Na última terça-feira (16), a cidade mais populosa do DF, Ceilândia, passou a contar com uma unidade policial específica para o público feminino: a Delegacia de Atendimento Especial à Mulher II (Deam II), da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF).
À frente da estrutura, a delegada Adriana Romana chega com vasta experiência na área. Além de ter comandado a Deam I, já atuou nas 15ª, 19ª, 23ª e 24ª delegacias de polícia de Ceilândia.
Em entrevista à Agência Brasília, a delegada fala sobre o trabalho a ser desenvolvido na nova unidade. Localizada no centro de Ceilândia, a Deam II funcionará 24 horas por dia. O local também comporta um posto descentralizado do Instituto Médico Legal (IML), para atender demandas que não chegam à unidade central do instituto, no Complexo da PCDF, no Parque da Cidade.
São quatro seções, dedicadas à apuração de crimes violentos, contra a dignidade sexual, cibernéticos e contra mulheres idosas. Crianças e adolescentes também terão atendimento especial na nova delegacia.
Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista.
Qual a importância da nova delegacia para Ceilândia?
Essa nova delegacia é uma reivindicação antiga de toda a população de Ceilândia, uma das regiões mais carentes, sob o aspecto social, no Distrito Federal. A cidade também concentra os maiores índices de registro de ocorrências policiais no âmbito da Lei Maria da Penha. Temos a missão e o dever de realizar um atendimento especializado, de excelência, para as mulheres de Ceilândia, de reproduzir aqui as boas práticas que foram consolidadas na Deam I – que já conta com mais de 30 anos de existência. A PCDF conta com um protocolo de atendimento, desde 2019, voltado a esse público, que orienta todo o registro policial, desde o seu início, com vistas a evitar a revitimização, principalmente por parte daqueles que devem prestar o atendimento.
“Temos a missão e o dever de realizar um atendimento especializado, de excelência, para as mulheres de Ceilândia”
Pode-se dizer que a cidade registra números altos de episódios de violência doméstica?
A região concentra o maior número de ocorrências policiais no âmbito da Lei Maria da Penha, pois é também a mais populosa do Distrito Federal. A PCDF, por meio da Divisão de Análise Técnica e Estatística [Date], realiza o monitoramento de todos os tipos/registros de ocorrências policiais nas delegacias do Distrito Federal, o que inclui a pesquisa e produção de relatórios. No ano passado, as quatro delegacias de polícia de Ceilândia foram responsáveis pelo registro de 2.617 ocorrências desse tipo, sendo 514 delas situações flagranciais. Neste ano de 2020, cerca de 54,7% dos autores de crimes de violência doméstica e familiar no Distrito Federal foram os companheiros e maridos, ou ex-companheiros e ex-maridos. Cerca de 60% dos delitos ocorreram no período vespertino e noturno, sendo 37% desses crimes praticados aos sábados e domingos.
Como foi a criação da delegacia?
A Deam II foi criada por meio de um decreto publicado em abril deste ano pelo governador Ibaneis Rocha, que, muito sensível à temática, entendeu essa demanda da população de Ceilândia. A nova delegacia faz parte do plano de governo – a criação da Deam II e do posto descentralizado do IML nesse novo prédio, que passou a ser denominado Complexo Regional Base Ceilândia, juntamente com a 15ª DP, que já existia no local. O local passou a ser uma central de atendimento muito importante para a população, principalmente as mulheres vítimas de violência doméstica e familiar e de crimes contra a dignidade sexual. A criação desse complexo é a implementação do planejamento estratégico da PCDF.
“A criação desse complexo é a implementação do planejamento estratégico da PCDF”
Quanto tempo durou a obra de adaptação para que a nova delegacia funcionasse?
Cerca de dois meses. O prédio em que funcionava a 15ª DP passou por uma reforma importante para abrigar as novas unidades da PCDF. Com a ampliação, a quantidade e a qualidade dos atendimentos que passaram a ser ofertados à população foram ampliadas de forma mais eficiente.
Quais serão as seções da nova unidade policial?
A Deam II conta com atendimento de 24 horas no plantão policial e é responsável por todos os registros de ocorrências policiais das regiões administrativas de Ceilândia e do Sol Nascente/Pôr do Sol – que envolvem situações de mulheres vítimas de violência doméstica e familiar e de crimes contra a dignidade sexual – sendo responsável, pelas situações de flagrante. Internamente, a Deam II conta com quatro seções de investigação. São elas: apuração de crimes contra a dignidade sexual e violentos; uma seção especializada em oitivas e depoimento especial de crianças e adolescentes, com apuração de todas as denúncias anônimas e requisição de órgãos externos; investigação dos crimes cibernéticos e dos praticados contra idosas.
A nova unidade é composta por quatro seções, que se dividem em apurar crimes violentos, contra a dignidade sexual, cibernéticos e aqueles contra mulheres idosas. Depoimentos especiais de crianças e adolescentes, diligências, atendimento de requisições de órgãos externos e denúncias anônimas também farão parte das atividades.
Qual o diferencial da Deam II em relação às demais unidades policiais da cidade?
As demais delegacias circunscricionais realizam o atendimento de situações de violência doméstica e demandas diversas de diferentes tipos de crimes. Desta forma, na Deam II é possível fazer o atendimento inicial – que ocorre no balcão da delegacia – de forma diferenciada, com um olhar mais acolhedor e atendimento especializado. O encaminhamento para atendimento em outras áreas na rede pública e privada, como hospitais e centros de atendimento, por meio de parcerias e protocolos já estabelecidos, é mais fácil, pois faz parte de nossa missão.
“Na Deam II é possível fazer o atendimento inicial de forma diferenciada, com um olhar mais acolhedor e atendimento especializado”
Os servidores foram capacitados para atuar na Deam II de forma inovadora na PCDF. Como foi o curso?
Os 49 servidores foram devidamente capacitados para essa nova missão. Tivemos um curso que ocorreu entre os dias 1º e 5 deste mês. A capacitação contou com a participação de palestrantes de renome do Banco Mundial, do Núcleo Judiciário da Mulher do TJDF [Tribunal de Justiça do Distrito Federal], da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres, da Secretaria da Mulher, da Secretaria de Desenvolvimento Social e da Secretaria da Saúde, além da PCDF. O conteúdo das palestras foi muito variado, como a temática exige. Houve palestras sobre cenário mundial da violência contra a mulher no contexto de pandemia, experiências internacionais de enfrentamento, criação da Lei Maria da Penha, medidas protetivas de urgência, questionário de avaliação de risco, questões de gênero, preservação de informações, coleta de vestígios de crimes cibernéticos, entre outros temas.
Qual a importância da Lei Maria da Penha no contexto da violência contra a mulher? A quem se aplica?
A violência doméstica e familiar, principalmente de crimes praticados no interior da residência, é um fenômeno social comum. Não existia a Lei Maria da Penha, portanto. Quando o agressor era levado à delegacia, juntamente com a vítima, todos eram ouvidos e, após a assinatura de um termo de compromisso e comparecimento, os dois voltavam juntos para casa, como se nada tivesse ocorrido. E o pior: a mulher voltava para casa com ele e muitas vezes voltava a ser agredida. A publicação da Lei nº 11.340/2006, ou Lei Maria da Penha, foi um divisor de águas. Agressores passaram a ficar presos, e as mulheres, mais protegidas nessa relação desigual, principalmente porque ela [a lei] trazia a criação de um instrumento legal muito importante: as medidas protetivas de urgência. Esse momento foi muito importante, um marco histórico para que uma nova consciência, por parte de toda a sociedade, fosse criada e se libertasse de velhos paradigmas. A Lei Maria da Penha fez com que todos os envolvidos nesse processo de violência passassem a refletir sobre a violência que ocorre no âmbito doméstico, a mudar o ditado e agora a pensar que “em briga de marido e mulher se mete a colher”. A lei se aplica a mulheres, crianças, adolescentes e idosas, incluindo também as mulheres trans.
“A Lei Maria da Penha se aplica a mulheres, crianças, adolescentes e idosas, incluindo também as mulheres trans”
Qual a importância da denúncia nesses casos?
A denúncia é muito importante, pois muitas vezes a mulher está sendo vítima de crimes no âmbito da Lei Maria da Penha e não procura a delegacia para o registro policial, nem outros órgãos que poderiam ajudá-la nesse momento. Na maioria dos casos de feminicídio do Distrito Federal, as mulheres não tinham realizado nenhum registro policial contra o agressor, e esse é um dado preocupante, pois sem conhecimento é difícil alcançar e ajudar essas mulheres, que certamente vivenciaram um ciclo de violência antes do desfecho final trágico, com sua morte.
Ao decidir fazer a denúncia, a vítima deve procurar primeiramente uma delegacia ou um hospital?
Se a mulher precisa de algum atendimento hospitalar, esse é o atendimento prioritário. A notificação da delegacia pode ser feita no próprio hospital, que realizará o contato, e as demais providências relativas ao registro serão tomadas, principalmente nos casos de agressão física.
Quais as formas de denúncia?
O telefone da Deam II é o (61) 3207-7391. As denúncias anônimas podem ser feitas pelo telefone 197; e na opção 3, devido à pandemia da Covid 19, é possível o registro da ocorrência policial também. Outro canal disponibilizado é a Delegacia Eletrônica, no endereço https://delegaciaeletronica.pcdf.df.gov.br/
* Com informações da Secretaria de Segurança Pública (SSP)