Sentado em uma cadeira de refeitório de escola, franzino, cabelos brancos, estatura baixa, e um olhar azul esverdeado de maresia, estava o professor de ciências Erivaldo Ribeiro de Almeida, 75 anos, prestes a contar sua história de vida em meio a refletores, gravadores e câmeras, na Escola Municipal Neide França, localizada no povoado Saúde, bairro Pescaria.
Com quase 60 anos de sala de aula (29 anos e seis meses na rede municipal e 30 anos no estado, com passagens na rede privada de ensino), Erivaldo é um dos servidores da Secretaria Municipal de Educação de Maceió (Semed) prestes a se aposentar. Porém, ele não quer deixar a sala de aula e se entristece sempre que ouve a palavra aposentadoria.
“Eu nunca pedi férias, nem licenças. Foram 50 anos bem vividos de estímulo, de energia, de satisfação, porque a profissão que escolhi realmente foi ser professor, e é isto que gosto de fazer. Estou me sentindo extremamente triste devido a minha saída da sala de aula. É também uma sensação agridoce”, comentou o professor, que é pai de dois filhos e avô de um neto.
Erivaldo contou que não lembra os números exatos, mas acredita que passou por centenas de turmas e formou milhares de estudantes. Ele passou por várias unidades escolares, sendo 13 anos na Escola Neide França, na qual lecionou para alunos dos 6º ao 9º anos e da Educação de Jovens, Adultos e Idosos; um ano na Escola Municipal Zumbi dos Palmares, no Clima Bom; e como horista nas escolas Orlando Araújo, Dom Antônio Brandão, Pio X, Lenilto Alves, Eulina Alencar, entre outras.
Lugar de excelência
“Atentai!” ou “amigão”, como é conhecido e chamado pelos alunos, já era para estar fora de sala de aula, mas conseguiu, junto com a diretora da escola, ficar lecionando até o dia 31 de janeiro deste ano. Os apelidos de Erivaldo são característicos dele mesmo, porque o professor tem o costume de chamar a todos de “amigão” e também quando quer chamar a atenção dos estudantes mais inquietos ao assunto da disciplina, daí vem o “atentai!”. Para ele, a sala de aula é um lugar de excelência e fazedor de sentidos.
“Quando eu entro numa sala de aula é como se eu não existisse porque não há problema, não tem nada de ruim, é como se eu não existisse, só que de uma forma positiva. Eu entro ali fazendo minha função, procurando sempre executar meu trabalho com eficiência para que os nossos alunos tenham uma maior facilidade de assimilar”, disse o profissional, que também comparou o ofício do professor à ida a um cinema. “É como ir ao cinema: uma maior diversão, uma alegria imensa. Sinto-me satisfeito”, contou.
Todos os dias, de segunda a sexta-feira, a rotina do professor era tranquila e conciliável, já que tinha como se locomover de motocicleta no trânsito da cidade. Ele mora na Pajuçara e saía cedo de casa para dar aula no bairro Pescaria, às 11h, e no Clima Bom. Apesar da distância, Erivaldo gostava da movimentação.
A conversa da equipe de reportagem com o professor foi também acompanhada por cerca de sete estudantes da escola, por alguns funcionários e pela gatinha adotada pela unidade, chamada Dolores. Ela ficou o tempo todo perto do “amigão” dormindo, ronronando, se espreguiçando e, muitas vezes, olhando para ele já com um sentimento de saudade.
Único da família
Durante a entrevista, a voz empostada e os olhos de seu Erivaldo embargaram congestionados de emoção. Houve uma pausa para recalibrar a câmera. Nesse momento, o professor querido por toda a comunidade escolar recebeu um grande abraço coletivo dos alunos que estavam presentes. Todos choraram.
De volta ao centro de seu mundo, o professor Erivaldo relatou que nasceu no dia 20 de novembro de 1948, em Atalaia, município do interior de Alagoas, mas que foi criado e começou a estudar boa parte da infância e adolescência em São Miguel dos Campos. Filho de Jovino Ribeiro de Almeida, agricultor e analfabeto, e Maria Divaci de Almeida, dona de casa, Erivaldo foi o único dos 11 filhos que conseguiu fazer curso superior.
“Meu pai era homem da roça e não tínhamos muitas condições de estudo. Fomos morar em São Miguel dos Campos e lá o leque para eu estudar se abriu. Sempre quis fazer algo na área da educação. Meu irmão até reclamava e incentivava eu fazer algum concurso do Banco do Brasil, da Caixa, para fiscal de renda e eu sempre falava não”, lembrou.
O pequeno futuro professor de ciências fez o primário (Ensino Fundamental 1) e o ginasial (Ensino Fundamental 2) em São Miguel dos Campos. Nesse período, ele conheceu o trabalho do professor Cláudio Novaes, “que foi uma inspiração para mim. Ele era excelente, ensinava ciências, biologia, e isso desabrochou em mim a vontade de entrar na rede de ensino. Foi através dele que eu me inspirei para me tornar professor hoje”, relatou Erivaldo.
Anos depois, ele fez o científico (Ensino Médio) no Colégio Estadual de Alagoas. Tentou vestibular para medicina, mas não conseguiu ser aprovado. Então, fez um curso na Secretaria Estadual e, de lá, foi enviado para Recife, onde fez o superior na área de ciências. Após concluir, ele fez o concurso para o estado e foi selecionado. Mesmo trabalhando no estado, fez o concurso da Prefeitura de Maceió e começou a lecionar na rede municipal de ensino em 1994.
Erivaldo deixa um legado na escola e na comunidade ao redor onde trabalhou há anos, participando de projetos ambientais, como as atividades do Dia do Rio, verificação do ambiente, da poluição da região, sempre realizando ações de conscientização da preservação ambiental.
No total, há 317 alunos na Escola Neide França, sendo 81 pela manhã, 96 à tarde e 140 à noite, incluindo a Educação de Jovens, Adultos e Idosos. O professor também marcou e ajudou a formar a vida de milhares desses estudantes e professores.
‘Ele é diferente’
Os alunos Vasti Bento, Esther de Lima, e André dos Santos, de 13, 14 e 16 anos, respectivamente, conviveram todos os dias com o professor Erivaldo e contaram como era o cotidiano em sala de aula.
“A primeira lembrança que vem na cabeça quando penso no professor é a palavra ‘atentai’. Ele também fazia rima com o meu nome. Nas aulas ele era muito sério, mas também muito engraçado. Ele via algo naquela pessoa e já criava uma brincadeira. Vejo que ele gosta muito de ensinar. Muitos professores se preparam para se aposentar, dizem que não veem a hora de se aposentar, e ele é diferente, diz o contrário, que não quer se aposentar. Fiquei triste quando soube dessa saída dele”, disse Vasti.
Esther foi aluna de Erivaldo durante três anos. Ela destacou que admira muito o professor. “Meu estojo era cheio de brilho, daí ele me chamava de estrela. Eu morria de rir. Ele gostava muito que os estudantes também participassem das atividades e demais ações na sala. Na hora da correção do exercício ele pedia pra gente escrever no quadro. Ele valoriza muito a profissão”, revelou.
Já André falou emocionado que o professor era muito exigente na disciplina, mas sempre ajudava os alunos. “Ele é como um pai, sempre tirando as nossas dúvidas. O professor tinha um costume de me chamar de quadriculado, porque eu vou para a escola com camisa xadrez. Ele acompanhou um pouco da minha infância também e colocava apelido carinhoso em todo mundo da sala, acho o máximo. Foi através dele que comecei a gostar da matéria, sou muito grato a ele por tirar nossas dúvidas e estar sempre presente”, disse.
Estudantes dão abraço coletivo em seu Erivaldo durante a entrevista. Fotos: Mariel Matias/Ascom Semed
‘Só temos a agradecer’
A diretora da Escola Neide França, Alessandra de Almeida, enfatizou o compromisso que o professor teve nesses anos todos na unidade.
“O professor Erivaldo trabalhou conosco contribuindo com a aprendizagem dos nossos estudantes. Muitos deles passaram por essas mãos, com uma longa história pedagógica e também social, transformando vidas, transformando pensamentos. Vários alunos que se formaram ainda procuram o professor, às vezes perguntam se o professor ainda trabalha aqui. É um professor que só tem a agregar, sabe discutir, sabe dialogar, jamais faltou com respeito com alguém aqui nesse espaço. A gente só tem a agradecer e desejar tudo de bom pra ele”, reconheceu.
Erivaldo nunca chegou atrasado à escola e sempre cumpriu tudo o que planejava. Ele tinha o costume de todo fim de ano presentear os três melhores estudantes da turma com medalhas. “A maior satisfação que eu tenho no fim de ano é dar essas medalhas, sempre fiz isto. Acredito que é uma forma de estimular o meu alunado para que ele se dedique e estude cada vez mais. O convívio que tenho com os jovens é tudo na minha vida”, frisou.
Questionado sobre qual será a primeira coisa que fará quando formalizar a aposentadoria, Erivaldo olha profundamente para a câmera, reflexivo, e diz que ainda não sabe, mas que vai tentar focar no esporte.
“Se aparecer algo eu penso muito em me dedicar ao esporte, porque sou corredor, vou ter mais tempo para me dedicar a correr e a frequentar mais a academia, porque tudo isto é saúde, a gente melhora muito as condições do corpo, né?!”, concluiu.
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Fonte: Prefeitura de Maceió