Ainda coladas no velho álbum, dormindo na caixa empoeirada ou nos arquivos digitais, como são eloquentes as fotos de família! Quantas histórias contam, quantos personagens ilustram, quantos papéis, desejos e desesperanças, sucessos e derrotas, quantos sabidos segredos trazem à luz.
E, assumindo-se que a própria ausência de registros também abriga narrativas, sejam rarefeitas ou abundantes, cenas brevemente eternizadas figuram no acervo fotográfico de pobres ou ricos, anônimos ou famosos.
Nas imagens de criança da atriz Fernanda Torres, por exemplo, que na última semana conquistou uma das maiores premiações do cinema internacional, há frequentemente uma mãe por perto. Certamente não a persona Fernanda Montenegro, mas aquela mulher que, após o espetáculo, desce do palco antes de entrar em casa, desvestindo-se de seu célebre pseudônimo de grande dama do teatro e voltando a ser Arlette, mãe de família e esposa.
E embora seja sabido que a dramaturgia muito tenha tomado do tempo com os seus, lá está essa mãe, emocionalmente presente e, sempre que possível, fisicamente próxima, que toma sua menina no colo, envolve-a com seu corpo, seus braços, que olha para ela, que sorri, para quem a filha é nitidamente importante, assim como o marido e o filho.
Ainda que dedicada e atenta, está longe de ser servil, como era comum e esperado entre as mulheres de sua geração. Ela existe, sabe que existe e faz questão de existir.
E, ao ter a coragem de se apropriar da liberdade humana, não pode senão estendê-la generosamente aos demais. Por isso deixa, carinhosa, que a filha repouse despreocupada sobre seu colo. Porque afinal trabalha muito e sabe que a pequena precisa do abrigo desse corpo quente, seu porto-seguro.
Em outro momento, no espaço da brincadeira assiste, acolhedora, à menina “abrir as asas”, pássaro-filhote que ensaia seu voo. Sempre altiva, com um companheiro de vida e de ofício que a encara com respeito e admiração.
Cada família com seus problemas, afinal somos todos humanos, essa não há de ter sido diferente, mas certamente logrou entregar para seus filhos as ferramentas necessárias para trilhar seus próprios caminhos e forjar seus trunfos. Não com bajulação, com presentinhos caros e bobos ou permissividade, destinados a compensar negligência e distanciamento. Mas com valores, testemunhos, partilhas significativas e, mantendo o olhar atencioso para o mundo, estímulo aos sonhos.
Então, quando essa moça de quem o Brasil gosta tanto e há tantas décadas, com sua atuação brilhante em “Ainda estou aqui”, obtém reconhecimento mundial, especialmente por meio de um filme que dá o necessário destaque a um capítulo lamentável da história recente do nosso país – para que seja assimilado e não se repita -, é com orgulho que a maior parte de nós, brasileiros, nos levantamos para aplaudi-la.
Também digno de nota, o fato de dedicar o troféu à mãe, essa nobilíssima cidadã que tanto significa para a cultura brasileira, é altamente emblemático. Pois confirma que muito antes que o prêmio fosse entregue, foi ela que com suas atitudes autorizou, ao longo da vida, a filha a recebê-lo. E foi essa outorga que permitiu à sua cria explorar confiantemente o potencial que traz em si, descobrindo-se e entregando ao mundo o seu talento.
Então nos emociona, instrui e inspira o momento em que Fernanda Montenegro, também dona Arlette Pinheiro, ciente das profícuas sementes que plantou, exclama, do alto do seu trono de dignidade e lucidez, diante da vitória de Fernanda Torres: “Bravo, minha filha!”.
Onides Bonaccorsi Queiroz é jornalista, escritora e contadora de histórias, servidora pública na Secretaria de Comunicação do Acre
Fonte: Agência de Notícias do Acre