“Que esse policial possa pagar diante da justiça dos homens e da justiça de Deus. Não desejo que ele passe pela dor que estou passando. Não aceitaria o seu pedido de perdão… Isso não vai trazer a minha caçulinha de volta, mas não quero mal para a sua família”. A frase é de Alexsandro dos Santos, pai da pequena Emilly, de 4 anos, que morreu junto com a prima, Rebeca , na última sexta-feira (4).
Neste domingo (6), parentes e amigos fizeram uma manifestação e pediram justiça. As duas foram assassinadas enquanto brincavam na calçada em frente ao portão de casa, na comunidade do Barro Vermelho, em Gramacho, Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Agora, a família pretende processar o Estado. E lamenta a falta de apoio que tem recebido das autoridades.
Segundo parentes, policiais que estavam numa viatura atiraram em direção à rua em que Rebeca e Emilly brincavam. Eles afirmam que não houve confronto. Por nota, a PM disse que não fez disparos. A Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense apreendeu as armas dos cinco policiais que estavam na região. No total, foram para a perícia cinco pistolas e cinco fuzis. Os agentes já prestaram depoimento.
Maycon Douglas Moreira Santos, pai de Rebeca e primo de primeiro grau de Emilly, afirmou em entrevista ao jornal Extra: “queremos processar o estado não por dinheiro, mas por justiça”.
Rebeca Beatriz Rodrigues Santos, de 7 anos, amava balé, mas queria mesmo era ser marinheira. Já Emilly Victoria da Silva Moreira Santos, que faria 5 anos no próximo dia 23, sonhava apenas estudar e contava os dias para sua primeira festa de aniversário. O tema seria Moana, sua personagem favorita. No entanto, parte do recurso para a celebração, fruto da ajuda de toda a família, foi usado no enterro das primas e amigas, no sábado, dia 5 de dezembro, em Duque de Caxias . Rebeca e Emilly entraram para a triste conta de crianças vítimas de arma de fogo: somente em 2020, somando as duas, 12 já morreram, uma média de uma por mês.
Na tarde deste domingo, uma manifestação pediu justiça pela morte das primas e reuniu parentes e amigos na Praça do Pacificador, em Caxias. Pelo Twitter, o governador em exercício, Cláudio Castro, manifestou-se: “A dor das famílias que perderam seus entes queridos é irreparável. Duas crianças na porta de casa e um policial exercendo sua missão. Desde as primeiras horas, a Polícia Civil realiza as investigações, e nós daremos uma resposta à sociedade. Minha solidariedade e orações”, escreveu ele, citando também o PM morto em Mesquita na sexta-feira.
Família destruída
Maycon conta que a filha era doce, tinha porte de bailarina, mas era firme e, mesmo com pouca idade, já sabia o que queria da vida: estudar para ser marinheira. Já Emilly , de tão agitada, ganhou o apelido de Fuzuê. Amava festas e gostava muito de dançar, principalmente funk. Adorava estudar, e sua maior vontade era ir para a mesma escola de Rebeca .
Mãe de Maycon e avó de Rebecca, Lídia da Silva Moreira estava chegando do trabalho quando as meninas foram baleadas. Segundo ela, um mesmo tiro disparado por um dos PMs atingiu as duas. Na manifestação deste domingo, dia 6, ela lamentou a falta de suporte das autoridades: “não apareceu ninguém! Nem prefeito, nem governador, nem político nenhum! A gente só existe para dar voto. Não é porque moramos em comunidade que somos bandidos”.
Lídia, que trabalha com serviços gerais, afirma que a família está inconsolável: “todos os dias a Rebeca me pedia a benção. Ontem (sábado, dia 5) não teve isso. Hoje (domingo, dia 6) também não. Ela era minha única neta, filha única do meu único filho. Era a nossa princesa muito amada. A Emilly também foi muito desejada, tinha dois irmãos mais velhos, mas era a única filha da minha irmã. Não temos palavras para expressar como estamos”.
As duas foram sepultadas lado a lado, em gavetas, e o pai da mais nova, Alexsandro, foi quem fechou o túmulo das duas meninas com as próprias mãos. Na cerimônia, Emilly usava justamente a fantasia da Moana comprada para seu aniversário.
“Estava todo mundo feliz da vida (com a festa que se aproximava). Agora não tem mais nada. Acabou o Natal, o réveillon. Acabou tudo. Não temos mais motivo para festa”, afirma Maycon, que durante a entrevista foi interrompido pela enteada de 2 anos. “Ela está pedindo para eu pegar a Rebeca para tomar banho de piscina com ela. Já explicamos que a Rebeca foi morar com Papai do Céu. Mas ela não entende. Na verdade, ninguém entende como puderem fazer uma barbaridade dessas”.