, não adianta bater de frente ou brigar. A gente teria que informar, que ter paciência, que explicar para as pessoas ou estaríamos fazendo como elas. E isso quem me ensinou foi a Rafaela” conta Patrícia.

A própria Rafa relembra diversas situações de preconceito, mas que ela sempre tirou de letra. “Eu sempre tive muitos amigos na escola, que são muitos legais, mas também já sofri bullying. Uma vez uma mãe chamou todo mundo para uma festa do pijama e não me chamou. Eu cheguei nessa mãe e perguntei porque você chamou todo mundo para dormir na sua casa e não me chamou? E a mulher ficou sem graça”, conta.

E foi em ambientes cheios de amor e compreensão e em outros, nem tanto, que Rafaela cresceu. Aprendendo e ensinando. Como qualquer pessoa. Mas ter tido apoio para enfrentar a condição, fez toda a diferença para que ela tivesse e tenha, ainda hoje, uma vida normal e segurança para enfrentar as adversidades.

Cheia de entusiasmo, Rafa revela que a rotina dela é igual a de qualquer outra jovem da sua idade. “Eu não me sinto limitada por ter T-21. Eu saio, eu namoro, eu faço academia, eu faço aula de hip-hop, eu amo dançar. Eu faço tudo, eu arrumo a casa. Eu faço cursos online. Minha vida é normal como a de todos.”  

E foi num ‘rolê’ em um shopping center que a Rafa descobriu a profissão que queria seguir. No centro de compras, ela foi abordada pela produtora de um programa de TV que a convidou para fazer um teste. Ela fez e… passou!

A partir daí ela começou a fazer cursos e descobriu que ser atriz era a profissão da sua vida. E não era brincadeira, ela queria ser uma atriz profissional. Em busca de aperfeiçoamento, ela foi para o Rio de Janeiro e para São Paulo fazer mais e mais cursos.

Em seu currículo de atriz, Rafaela Delgado já contabiliza comerciais, séries e filmes. Mas mesmo provando seu talento e sua formação profissional, muitos colegas duvidam da capacidade dela. “Quando eu chegava lá (nas gravações), as pessoas achavam que eu não era capaz de falar meu texto, de contracenar, de colocar emoção nas cenas… mas eu chegava com o texto pronto e elas ficavam de queixo caído.”

Tanta dedicação resultou em um convite para protagonizar um filme que é um pouco da história de vida da própria Rafa. “Ninguém disse que seria fácil” é um curta-metragem que mostra a trajetória de Laura, uma atriz T-21 que sonha em protagonizar uma montagem do Pequeno Príncipe. Quando surge a oportunidade de encenar o personagem, ela é maltratada pelo renomado diretor, que duvida da capacidade da atriz, somente por causa da síndrome de Down.  

A partir dessa situação o tema do capacitismo é discutido. Estudando para compor a Laura, Rafa Delgado deu outro show de profissionalismo, decorando, na ponta de língua, as 17 páginas do roteiro da personagem.

A trajetória de vida da Rafaela é uma prova de que a T-21 traz desafios para toda a família, mas que todos eles podem ser enfrentados e superados. Como diz o filme que a Rafa protagoniza, ninguém disse que ia ser fácil, mas sim, é viável e possível.  Mãe e filha ensinam um pouquinho. “Acreditar neles, que eles têm condições é a primeira coisa, a mais importante. Muitas vezes para alguns desenvolvimentos você vai precisar de uma equipe, você vai precisar fortalecer, você vai precisar de uma família que te apoie, que esteja do seu lado. Vai precisar dar muito amor, dar muito carinho. Vai ter situações de preconceito? Vai, mas se todo mundo estiver junto vai ser muito mais fácil enfrentar”, diz a mãe da Rafaela.

A jovem também manda um recado para as pessoas T-21 e para as famílias. “Acreditem em vocês. Vocês podem realizar os seus sonhos. Sigam, que vocês vão conseguir. A minha vida é como a de vocês e é normal como a de todo mundo. Pode sair, pode curtir, pode fazer o que quiser! E vocês, pais, acreditem nos sonhos dos seus filhos. Não deixem as pessoas dizer que eles não são capazes, porque somos capazes, sim. Vamos lá, vamos à luta”!

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P.S.: Rafa Delgado já integrou elenco das séries “Use sua Voz” (HBO), “Imagine – a série 2” (SBT), fez o longa metragem “Ano 2 –  A Viagem” com direção de Marcos Dartagnan, e do filme “Somos todos diferentes”, disponível no youtube. No teatro participou da peça “Mulheres Nascidas do Nome”, de Cláudio Torres Gonzaga, e também fez os curtas “Fale Conosco”, de Fábio Costa Prado, e “Desconstrindo Olhares”, de Luciano Caldas.

O filme “Ninguém disse que seria fácil” tem estreia para convidados e imprensa nesta quinta-feira, 21, com coquetel de recepção às 19h30. Em seguida, às 20 horas, haverá a exibição do filme seguida de debate, na sala 2 do cinema do Shopping Bouganville no Setor Marista, Goiânia.

Fonte: Portal da Alego

Fonte: Agência Assembleia de Notícias

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