A maquiagem para muitas mulheres, tanto cis como trans, não serve apenas para embelezamento, é uma forma de expressão e de como você vê o mundo.
As maquiadoras e sócias, Magô Tonhon e Rapha da Cruz explicam que ao fazer a maquiagem de alguém ou assinar editorial de beleza, estudam os modelos, como uma tela em branco e vão pincelando os detalhe para tirar o melhor de cada um.
“A maquiagem já existia nas nossas vidas antes de ser profissão, como mulheres trans surgiu como um possibilidade de ser e se fazer possível na sociedade, eu e a Magô nos conhecemos em um espaço de trabalho e passamos a dividir essa paixão pela maquiagem, aos poucos se tornou nossa profissão”, comenta Rapha em entrevista ao Delas.
As duas se conheceram em 2016, em um evento em que as duas estavam trabalhando. A amizade foi aumentando até que as duas decidiram fazer uma parceria. “Nós não nos limitamos a nossa própria pele e a gente começou a maquiar nossas amigas que não tinham um aqué (dinheiro) para pagar por isso, a gente ajudava com a maquiagem e elas com a divulgação e o portfólio”, completa Magô.
O desfile que mudou a vida delas
A dupla já fez vários trabalhos, sempre tentando trazer algo de novo e diversificado para o mercado da moda. Porém, o evento que elas mais se orgulham de ter feito foram ter assinaram a beleza do desfile da Vicenta Perotta na 46ª Casa de Criadores que ocorreu em novembro de 2019. Elas foram as primeiras mulheres trans a fazer isso.
“O desfile da Vicenta foi marcante, um desfile muito grande, com 100 modelos divididos em 5 blocos, cada bloco tinha uma história, era um desfile bem diverso. Tivemos ajuda de 43 pessoas voluntárias, divididas em maquiagem e cabelo.”, acrescenta Rapha.
Além disso, elas tomaram o cuidado para que todos os voluntários estivessem com os nomes na ficha técnica do evento, além de terem uma conversa para explicar qual pronome utilizar com cada modelo.
“O fato de termos assinado a beleza do desfile e algo que não aconteceria por sermos pessoas novas no mercado e se a designer da marca não fosse uma travesti e eu e a Magô fizéssemos sentido para ela, a parceria não teria rolado”, conta Da Cruz.
O passado é uma velha roupa que não nos cabe mais
Todo esse cuidado que Magô e Rapha tiveram foi muito pelo fato do que já passaram dentro dos bastidores por serem trans e não querer que outra pessoa sentisse o mesmo. Magô conta que no último São Paulo Fashion Week, ela fazia parte do time de beleza, que era composto por 30 mulheres e apenas duas destas eram trans.
“O estilista me expulsou aos berros do set perguntando o que eu estava fazendo ali, disse que apenas trabalhando como todas ali. Ele é bem conhecido por suas atitudes racistas. No mesmo dia, eu fui impedida de entrar no banheiro feminino, aquele dia foi bem cagado”, comenta a maquiadora.
Apesar de estarem conquistando todos esses espaços, elas explicam que ainda existem reflexos dessas barreiras que existe um regime de restrição quando você é uma mulher trans, mas que elas sabem que as vozes delas precisam ser ouvidas e elas não irão se calar.
“Todas as pessoas trans são plurais e têm experiências únicas. A minha experiência e a da Magô tem alguns privilégios e não temos vergonha disso. Apesar das trajetórias das pessoas trans serem diversas, pelo fato de vivermos em um país onde a transfobia e algo tão latente, a gente se depara com diversas pessoas trans que não tiveram oportunidade de concluir os estudos, entrar em uma faculdade por n razões, então quando falamos de exclusão do mercado de trabalho por conta da transfobia, ela e se dá de várias formas, incluindo essa”, explica a maquiadora.
Nunca chegaram a falar para elas que elas não seriam contratadas por serem trans. “Mas, você percebe que tem algo de errado quando eu te falo que em uma equipe de maquiadoras, 30 eram mulheres cis e só duas eram trans. Ela se prova também que só em 2019 que duas mulheres trans assinaram a beleza de um desfila na casa dos criadores, isso ainda não aconteceu na São Paulo Fashion Week”, exemplifica Magô.
Rapha acrescenta que existem espaços que querem aumentar a diversidade, todavia, é necessário pensar e como esses lugares irão lidar com essas pessoas que eles estão tentando agregar. “A coisa evoluiu, mas não pode ficar estagnada”.
Segundo elas, algumas marcas tentam trazer a diversidade, principalmente no mês de julho que é comemorado o mês do orgulho LGBTQ+, quando as marcas estão muito interessadas no buzz no negócio e celebração no discurso de inclusão.
“O discurso fica lá em junho, depois é esquecido. Até na hora de receber os produtos, o nosso presskit é diferente do que é mandando para outras as influenciadoras cis, se no delas vem 15 produtos, no nosso é 5. Eu não quero receber esses produtos porque eu sou trans, queremos receber porque somos profissionais e somos excelente no que fazemos, além disso, nosso público é muito engajado e fiel, quem perde ao meu ver são as marcas”, completa Magô.
Além da falta de representatividade nas campanhas, no produto em si não existe nenhuma especificidade para a mulher trans, pois o norte das marcas são as mulheres cis.
“Falta um direcionamento, o que a gente acaba enfrentando é no encontro físico na loja. Estávamos em uma de maquiagem vendo os produtos e não tinha nenhum preparo pra gente na loja. Não existem maquiagens por exemplo para esconder o chuchu (os pelos faciais que crescer) afinal o norte sempre vai ser a mulher cis, mas dá pra tirar isso com a correção de cor”, esclarece Rapha.
Magô encerra dizendo que o processo de transição não termina nunca, qualquer experiência de gente está sempre em dialogo, ou pelo menos deveria estar. “Ninguém é a mesma pessoa do que era há 5 anos atrás, o mesmo acontece com as pessoas trans.”